segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Embaixador dos direitos humanos

O artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, diz: “Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar sua saúde, seu bem-estar e de sua família, principalmente no que se refere à alimentação, ao vestuário, à moradia, aos cuidados médicos e aos serviços sociais necessários...”
Stéphane Hessel tem 91 anos e no dia 10 de dezembro, dia do 60° aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, recitou de cor o preâmbulo do documento histórico, que começa com vários “considerando” e é um marco na história da humanidade.
Foi no lugar que tem o belo nome de Parvis des Droits de l’homme, no Trocadéro. A França comemorou “comme il faut” um documento que promete relações mais humanas entre os homens, mesmo se é desrespeitado aqui e ali, a começar pelas grandes democracias ocidentais. Mas o texto tem a função de farol, uma luz, uma utopia universal.
Ele nasceu no Palais de Chaillot, diante da Torre Eiffel. O mundo acabava de emergir de uma carnificina de proporções gigantescas e 58 países reunidos na Assembléia Geral das Nações Unidas redigiram a Declaração. Hessel era um jovem diplomata e participou da redação do documento que é seu Norte desde então.
Esse ex-embaixador da França, um eterno combatente na defesa dos direitos humanos, é um dos últimos signatários da Declaração ainda vivos. No dia 21 de fevereiro deste ano, na Place de la République, Stéphane Hessel lançou um apelo ao governo francês para que o artigo 25 da Declaração seja cumprido e os sem-teto possam ter um lugar digno para morar.
Todos os oprimidos do mundo têm em Hessel um advogado engajado. Esse filho de um pai judeu alemão _ o escritor Franz Hessel, que inspirou o personagem Jules do romance “Jules et Jim” de Henri-Pierre Roché filmado por François Truffaut _ voltou recentemente de Israel entusiasmado com os israelenses que não aceitam a ocupação e a colonização dos territórios palestinos. Hessel só lamenta que sejam poucos os israelenses a participar do Gush Shalom (Paz Agora), do Tay’aouch e do movimento dos Refuzniks (soldados que se recusam a servir nos territórios ocupados). Esses defensores dos direitos humanos fazem vibrar o embaixador Hessel:
“Eles são realmente corajosos, o combate deles é difícil. São considerados traidores pela população israelense porque se relacionam com os palestinos, quando isso deveria ser estimulado num espírito de paz a construir”.

E os direitos humanos das populações de rua ?

A partir do dia 1° de dezembro deste ano, as pessoas consideradas “prioritárias” podem ir à Justiça, através do tribunal administrativo, se os serviços do Estado não lhe propuserem uma moradia ou ao menos um abrigo em albergue.
Isso é o que uma lei francesa do ano passado determina para já. Mas, a partir de 2012, todas as famílias que esperam uma casa por um “tempo muito longo” terão essa possibilidade de recurso. Quem são as pessoas prioritárias e o que é um tempo muito longo é determinado na lei.
Desde o início de 2008, já morreram 265 pessoas em condições indignas de um país como a França, que parece estar disposta a enfrentar o problema, graças à luta de instituições como Les enfants de Don Quichotte e pessoas como Stéphane Hessel. Pelo menos no papel há iniciativas concretas para pôr fim à morte de SDFs (Sans domicile fixe), os sem-teto que moram nas ruas e nos bosques e morrem à míngua de frio e de abandono, todos os anos.
Mas é sobretudo o frio que mata e essas mortes chocam (alguns) franceses que organizaram recentemente uma homenagem aos mortos, muitas vezes anônimos, encontrados em ruas, dentro de automóveis velhos ou em barracas de camping precárias.
O direito à moradia nos países ricos não deveria ser apenas uma utopia. Quando se trata de salvar os bancos os bilhões de euros e dólares aparecem rapidamente...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Não era o leiteiro

