sábado, 27 de março de 2010

Hexágono cor-de-rosa

No dia 21 de março os franceses deram uma prova eloquente de insatisfação e descontentamento. O mapa da França ficou todo cor-de-rosa, cor do Partido Socialista, com uma pequena mancha azul (cor do partido do presidente) a Leste, na fronteira com a Alemanha. Nas eleições para a presidência das 22 regiões, 21 ficaram com a esquerda (Partido Socialista, Partido Europa Ecologia e Front de Gauche, coalizão do Partido Comunista com o jovem Parti de Gauche, de Jean-Luc Mélenchon). A única região metropolitana a ser governada nos próximos anos pelo partido de Sarkozy será a Alsácia, que continua à direita. A Córsega, que era governada pela direita, ficou cor-de-rosa, como o resto da França.
E o que é pior, dezessete ministros de Sarkozy eram candidatos a presidentes de regiões. Todos, sem exceção, foram derrotados. Uma derrota histórica. Por outro lado, a ex-candidata à presidência, Ségolène Royal, foi eleita presidente de sua região (Poitou-Charentes) com mais de 60% dos votos do segundo turno.
O presidente sai enfraquecido com essa eleição que teve no primeiro turno 53% de abstenção e no segundo um pouco menos (48,9). Um recorde histórico. Quase a metade dos eleitores não saiu de casa para votar no segundo turno mas em alguns subúrbios da região parisiense, somente 30% do eleitorado votou. Onde foram parar os eleitores de direita que votaram em Sarkozy em 2007? A maioria não votou e muitos voltaram aos braços do Front National de Jean-Marie Le Pen.
No final, a esquerda teve 54,1% dos votos, a direita ficou com 35,4% e o Front National, de extrema-direita, 9,4% dos votos nacionais com picos de 22% na região Provence-Alpes-Côte d’Azur e 18,31% na região Nord-Pas de Calais, onde a filha de Le Pen, Marine, representa a linha ultranacionalista do pai. Jean-Marie Le Pen, de 82 anos, volta a assustar a direita republicana renascendo de suas próprias cinzas. O próprio Sarkozy pensara ter liquidado o velho xenófobo e eurocético, ao lhe roubar parte do eleitorado na eleição presidencial de 2007. Agora, esses desiludidos de Sarkozy voltaram aos braços do antigo líder.
Com a vitória esmagadora da esquerda e a volta em força de Le Pen, Sarkozy fez esta semana uma pequena mudança técnica no ministério. Virou o leme para a direita para acalmar seus correligionários. Mas não mudou o primeiro-ministro Fillon, que continua muito mais popular que ele nas pesquisas de opinião. Mas segundo o Le Monde desta quinta-feira, datado de 26, existe uma tensão entre o presidente e o primeiro-ministro. Tanto que o presidente ordenou a Fillon a anulação de uma entrevista ao vivo no telejornal de maior audiência, prevista para a quarta-feira.
Na reforma, Sarkozy apenas trocou alguns ministros e diz que vai continuar as reformas, muito impopulares, pois foi eleito para isso. A reforma do regime de aposentadorias _ contra a qual protestaram milhares de pessoas nas ruas de Paris e diversas cidades (quase um milhão de pessoas desfilaram na terça-feira, 23, contra as mudanças na aposentadoria) _ ainda vai gerar muito debate e passeatas.
O desemprego continua em alta, o poder de compra cai cada vez mais nas classes populares nas cidades e no campo, um milhão de pessoas ficaram fora do seguro-desemprego no mês passado por terem chegado ao final do período de garantia. Mais fome e precariedade, mais filas nos restaurantes que servem sopas populares em todo o país (Secours Catholique e Restos du Coeur). Enfim, somente os ricos estão contentes com a política do presidente que limitou os impostos a 50% para as faixas mais elevadas (o chamado bouclier fiscal).
Como se não bastasse, nessa quinta-feira, 25 de março, o ex-primeiro-ministro e ex-chanceler Dominique de Villepin lançou as bases de um novo partido de direita (ainda sem nome) que vai preparar sua campanha para a eleição presidencial de 2012. Os dois homens nutrem um pelo outro um ódio digno das grandes tragédias shakespeareanas, o que já levou Villepin ao banco dos réus no processo Clearstream (as falsas listas de contas secretas num paraíso fiscal em que o nome de Sarkozy aparecera). A Justiça inocentou-o mas a procuradoria recorreu e haverá novo julgamento, uma manobra do Palácio do Eliseu, segundo Villepin.
O ar de abatimento de Sarkozy é mais do que explicável.

