É o título do texto que escrevi para a revista francesa Action Poétique e que tinha como única exigência falar de poesia e do Brasil.
Apesar de ser publicado em francês, achei que o título tinha que ser em português para enfatizar que é a língua que nos estrutura. Não é o que diz Lacan, confirmando a intuição do genial Fernando Pessoa ?
O convite me foi feito este ano por Henri Deluy para o número 200 da revista semestral, que saiu no meio do ano, e tem uma entrevista com o filósofo Alain Badiou, além de textos e poemas de seis poetisas da Beat Generation.
Action Poétique é uma revista de poetas, fundada em Marseille, em 1950, por Jean Malrieu e Gérald Neveu e dirigida desde 1958 pelo poeta poliglota Henri Deluy. Os poetas que a criaram e os que a fazem até hoje pensam que o poeta deve ser parte da sociedade e engajar-se nela através da linguagem e da experiência poética.
Escolhi falar da nossa língua, dos nossos poetas e do exílio no contexto de uma discussão que agitava a França sobre identidade nacional. Um debate que já nasceu polêmico. Para um brasileiro, o início do texto pode parecer óbvio, mas não é para o leitor francês, que muitas vezes não sabe sequer que língua é falada no Brasil.
Como decidi fazer a louvação da « última flor do Lácio » juntei ao da língua como identidade o tema do exílio, pois é a partir do meu exílio voluntário que enxergo melhor a língua portuguesa. A seguir, o texto :
« O debate sobre identidade nacional, que os intelectuais franceses rejeitaram por seu caráter xenófobo e indigno do país dos direitos humanos me levou a refletir sobre a identidade brasileira que, aliás, não causa preocupação a ninguém no Brasil.
Fruto da colonização portuguesa, o Brasil é o resultado da mistura de três raças, o branco europeu, o escravo africano e o índio autóctone. Isso mesmo, nos livros de história se falava de « raça » (será que ainda se fala de três « raças » ?) e isso não chocava ninguém ! No Brasil, aprendemos a valorizar os benefícios que a mestiçagem trouxe para a cultura brasileira com o aporte das culturas indígena e africana para a formação do povo brasileiro. A presença das duas culturas não europeias é visível na vida cotidiana, mas sobretudo na língua portuguesa falada no Brasil. Nossa língua incorporou ao seu vocabulário muitas palavras indígenas. Outro grande número de palavras do português do Brasil tem origem nas línguas africanas faladas pelos escravos. O português do Brasil é, pois, europeu mas caracteriza-se por ter sonoridades tropicais, graças aos índios e aos africanos.
Quanto à identidade nacional, se perguntarmos aos brasileiros o que é ser brasileiro, a maior parte dirá que é o fato de falar o português. Ao falar português sem sotaque qualquer pessoa pode ser considerada brasileira. Ninguém vai lhe perguntar, como na França, onde nasceu nem de onde vieram seus pais. Ela é brasileira mesmo tendo nascido em Alexandria, na Itália ou na Bessarábia. Um estrangeiro torna-se brasileiro quando ele « adota » o Brasil e sua língua.
Ser brasileiro é, pois, antes de tudo, falar o português. O único « pecado » de um estrangeiro que se torna brasileiro é o sotaque que pode revelar uma origem longínqua. Ninguem será tratado de « gringo » se fala o português sem sotaque. A partir daí, ele pode ter qualquer religião, gostar de samba ou de música clássica, ser negro, branco, asiático ou mestiço, ele será um brasileiro. As desigualdades são de ordem econômica, uma vez que a sociedade brasileira é tudo menos uma sociedade igualitária.
« Minha pátria é a língua portuguesa ». Como para o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), essa declaração é válida para a maioria dos brasileiros. A língua portuguesa é nossa pátria. O português é o milagre de um país que conseguiu manter sua unidade com uma língua única (que não é o « brasileiro » como escreve muitas vezes a imprensa francesa) e apesar das dimensões de país-continente (é preciso não esquecer que a superfície do Brasil é 17 vezes maior que a da França). « Nossa clara língua majestosa » como escreveu maravilhado Fernando Pessoa em seu texto. Ele conta como o texto de Vieira sobre o Rei Salomão o fizera chorar quando ele era ainda criança. « Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar ».
Essa língua, a última filha do Latim, fora louvada antes pelo poeta parnassiano Olvao Bilac (1865-1918) no soneto « Língua Portuguesa » : « Última flor do Lácio, inculta e bela/És, a um tempo, esplendor e sepultura ».
O poeta e compositor Caetano Veloso rendeu homenagem à « última flor do Lácio » com a canção “Língua”: “Gosto de ser e de estar/E quero me dedicar a criar confusões de prosódias/ E uma profusão de paródias/ Que encurtem dores/ E furtem cores como camaleões ».
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), esse outro grande poeta brasileiro do século XX, amava apaixonadamente a língua em se expressava. Mas, se sentia exilado, como escreveu um dia a Mário de Andrade : « Nasci em Minas, quando devera nascer (não veja cabotinismo nesta confissão, peço-lhe!) em Paris. O meio em que vivo me é estranho: sou um exilado».
Quanto a mim, no meu exílio (voluntário) parisiense no qual vivo uma permanente descoberta da língua francesa, chego a pensar que amo cada vez mais « nossa clara língua majestosa », a última flor do Lácio.
E se não choro lendo os poetas românticos que cantaram o exílio, como Gonçalves Dias (1823-1867) no poema “Canção do exílio” (Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá) ou Casimiro de Abreu (1839-1860) no poema « Minha terra » (Todos cantam sua terra/Também vou cantar a minha/ Nas débeis cordas da Lira/Hei de fazê-la rainha), não deixei de ser, como Fernando Pessoa e Caetano Veloso, sensível, cada vez mais, à beleza da língua de Luís de Camões.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
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Um comentário:
Texto maravilhoso.
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