Winston Churchill dizia da democracia: “Nesse regime, quando tocam à sua porta às 6 da manhã, você tem certeza de que é o leiteiro”.
Em Paris, a campainha tocou na casa do jornalista Vittorio de Filippis às 6h40m da manhã e não era o leiteiro. Eram quatro policiais com um mandado judicial. Levaram o ex-diretor do jornal “Libération” algemado para interrogatório, sem que o jornalista tivesse autorização de telefonar nem à sua família nem aos advogados do jornal. E ainda por cima é insultado pelos tiras que lhe dizem, diante de um de seus filhos: “Vocês são piores do que a escória”.
Chegando à delegacia, o jornalista descobre a causa de sua intimação: a publicação no site do jornal, em 2006, de uma história judicial envolvendo Xavier Niel, o fundador de um provedor chamado Free. Durante o interrogatório, de Filippis teve de ficar de cuecas diante dos policiais.
Dois dias seguidos, o “affaire” foi a capa de “Libération” e foi comentado em toda a mídia. Há quem veja na maneira de agir dos policiais uma tentativa de intimidação à imprensa.
“Tenho vergonha de meu país, essas aberrações administrativas ou judiciárias são revoltantes e repugnantes”, disse o ex-ministro e deputado Jack Lang.
Ao ser ouvido por jornalistas, Vittorio de Filippis se disse chocado com os métodos policiais e disse poder imaginar as situações a que são submetidos imigrantes que muitas vezes mal falam francês.
Mas se o presidente da república pediu, em outubro, à comissão Leger para “refletir sobre um procedimento penal mais respeitoso dos direitos e da dignidade da pessoa” significa que ele próprio reconhece que o atual é desrespeitoso.

Hospitais psiquiátricos de segurança máxima

A França vai mal. Pelo menos, pela leitura dos jornais, o que fica da atualidade do país é a impressão de uma democracia ameaçada. E não estou tendo uma súbita crise de pessimismo. A França vai mal mesmo.
Um doente mental esfaqueou um estudante numa rua de Grenoble? Eis um bom motivo para o presidente da República anunciar um plano para transformar os hospitais psiquiátricos em verdadeiras prisões de segurança máxima. A psiquiatria como um cárcere especial é a visão do presidente, que anunciou o desbloqueio de uma verba de 70 milhões de euros para a segurança dos hospitais psiquiátricos e mais 40 milhões de euros para a construção de unidades especiais para “doentes difíceis”. E mais 30 milhões de euros para o controle das entradas e saídas desses hospitais.
Na França, a loucura se transforma em crime e os doentes mentais em pessoas que requerem grades e hospitais de segurança máxima.
É uma visão retrógrada da loucura, digna do final do século XIX.

Perigo, jovens sem celular

Leituras consideradas subversivas, recusa de uso de telefones celulares e o fato de terem estado próximos de linhas de trem que sofreram ataques misteriosos, em novembro, prejudicando o transporte ferroviário francês em diversos pontos do país. Esses indícios foram suficientes para que a polícia antiterrorista francesa prendesse e entregasse à Justiça um grupo de cinco jovens, todos franceses e de formação universitária, que moravam numa fazenda próxima de Tarnac, um vilarejo da Corrèze, centro da França.
A sabotagem de linhas da SNCF foi um pretexto para a ministra do Interior, Michèle Alliot-Marie, desencadear a parafernália securitária do ministério, plenamente em sintonia com as idéias em voga sobre as ameaças dos grupos de extrema-esquerda.
O caso seria ridículo se não fosse a seriedade com que é encarado pelo governo o “surgimento de grupos de extrema-esquerda de tendência anarco-autônoma”. No caso dos jovens presos, não há nenhum indício que prove que praticaram ou tinham qualquer intenção de praticar atos de terrorismo. Na realidade, não há crime, não há confissão, não há provas de DNA dos acusados, não há flagrante delito.
O que há é apenas paranóia que pretende prender e punir terroristas potenciais. O criminoso do futuro será punido quando a suspeita da intenção do crime for detectada.
Os jovens superdiplomados de Tarnac não liam livros subversivos? Não eram suspeitos pelo fato de se recusarem a ter celulares? Logo, eram terroristas potenciais. Não há provas contra eles, mas tinham tudo de perigosos anarquistas altermundialistas.
E, na França de Sarkozy, o lugar de contestadores, mesmo que aparentemente inofensivos, é na prisão.

