O melhor texto sobre a morte do “rei da pop” que li foi do filósofo e escritor Daniel Salvatore Schiffer que escreveu no
Libération um artigo com o título acima. Ele explica por que Michael Jackson foi o último dandy, como conceituaram Oscar Wilde, Baudelaire e Albert Camus. Incrivelmente inteligente o texto de Schiffer. Wilde escreveu em “Fórmulas e máximas para o uso dos jovens”: “O primeiro dever na existência é ser o mais artificial possível”. Para Wilde, “o verdadeiro dandy deve ser ou uma obra de arte ou usar uma obra de arte”.
Baudelaire, outro dandy, em “Elogio da maquiagem” diz: “Quem ousaria limitar a arte a uma função estéril de imitar a natureza? A maquiagem não tem que se esconder, se escamotear. Ela pode, ao contrário, se exibir, senão com afetação, ao menos com uma espécie de candura”.
Schiffer escreve que essa “obsessiva e quase compulsiva vontade de criar uma aparência corporal cujas exigências formais não correspondem mais aos cânones naturais levando o rosto a se assemelhar a uma máscara (figura artística, em preto e branco de anjo e demônio) é a primeira prerrogativa da estética dandy”. A prova é que o assunto central da obra-prima da literatura dandy, ”O retrato de Dorian Gray”, de Wilde _ como também o mito eminentemente romântico de “Fausto”, de Goethe _ é uma busca permanente da juventude e da beleza. E, paradoxalmente, essa busca leva à morte.
Mas quem melhor resumiu o arquétipo do dandy foi, segundo Schiffer, Camus no livro “L’homme révolté”. Uma frase final para resumir o pensamento de Camus: “O dandy representa sua vida, já que não pode vivê-la. Ele a representa até a morte, menos em momentos em que está sozinho e sem espelho. Estar sozinho para o dandy é o mesmo que não ser nada”.
Daniel Salvatore Schiffer é autor dos livros « Philosophie du dandysme – Une esthétique de l’âme et du corps » e de « Oscar Wilde ». O que ele diz sobre o dandy cai como uma luva em Michael Jackson, um gênio atormentado. Teria sido ele o mesmo se tivesse deitado num divã?
Métro, boulot, dodoA população francesa vive cada vez mais. Consequentemente, a Sécurité Sociale acumula um déficit monstruoso. Para remediar o rombo da Sécu, o governo estuda, sob protestos generalizados, a modificação da idade de aposentadoria, fixada atualmente em 60 anos, no mínimo. Na Suécia, a idade média de aposentadoria (não o previsto em lei mas a idade média de saída do mercado de trabalho) é de 64,2 pra os homens e 63,6 para as mulheres. Na França, essa idade média é de 59,5 para os homens e de 59,4 para as mulheres.
Todo mundo conhece a fama dos franceses. Para os estrangeiros, o francês é um “bon vivant” : gosta de beber bons vinhos, comer bem, com prazer e tempo para degustar o que come (e falar de comida, de como preparam e dos pratos e temperos exóticos que degustaram nas últimas férias). Um estudo da OCDE revelou que os franceses passam 130 minutos por dia à mesa (os pobres ingleses apenas 80 minutos!). Não preciso explicar a diferença entre o que comem os dois povos. A culinária inglesa não é conhecida por sua sofisticação e nem os ingleses pelo paladar refinado, ainda que as coisas venham mudando do outro lado do Canal da Mancha.
Mas além do recorde à mesa, os franceses também são os europeus que mais dormem. Mesmo que tenham criado a expressão métro-boulot-dodo para demonstrar o trepidante ritmo de vida urbano, os franceses dormem mais que os espanhóis, famosos pelas longas siestas. Quanto dorme em média um francês? 8 horas e 50 minutos por dia.
O jornalista Robert Solé, cuja crônica no
Le Monde é uma delícia de concisão e inteligência, sugere três explicações: 1. A pátria dos direitos humanos dorme o sono dos justos e confia no seu governo. 2. O tempo passado sob os lençóis, não é apenas de sono. Há quem se divirta. 3. A França está totalmente entorpecida pelos antidepressivos. Os franceses são os maiores consumidores de antidepressivos do mundo.
Acho que a terceira é a mais plausível. Inclusive porque explica em parte o buraco da Sécurité Sociale: quem paga o antidepressivo, além das aposentadorias, é ela.
O Mitterrand de SarkozyDe Gaulle teve André Malraux. François Mitterrand teve Jack Lang. Sarkozy estava por fora. Tinha Christine Albanel, uma ministra da cultura sem carisma, sem amigos na área artística, sem presença.
Agora, na mudança ministerial que resolveu fazer depois das eleições européias, Sarkozy entrou para o time dos presidentes que têm um ministro da cultura “in” capaz de fazer brilhar a cultura francesa. Com a nomeação de Frédéric Mitterrand, sobrinho do ex-presidente, Sarkozy tem o seu Mitterrand no governo. As más línguas dizem que ele nomeou um sobrenome e que tudo isso é para fazer mais mal ao já combalido partido socialista. Mas Frédéric, um homem de cultura e independente, nunca foi exatamente um homem de esquerda. Era sobrinho de um ícone da esquerda e tinha uma vida cultural trepidante: é escritor, teve programa cultural na TV e ocupava atualmente, nomeado por Sarkozy, o cargo de diretor da Villa Médicis, o importante centro cultural francês em Roma.
