Depois que o homem europeu inaugurou a primeira mundialização com as viagens dos descobridores portugueses e espanhóis, no século XV e XVI, a expansão européia deu início a novas culturas.
São essas culturas mestiças que interessam ao historiador Serge Gruzinski, um especialista do Novo Mundo, que se debruçou sobre séculos de trocas e interações de culturas para a extraordinária exposição aberta dia 18 de março, “Planète Métisse – To mix or not to mix” (Planeta mestiço – misturar ou não) no Musée du Quai Branly, inaugurado em 2006 com a maior parte do acervo do Musée de l’Homme. O próprio slogan do Musée du Quai Branly _ que prefere não usar a expressão “artes primitivas” para designar o que não é arte européia _ diz que é “lá que as culturas dialogam”. A exposição que inclui um ciclo de conferências, “Cidades mestiças”, e um ciclo de cinema “Mestiçagens da imagem, mestiçagens do olhar”, vai até julho de 2009.
“Objeto mestiço é a expressão de uma criação humana que surge na confluência do mundo europeu com o das sociedades da Ásia, da África e da América”, define Gruzinski. As sociedades que se construíram a partir da interação com os europeus produziram objetos e artes mestiças, frutos da colonização e da mundialização.
Concebida em espaços curvos divididos por finas correntes que formam uma espécie de cortina facilmente transposta com um movimento de mão, a exposição leva o visitante a abrir caminho para entrar e sair dos nichos. A própria concepção da mostra já é uma metáfora dos espaços geográficos que as culturas atravessam para formar uma nova cultura chamada mestiça, que subverte as noções de antigo, primitivo (primitif), neo-clássico ou primário (premier).
“Os objetos mestiços expostos são o resultado tangível do encontro das diferentes partes do mundo e das interações entre elas. Um bom exemplo é o Codex Borbonicus, um calendário que não é nem clássico, nem primitivo, nem étnico nem folklórico: é tudo isso pois pertence ao mundo dos antigos povos indígenas que habitavam o México e ao dos conquistadores espanhóis”, explica Serge Gruzinski, que fala fluentemente o português, já fez conferências na USP e ensina na Universidade Federal do Pará.
Outro exemplo são os objetos criados no Japão refletindo a fé católica introduzida pelos europeus: um altar móvel, o Cristo em marfim, a imagem de São Sebastião. Da Índia, vieram objetos também em marfim representando Cristo como o Bom Pastor mas lembrando, ao mesmo tempo, Krishna e Sidhaarta (Buda) meditando. Nessas representações de Goa, a arte cristã se mistura a tradições artísticas e iconográficas locais. Um dos objetos da exposição é uma escultura da Rainha Vitória feita por uma artista iorubá, na qual a soberana inglesa aparece com traços levemente africanizados.
O Brasil, uma das sociedades mais mestiças do planeta, não somente na constituição racial mas na cultura, faz a síntese das músicas mestiças, produto da herança índia, africana e européia. Numa sala, podem ser ouvidos alguns dos muitos gêneros musicais brasileiros, do lundu ao samba e à bossa-nova, passando pelo rock urbano e pelo afro-samba. O som “made in Brasil” monopoliza o ambiente, saindo de tubos iluminados em neon, verdes e amarelos. É só aproximar o ouvido da extremidade para ter uma amostra de um gênero musical brasileiro. Mas o catálogo da exposição é mais abrangente: ele explica que existem mais de 500 gêneros de música mestiça, entre elas a rumba, a salsa, o tango e o jazz. O ministro Gilberto Gil vai visitar a exposição dia 7 de abril.
O “Planeta mestiço” termina com as incríveis mestiçagens que o cinema foi capaz de realizar. As produções de Hollywood marcando o cinema asiático ou a América vista sob o olhar chinês : Wong Kar-wai recriando a Argentina a partir da China de Hong-Kong ou Ang Lee explorando os Estados Unidos a partir da China de Taiwan.
terça-feira, 1 de abril de 2008
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