Presos aos 12 anos

Não existe na lei francesa uma idade mínima de responsabilidade penal. O juiz é quem deve decidir se o jovem tem discernimento sobre seus atos e se pode receber uma sanção. Mas até hoje, abaixo dos 13 anos, a sanção só pode ser educativa.
Um novo estudo recomenda o encarceramento de crianças a partir de 12 anos!
No jornal “L’Humanité”, o sociólogo Laurent Mucchielli desmente ponto a ponto, com estatísticas, as falsas afirmações da ministra da Justiça, Rachida Dati, de que houve aumento da delinqüência juvenil. Dentro da lógica securitária do presidente francês, Dati quer diminuir a idade da responsabilidade penal.
Definitivamente, a França vai mal.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

LÉVI-STRAUSS

Claude Lévi -Strauss festeja 100 anos nesta sexta-feira, 28 de novembro.
Além de exibir documentários e algumas das três mil fotos feitas pelo próprio antropólogo entre os índios do Brasil, o Musée du Quai Branly, o novo museu de Paris dedicado às artes primordiais ou “arts premiers” (antes chamadas de “arts primitifs”) programou uma homenagem original ao professor Lévi-Strauss: durante todo o dia, cem “personalidades do mundo da arte e da ciência” vão ler trechos de sua obra. Entre os cem, estarão o “tout Paris” intelectual, que inclui Julia Kisteva, Bernard-Henri Lévi, Jacques-Alain Miller, Elisabeth Roudinesco, além da antropóloga brasileira Manuela Carneiro da Cunha, que assina um texto sobre “Tristes Trópicos” no caderno especial do “Le Monde” dedicado ao mestre.
O estruturalismo, o pensamento selvagem, o cru e o cozido, os tristes trópicos. Mesmo quem não é especialista do pensamento de Claude Lévi-Strauss é tomado de emoção por vê-lo completar um século.
A Folha de São Paulo me pediu uma entrevista com Lévi-Strauss há poucos meses. A assistente do mestre se desculpou. O professor não dá mais entrevistas.
Na quinta-feira, véspera do aniversário, o canal franco-alemão “Arte” dedicou o dia inteiro à vida e à obra do professor que publicou “Tristes trópicos”, em 1955, com digressões sombrias a respeito das perspectivas da civilização mundial, marcada, segundo ele, pelo inchaço demográfico e pela homogeneização cultural.
A qualidade literária do livro é tal que naquele ano a Academia Goncourt publicou um comunicado lamentando não se tratar de um romance, pois teria sido ele o premiado. O antropólogo ficou sem esse prêmio, mas outros não lhe faltaram, inclusive a eleição para a Academia Francesa. Lévi-Strauss terminou sua vida ativa como professor no Collège de France, mas muito jovem lecionara na Universidade de São Paulo, que viu nascer.
O que fica da vida e da obra de Lévi-Strauss é um olhar novo sobre as chamadas sociedades primitivas. Suas fotos e os objetos de sua coleção estão reunidos no Musée du Quai Branly. Seu último livro, “Saudades do Brasil”, reúne as fotos do antropólogo que diz desconfiar da fotografia porque ela lhe dá “a sensação de um vazio, de uma falta, pois há sempre algo que a objetiva não consegue captar”.
Lévi-Strauss disse uma vez que o mundo que ele conheceu e amou tinha apenas dois bilhões e meio de indivíduos. Segundo ele, a perspectiva de sermos em breve nove bilhões coloca a espécie humana “numa espécie de regime de envenenamento interno”.
Na Fundação Cartier, os Yanomami brasileiros dizem num filme extraordinário de Raymond Depardon e Claudine Nougaret sobre o desenraizamento de populações no mundo: “Quando os brancos chegarem com as grandes máquinas nessa floresta, eles sujarão as águas. E morrerão todos como nós. Não pensem que somente os Yanomami vão morrer”.