Godard em Cannes

Jean-Luc Godard faz 80 anos em dezembro e lança um novo filme, “Socialisme”, em Cannes, no mês de maio. O cineasta que é sinônimo de cinema, de Nouvelle Vague, mas também de provocação e polêmica, foi biografado pelo jornalista Antoine de Baecque que entrevistei esta semana para o caderno Mais, da Folha de São Paulo. Godard, o livro de quase mil páginas, é um extraodinário trabalho de três anos do jornalista e historiador do cinema. Um verdadeiro mergulho na vida, mas sobretudo na obra, do cineasta mais estudado e discutido da Nouvelle Vague. Uma leitura obrigatória para os cinéfilos. Godard está muito ocupado com a montagem de seu filme e ainda não disse o que pensa do livro. Antoine de Baecque, que foi diretor da revista Cahiers du Cinéma e editor de Cultura do jornal Libération, além de autor de uma biografia de François Truffaut, escrita com Serge Toubiana, imagina que o cineasta, que sempre se manifestou contra a idéia de uma biografia, pode mandar uma carta de insultos ou manter um silêncio absoluto.

Skinner vive

Um crime de Estado a menos. Talvez um inocente a mais fora da prisão, em breve.
Na quarta-feira, o americano Hank Skinner, de 47 anos, escapou da morte uma hora antes da execução, no Texas. Os últimos 15 anos ele passou no corredor da morte. A mais alta jurisdição americana decidiu pedir os testes de DNA que podem inocentar Skinner, que sempre negou os três crimes da noite do réveillon de 1993 : a morte de sua companheira e dos dois filhos dela. Até hoje a Justiça tinha negado o pedido do acusado de realizar testes de DNA que, segundo ele, vão provar sua inocência. Skinner afirma que estava desmaiado no momento em que as três pessoas foram assassinadas, o que foi provado pela presença de barbitúricos em seu sangue. Nos últimos anos, os Estados Unidos libertaram 17 condenados do corredor da morte, graças aos testes de DNA.
Nesta quarta-feira, em Paris, dezenas de manifestantes abolicionistas foram pedir clemência para Skinner diante da Embaixada dos Estados Unidos. A atual mulher do preso, a francesa Sandrine Ageorges-Skinner recebeu o apoio do Quai d’Orsay na sua luta pela obtenção dos testes de DNA.
Um processo cheio de irregularidades fez recuar a Justiça que se negara até agora a autorizar os testes. O governador do Texas, Rick Perry, autorizou a execução em 2004 de Todd Willingham mesmo tendo, horas antes, tomado conhecimento de um relatório que o inocentava. O Estado do Texas, o campeão americano em condenações à morte, executou 451 pessoas desde 1976.

Patrizia, Emmanuelle e Macha


Neste mês em que se comemorou em Paris o Printemps des Poètes versão 2010, fui ouvir a poetisa italiana Patrizia Cavalli dizer poesias de sua autoria. Cavalli veio de Roma especialmente para o evento na sede das Editions des Femmes, em Saint-Germain-des-Prés. Um lugar elegante e charmoso. O livro de Patrizia Cavalli Mes poèmes ne changeront pas le monde foi traduzido para o francês por duas tradutoras de talento, que conheço bem, a poetisa Danièle Faugeras e a professora universitária e tradutora Pascale Janot.
Os poemas de Patrizia Cavalli me transportaram imediatamente para o mundo pictórico da também romana Giovanna Picciau. Nunca duas artistas me pareceram dialogar na poesia e na pintura em tão grande harmonia. As duas artistas romanas talvez nem se conheçam pessoalmente mas o mundo e os personagens delas têm muito em comum.

Na mesma tarde, ouvi ainda duas grandes atrizes da Nouvelle Vague: Macha Méril (Une femme mariée, de Jean-Luc Godard) e Emmanuelle Riva (Hiroshima mon amour, de Alain Resnais). Riva leu poemas e Méril disse textos de George Sand de uma peça (Feu Sacré) que está em cartaz em Paris como parte das comemorações do bicentenário de Chopin. Dia 30, Macha Méril autografa no Salão do Livro de Paris seu livro Un jour, je suis morte (Bibliothèque des voix).
Ao dar uma olhada na enciclpopédia eletrônica, descubro que a atriz e escritora Macha Méril é filha de um príncipe russo e se chama na realidade Maria-Magdalena Wladimirnovna Gagarina. De fato, ela tem porte de princesa e continua linda, com aquele ar “distingué” que sempre apreciei.
Encontros como esse com mulheres inteligentes, pequenos prazeres parisienses de início de primavera, são momentos de real felicidade.

2 comentários:

heliete.vaitsman@gmail.com disse...

Ah, que comentário maravilhoso, quase foi possível sentir o ar parisiense. Seria bom termos esse livro traduzido por aqui, quem sabe alguma editora se anima...Vou enviar a sugestão.

Leneide Duarte-Plon disse...

Heliete, onde està você? Estava com saudades. A biografia do Godard é um must. Fui comprar todos os filmes dele que encontrei. E estou vendo tudo. Beijo. Leneide