Esta semana, Mitterrand inaugurou o ano da Turquia na França, cujos eventos estiveram ameaçados depois que Sarkozy reiterou várias vezes sua oposição à entrada da Turquia na União Européia. Os turcos não gostam de Sarko, 73% deles dizem não confiar no presidente francês.
Quanto a Jack Lang, num livro de entrevistas publicado este ano, o ex-ministro da cultura de Mitterrand dizia que não entraria no governo Sarkozy. E confirmava que foi sondado para ser o ministro da Cultura de Sarko no dia da vitória do presidente, em 2007. Lang recusou o convite e explica:
“Ministro para quê? Para assumir uma orientação da qual discordo? Como eu poderia ser solidário com uma política fiscal que condenei publicamente, uma política educacional catastrófica, uma política penal que é o oposto de minha concepção dos direitos humanos?”
Isso não impediu que o ex-ministro de Mitterrand fosse a Cuba como enviado especial de Sarkozy para encontrar o presidente Raul Castro. Mas em Cuba, ele não precisa assumir a política fiscal, educacional e penal de Sarko.
De olho na mídia
Esse é o nome de um site de caçadores de antissemitas (deolhonamidia.org.br). De um amigo judeu recebo um desenho publicado no site com o texto:
Uma imagem que vale por mil palavras - A charge abaixo, publicada na coluna Dry Bones do Jerusalem Post e traduzida em conjunto com o grupo Artision caiu em nossas mãos um dia após a publicação do nosso último comentário. Ela traduz tudo que ele quis passar e muito mais em uma imagem só (uma ilustração com diálogos, mas ainda assim um desenho). Reflexo de omissões e distorções criminosas da ONU, mídia e governo Obama, ela é um protesto contra um mundo ainda intrinsecamente antissemita.
Atenção, o mundo é antissemita ! A frase já veio sublinhada.
O remetente é psicanalista e está convencido de que sou antissemita por tudo o que já escrevi no meu blog criticando a política dos sucessivos governos e governantes racistas e expansionistas de Israel.
A charge que veio junto, que infelizmente não pude copiar mostra alguém dormindo e uma voz que anuncia, “A Coréia do Norte está preparando uma guerra nuclear” e o personagem continua a dormir. Depois alguém grita “Genocídio sudanês em Darfur”, o sono continua. Novo alerta: “Risco no Paquistão, terrorismo islâmico crescendo”, ele dorme. “Loucos iranianos, traficantes de droga na América Latina, piratas na Somália”, o sono continua. No último quadrinho: “Judeus constroem casas na Margem Ocidental”. O personagem que dormia, se levanta e diz: ”Como?”
Repassei a amigos com meu comentário:
Esse desenho e o que ele expressa não estaria próximo da paranóia, definida no dicionário de psicanàlise como "delírio sistematizado" que "inclui o delírio de perseguição, a erotomania, o delírio de grandeza e o delírio de ciúme"?
O desenho é de uma enorme "mauvaise foi". A "Margem Ocidental" é nada menos que o território palestino, a Cisjordânia, que pertence (por decisão da ONU de 1948) a um povo que há 60 anos espera construir nele um Estado para viver como vizinho ao Estado de Israel.
Quem defende os "judeus que constroem casas na Margem Ocidental" seria capaz de defender a ocupação da França pelos alemães?
A resistência a essa ocupação é consagrada como uma das páginas mais nobres da história francesa.
De Maria Rita Kehl, psicanalista conhecida por sua honestidade intelectual, recebo o e-mail:
“Oi, Leneide, todo meu apoio a você. Também acho uma tremenda má fé interpretar a condenação à política racista e abusiva do estado de Israel como antissemitismo. Se quiser, pode incluir essa opinião no seu blog. Tenho visto muitos documentários onde aparecem judeus que apoiam os palestinos contra o abuso da força daqueles que, protegidos pelo exército israelense, expulsam os moradores e constroem casas na Margem Ocidental. Então esses judeus seriam antissemitas por reivindicarem justiça para seus vizinhos? Um beijo. Rita Kehl.
Aqui na França, como no Brasil, os judeus se dividem há alguns anos entre os que apoiam Israel incondicionalmente e os que criticam a política racista e colonialista do país. Tenho uma amiga, Régine Robin, socióloga e historiadora conceituada que vive entre Paris e Montréal quando não está fazendo conferências em universidades do mundo inteiro, que foi expulsa da casa de amigos judeus de Paris, porque seu marido fez restrições severas à política de Israel. O jantar foi interrompido e eles partiram. Detalhe: tanto Régine quanto seu marido, ambos professores aposentados da Universidade de Quebec-Montréal, são judeus. E ambos criticam com veemência a política expansionista e brutal de Israel.
A Anistia Internacional divulgou no dia 1 de julho um relatório sobre o bombardeio de Gaza que matou centenas de civis, entre eles 300 crianças, 115 mulheres e 85 homens idosos, entre os 1400 palestinos mortos (houve 5000 feridos). O relatório acusa o exército israelense de ter usado a população civil para formar um escudo humano para se proteger dos ataques do Hamas. Além disso, os civis palestinos eram obrigados a examinar objetos suspeitos de serem bombas. A Anistia Internacional solicita procedimentos judiciais para condenar Israel por “crimes de guerra”.
Mais um ato de um “mundo intrinsecamente antissemita”?