Um Nobel para Augusto Boal
Até o fim de janeiro o comitê norueguês que atribui o Prêmio Nobel da Paz recebeu cartas de personalidades do mundo inteiro apoiando a candidatura de Augusto Boal.
O diretor de teatro reconhecido no mundo inteiro foi indicado por sua criação maior, o teatro do oprimido. A partir de agora, o comitê do Nobel da Paz vai reunir todas as manifestações de apoio e escolher os nomes que concorrem oficialmente ao prêmio de 2008.
Os grupos de Teatro do Oprimido ajudam milhões de pessoas em todos os continentes a afirmarem sua cidadania nas lutas contra o racismo, o sexismo, o trabalho escravo e todas as formas de desrespeito aos Direitos Humanos.
Abaixo, um trecho da entrevista que fiz com Boal em Paris, no ano passado, publicada na revista online Tropico e no jornal francês L’Humanité :
Augusto Boal é um monstro sagrado do teatro brasileiro mas tem a simplicidade dos sábios e o sorriso franco das crianças. Nascido em 1931 no Rio de Janeiro, Boal, trabalhou com o Teatro de Arena até 1971, quando foi preso e torturado pela ditadura que tomou o poder com o golpe militar de 1964. Depois de libertado, se exilou na Argentina e depois na França. Durante o exilio, trabalhou em todo o continente sul-americano, em Portugal, na França e na Alemanha. Hoje, o Teatro do Oprimido, criado por Boal, é praticado em mais de 70 países. Esse teatro engajado se inspira na pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, e no pensamento da extrema-esquerda brasileira.
Através de diversas formas de expressão (teatro-imagem, teatro invisível, teatro-forum), o Teatro do Oprimido tem como objetivo romper com a passividade do espectador, semelhante à do cidadão. Nesse sentido, é um teatro subversivo.
Entre os diversos prêmios que Boal recebeu, dois têm grande importância para ele: o prêmio Pablo Picasso, atribuído pela Unesco a artistas que deram contribuições excepcionais à arte e o prêmio da Association for Theatre in Higher Education, nunca antes concedido a um não-americano. Na área teatral, nenhum brasileiro teve tanto reconhecimento internacional quanto Augusto Boal.
“Todo teatro é uma forma de ação política. A gente vê peças que fogem dos problemas centrais da sociedade e pegam problemas puramente circunstanciais, de entretenimento. Isso é uma ação política. E no nosso caso, é uma ação política consciente. Sabemos que existem opressões que queremos combater. É uma forma de fazer política, mesmo que não seja política partidária”, teoriza Boal,
“Digo que o teatro do oprimido é uma chave. A chave não abre a porta, quem abre a porta é quem segura a chave e a torce. Todo e qualquer teatro mostra um segmento da sociedade em movimento. No teatro, você mostra conflitos humanos sociais e políticos em movimento. O espectador entrando em cena aprende primeiro a entender como é a opressão ao vivo. Ele aprende a detectar as armas do opressor. E treina para uma transformação. Não é no teatro que ele vai transformar. No teatro, ele se transforma transformando a situação fictícia. Mas ele não é ficção, ele se transforma. A idéia é fazer com que o teatro seja um trampolim para ir para fora e transformar a realidade. O teatro é um treino onde ele entende quem é o adversário e treina táticas e estratégias de luta para aplicar na realidade”.
Oprimidos de Gaza
O presidente da ONG Médecins du Monde (França), Pierre Micheletti e a responsável pelos programas dessa ONG nos territórios palestinos, Marie Rjablat, assinaram um artigo no jornal Le Monde de 30 de janeiro que começa com uma metáfora provocativa:
“Vários milhares de detentos conseguiram fugir, quarta-feira, 23 de janeiro, de uma prisão palestina. Os fugitivos, homens, mulheres e crianças, precipitaram-se por brechas abertas com explosivo no muro da ala sul. A maior parte deles são “prisioneiros políticos” residentes no que constitui hoje o maior centro penitenciário do mundo pois uma área de 40km por 10km acolhe 1 milhão e 400 mil pessoas. Esse território se caracteriza por um ambiente onde as armas são onipresentes, onde o Fatah e o Hamas disputam o poder, enquanto grande número de seus líderes estão na prisão. A questão religiosa se radicaliza ao mesmo tempo em que o mundo árabe-muçulmano sacraliza a questão palestina para fazer dela um teatro emblemático de seus conflitos com o Ocidente. É a grande prisão a céu aberto de Gaza, onde a população paga uma punição coletiva por ter levado ao poder o Hamas nas eleições legislativas de fevereiro de 2006”.
O texto continua relatando a passagem forçada por milhares de pessoas para irem fazer compras de primeira necessidade no Egito, sobretudo alimentos e remédios. Depois, relata com números espantosos o estado de calamidade de Gaza, transformada pelo embargo israelense em gueto insalubre onde pessoas de todas as idades morrem por falta de remédios básicos, falta de água e de eletricidade nos hospitais. A água e a eletricidade de Gaza são controladas totalmente por Israel. E o embargo significa o estrangulamento até a morte de toda a população da Faixa de Gaza.
O texto dos dois responsáveis de Médecins du Monde pede à União Européia que negocie com Israel a volta à normalidade para a população palestina de Gaza, considerada a maior prisão do mundo.
Depois de terem incensado o Hamas para enfraquecer o Fatah de Arafat, Estados Unidos e Israel declararam guerra ao partido islâmico que cresceu e se radicalizou graças ao jogo político-diplomático dos dois países, que empurram para as calendas a criação de um Estado palestino, previsto pelo mesmo ato da ONU que criou o Estado de Israel, em 1947.
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008
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2 comentários:
Segue para o mundo através dos meus contatos de email, essas breves e interessantes matérias que agora fazem desse seu blog inaugural. Quero reinterar que sou fã de carteirinha dos Bilhetes de Paris.
Comentando a matéria sobre a "boa morte", vale lembrar que, no Brasil, apesar da forte vigilância da igreja católica, discute-se e pratica-se, em muitos hospitais públicos o que é denominado em bioética, a "boa morte". Os hospitais privados e lucrativos, são os que se aproximam do perfil que vc define na matéria.
Faço da campanha pelo Nobel a Augusto Boal, a minha campanha.
Conheço o teatro do oprimido de leituras, entrevistas televisivas com o autor e, como psicodramatista, tenho a maior admiração profissional também, por ele. Indicação bem merecida.
Ana Otoni
Leneide, gostei muito do blog, os bilhetes agora a qualquer tempo e hora.
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