CONTRA O RACISMO

Do historiador Tzevetan Todorov leio um texto que nos remete à antropologia e a Lévi-Strauss. Um recado sucinto e definitivo aos que, como Bush, Berlusconi e outros “pensadores”, tentam hierarquizar os seres humanos por raça ou pertencimento a tribos ou culturas:
“Pela maneira como se percebe e se acolhe os outros, os diferentes, pode-se medir nosso grau de barbárie ou de civilização... Ser civilizado significa ter a possibilidade de reconhecer plenamente a humanidade dos outros, apesar dos rostos e hábitos diferentes dos seus; saber se colocar no lugar do outro e saber se olhar de fora de si mesmo”.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

CHER BARAK

Sarkozy pediu a assessores para ser acordado logo que a vitória anunciada pelas pesquisas fosse confirmada. Apenas quatro minutos depois da fala de John McCain admitindo a derrota, uma hora antes de Gordon Brown e duas horas antes de Angela Merkel, o presidente francês assinava uma carta manuscrita ao novo presidente. Ela começava com um “Cher Barak”. Sem o c antes do k. Quem revelou o erro na ortografia do nome de Obama foi o jornal alemão Bild, que escreveu a notícia com o título: “Errado”.
Maldosos, esses alemães, ou apenas sarkofóbicos?
Sarkozy fez questão de ser o primeiro chefe de Estado a cumprimentar Barack Obama por sua vitória. O "Le Monde" assinalava, num texto deliciosamente irônico, que o presidente francês vai ter que fazer muito mais fogos de artifício para aparecer agora que a “Obamania” tomou conta do mundo. Era fácil brilhar tendo ao lado figuras lamentáveis como Bush ou Berlusconi. Fica mais difícil com o carismático Obama no cenário político mundial.
Outro que mais uma vez se excedeu foi o milionário com pinta de camelô bem-sucedido que governa a Itália. Ao dizer que Obama é “jovem, belo e bronzeado” Berlusconi mostrou-se, mais uma vez, à altura de sua biografia de “parvenu”. E dispensa comentários.

FRANÇOIS, JACQUES E NICOLAS

Os últimos presidentes franceses se chamaram François, Jacques e Nicolas.
Quando a França elegerá um Muhamad ou Jamel? Respondo: “Ce n’est pas demain la veille”, como diz o ditado francês. A expressão que acho deliciosa (“amanhã não é a véspera”) quer dizer exatamente isso: nem tão cedo um francês mestiço governará o país.
No momento em que o mundo inteiro festejava a eleição do primeiro presidente americano mestiço, os jornalistas e intelectuais franceses começaram a se interrogar sobre a visibilidade das minorias na França.
O realidade não é muito animadora. Isso sem nem levar em conta a remotíssima hipótese de um presidente negro ou mestiço no país de Voltaire. Apenas uma olhada na mídia e no Parlamento já daria para perceber o atraso da França em matéria de promoção da diversidade étnica.
Tanto na vida política quanto na mídia francesa as minorias de origem árabe, asiática ou africana estão muito pouco representadas. Na Assembléia Legislativa há apenas uma deputada de origem africana. Nenhum deputado de origem árabe ou asiática toma assento entre os 577 deputados franceses.
Na mídia audiovisual, essa representação também é muito menor do que o ideal, segundo o Observatório da diversidade na mídia, criado no ano passado e ligado ao Conselho Superior do Audiovisual (CSA). Como álibi, os canais France 3 e TF1 têm respectivamente Audrey Pulvar e Harry Roselmack, dois belos e competentes apresentadores de origem africana.
No país dos direitos humanos, em que falar de raça ou origem étnica é uma heresia intolerável (não se sabe quantos árabes, negros ou judeus existem na França por causa do tabu de recensear a população por características étnicas ou mesmo origem religiosa), a luta contra discriminações no audiovisual está inscrita na lei sobre igualdade de oportunidades, adotada em 2006 no governo de Jacques Chirac.
No ano passado, a imprensa debateu durante várias semanas a validade de recensear a população através de classificações étnico-raciais, como queria o governo Sarkozy. A iniciativa foi denunciada como uma deriva perigosamente racista pela associação “SOS Racisme”, que publicou uma petição contra o recenseamento étnico, assinada por intelectuais e diversas personalidades.
No dia 15 de novembro do ano passado, o Conselho Constitucional validou a lei do governo Sarkozy que introduzia testes de DNA no direito dos estrangeiros. Por outro lado, o mesmo Conselho anulou o artigo que autorizava as estatísticas étnicas.
Eis alguns trechos da petição de “SOS Racisme”, assinada por milhares de pessoas. Em francês, para manter o sabor do texto original:
(...)
Je refuse que quiconque me réclame ma couleur de peau, mon origine ou ma religion… Ni l’Etat, ni mon chef d’entreprise, ni un institut de sondage. Je refuse que l’on puisse faire de même avec mon conjoint, mes enfants ou mes parents… Mon identité ne se réduit pas à des critères d’un autre temps… Celui de la France coloniale ou d’avant août 44.
Je m’oppose à un Etat qui réhabilite une nomenclature raciale en se fondant sur la couleur de peau ou établisse un référentiel ethnico-religieux sur la base d'origines ou d'appartenances confessionnelles réelles ou supposées en totale contradiction avec les libertés et droits fondamentaux de la personne.
(…)
Autoriser de telles les « statistiques ethniques » conduit à renforcer une vision ethnicisante du monde et offre une prétendue caution scientifique aux stéréotypes racistes qui continuent malheureusement de travailler de l’intérieur la société française. Après les tests ADN qui organisent un « tri » parmi les immigrés, la dimension raciale et/ou ethnique ne doit pas servir à diagnostiquer les Français.
Je refuse que l’on m’enferme dans une catégorie ethno-raciale pour finalement, à l’aide de cette dangereuse grille d’interprétation, définir mes droits et juger mes comportements …
(…)

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Cildo Meireles na Tate Modern



São sete salas, metade do quarto andar do enorme prédio da Tate Modern, em Londres. Todas repletas de obras de Cildo Meireles. Um verdadeiro passeio por 40 anos de trabalho, uma antologia de sua obra. Um acontecimento cultural que no dia do vernissage, 13 de outubro, levou 1200 pessoas à Tate, inclusive diretores de alguns dos maiores museus do mundo.
É uma verdadeira consagração, a maior para um artista brasileiro vivo na Europa, segundo a Tate. O brasileiro é o primeiro latino-americano vivo a ter uma retrospectiva de sua obra no maior museu britânico de arte moderna e foi apresentado por um crítico do jornal “The Guardian” como “o mais importante dos herdeiros de Lygia Clark e Hélio Oiticica ». Meireles foi também o primeiro artista brasileiro a ter uma mostra individual no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).
Entre as 80 obras do artista carioca de 60 anos, as instalações monumentais foram as que mais impacto causaram no vernissage. Entre elas, « Fontes », feita de relógios nas paredes e fitas métricas pendendo do teto, « Volátil », na qual o público entra pisando em um monte de talco industrial, e « Desvio para o vermelho », em que todos os objetos da casa são totalmente vermelhos. Para poder entrar no espaço fechado de « Volátil » e de « Desvio para o vermelho » era preciso esperar numa fila.
Como a exposição do artista brasileiro dura praticamente três meses (de 14 de outubro a 11 de janeiro) e a Tate Modern recebe 12 mil visitantes por dia, ela tem um potencial de um milhão e oitenta mil visitantes (se todos os que forem à Tate Modern visitarem a exposição Cildo Meireles).
Essa extraordinária exposição não vai ser vista no Brasil devido ao altíssimo custo. Dommage. De Londres, ela segue para Barcelona, Houston, Toronto e Los Angeles.
A Tate Gallery, do outro lado do Tâmisa, expõe Francis Bacon, um dos maiores pintores ingleses do século XX. Uma magnífica exposição, que visitei calmamente, em raro momento de introspecção, num dia cinzento. A ida a Londres já teria valido a pena por Cildo Meireles e Francis Bacon. Mas fui também conhecer o Museu Freud, onde fiz uma visita guiada pelo próprio diretor, Michael Molnar. Fiquei emocionada ao ver o consultório londrino com o famoso divã em que Freud deitava seus pacientes, em Viena e depois em Londres. Apesar de ter emprestado 90 peças da coleção de estatuetas antigas de Freud ao Museu Rodin, que realiza uma exposição em Paris sobre as coleções Freud e Rodin, o museu de Londres ainda tem dezenas de pequenas estátuas antigas, uma das paixões de Freud e do escultor francês.


La Ciotat dos irmãos Lumière e da luz dos desenhos de Georges Rinaudo



Um dos primeiros filmes da história do cinema é de autoria dos irmãos Lumière e foi filmado numa cidade da costa mediterrânea francesa que ficou imortalizada no título : “L’arrivée d’un train en gare de La Ciotat”.
O filme é um documentário super-curto de apenas 52 segundos e foi rodado em 1895, nessa cidade da Provence, que tem pequenas praias e uma baía famosa por sua beleza. A cidade viveu muito tempo em torno dos estaleiros navais e foi escolhida pelos inventores do cinema como cenário do documentário porque a família Lumière, de ricos industriais de Lyon, tinha na cidade um palacete – le palais Lumière – onde passava o verão.
A história de La Ciotat está ligada a duas invenções: o cinema e a pétanque. Do cinematográfico, ficou o cinema Eden, considerado a mais antiga sala de cinema do mundo. Tombado, o prédio está sendo restaurado para voltar a funcionar em breve. Da pétanque, inventada há cem anos, ficou em La Ciotat a paixão pelo esporte das pesadas bolas que se lançam com uma das mãos, com um movimento de corpo que lembra o do boliche. Apesar de provençal, a pétanque foi exportada para toda a França. No Jardin du Luxembourg, em Paris, um terreno de pétangue reúne aficionados do jogo todos os dias. Existe até um clube organizado com estatuto e sócios. É tipicamente um esporte de aposentados. Praticamente não há jovens entre os jogadores.
Há alguns anos freqüento pelo menos uma vez por ano a região de La Ciotat, onde temos um amigo que é artista plástico. Georges Rinaudo desenha a lápis a partir de fotografias, cartões postais ou imagens da imprensa. Faz também desenhos de observação ao vivo como os que ilustram o livro “Retours à La Ciotat”, um livro de desenhos do porto e dos estaleiros, com textos de Michel Plon e Louis Olive. Mas o artista prefere trabalhar a partir de imagens de fotógrafos. Rinaudo é um fino observador e colecionador de imagens que revisita em finas hachuras, pequenos e delicados traços, milhares de pequenos pontos que formam paisagens e rostos. É um trabalho de uma delicadeza e beleza extraordinárias. Ele criou uma técnica própria, única, feita de traços milimétricos que renovam através do crayon sombras, textura, volumes e cores as imagens fixadas pela máquina fotográfica. Georges, que um dia se definiu como un “dessinateur de photos” se “vinga” da prerrogativa da fotografia de descrever o mundo no lugar do desenho, como assinala o fotógrafo Yves Gallois, na apresentação do belo livro “Dessins de Photographies 1966-2000.”
Apesar de ser um apaixonado por imagens, Georges nunca foi flagrado com uma máquina fotográfica na mão. Nem dele nem de ninguém. Seu olhar observa a fotografia já pronta, impressa, no papel e dela se apropria. E suas mãos fazem a transposição da imagem para seu universo, dando um sentido com seu olhar, fazendo-nos descobrir nova imagem no papel coberto de sutis traços do lápis de cor.
Parodiando Picasso, Georges escreveu: “Eu não acho, eu não procuro, eu reflito”.

Espetando Sarko

A Justiça francesa julgou na semana passada o pedido do advogado do presidente Sarkozy de retirar o boneco com seu rosto chamado “Poupée vaudou”. O boneco continua sendo vendido já que a Justiça considerou que esse livro-objeto com a efígie do presidente tem sua circulação legitimada pela liberdade de expressão que deve existir numa democracia. O tribunal julgou que o “Manuel vaudou Nicolas Sarkozy” está “dentro dos limites autorizados da liberdade de expressão e do direito ao humor” e que pode continuar sendo vendido. O chefe de Estado pedia a retirada imediata do objeto alegando um direito à sua imagem absoluto e exclusivo.
O manual é um livro-objeto apresentado numa embalagem com uma boneca de tecido com a imagem do presidente, 12 agulhas e um texto de 56 páginas. Está sendo vendido pela internet desde outubro e custa 12,95 euros. No boneco, as frases e feitos mais detestáveis de Sarkozy podem ser espetados com as agulhas, como por exemplo, 170%, a percentagem do aumento que o chefe de Estado se outorgou logo depois de assumir o poder. Ou então a frase “Trabalhar mais para ganhar mais”, um dos leitmotivs da campanha.
Ségolène Royal que também foi brindada com um manual vodu com sua efígie não entrou na justiça tentando impedir a venda. Ela deve saber que a livre expressão de idéias é um dos pilares da democracia.
Será que Sarkozy esqueceu?

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Vaias para a Marselhesa

Michel Platini foi um craque da seleção francesa e hoje é o presidente da União européia de futebol (UEFA). No meio da histeria e da burrice que tomou conta da classe política francesa na semana passada, ele foi uma das vozes mais lúcidas e inteligentes.
A polêmica envolvendo futebol e políticos começou quando a seleção francesa jogou no Stade de France, em Paris, contra a seleção da Tunísia. Antes do jogo, quando uma cantora de origem tunisiana cantava A Marselhesa, o hino nacional foi vaiado por milhares de jovens torcedores. Ora, esses jovens nasceram na França. Mas vaiam o hino nacional.
Não é a primeira vez que A Marselhesa é vaiada. Isso já aconteceu num jogo contra o Marrocos e em outro contra a Argélia. Os três países foram colônias ou protetorados franceses.
Por que jovens descendentes de ex-colonizados vaiam A Marselhesa? Em vez de se fazer essa pergunta, que daria como resposta o fracasso da integração «à la française », Sarkozy, o primeiro-ministro Fillon, a ministra da Saúde e do Esporte e seu secretário de Estado multiplicaram as declarações de horror, espanto e indignação. Chegaram a propor que, numa próxima ocasião, o jogo seja interrompido e o estádio esvaziado. O secretário Laporte sugeriu que nunca mais a seleção francesa jogue contra esses países magrebinos no Stade de France.
O que disse Platini? Em longa entrevista ao "Le Monde" ele denuncia a manipulação política em torno do futebol, «refém da classe política», e critica a idéia de suspender o jogo quando o hino for vaiado. Além disso, pergunta, irônico: «Quando é que vão ter a brilhante idéia de pôr um policial atrás de cada torcedor?»
Ele minimiza o acontecido dizendo que em outras ocasiões esses mesmos jovens cantam o hino nacional quando a França joga contra um país europeu ou durante a Copa do Mundo.
Platini confessa que nunca cantou a Marselhesa antes dos jogos, mesmo achando que é o mais bonito hino nacional do mundo. Para ele, cantar aux armes citoyens antes de um jogo de futebol lhe parecia ir contra o espírito esportivo. «Era um jogo, um esporte, e não uma batalha de uma guerra. Por isso, nunca pude cantar o hino».

De que ria a rainha?

Num almoço com o embaixador brasileiro em Paris, na semana passada, os correspondentes brasileiros tiveram algumas informações preliminares sobre a visita de Nicolas Sarkozy ao Brasil em dezembro. O Brasil vai se tornar um parceiro privilegiado da França. A França vai vender aviões Rafale, helicópteros, centrais nucleares e outros itens da tecnologia francesa.
Uma jornalista fez a pergunta que estava na cabeça de muitas pessoas: «Carla Bruni o acompanha?»
Nas relações bilaterais a presença ou não da mulher do presidente na delegação não muda em nada o prestígio e a importância da visita presidencial, mas a ausência de Carla Bruni-Sarkozy tiraria um pouco do brilho e do charme da viagem. Afinal, ela é para Sarkozy o que Jackie Kennedy era para John Kennedy. Um «plus» com o qual ele conta para vender o charme francês (e uns Rafales e tanques de quebra) e construir seu mito.
Carla vai ao Brasil em dezembro, sim. Mas, obviamente, não vai passar o réveillon na orla vendo os fogos. Seu marido é muito ocupado para ficar tantos dias fora da Europa, que ele dirige até o fim do ano na presidência rotativa dos 27 estados-membros da União Européia. Parece que passam o Natal em Itaipava, na casa de amigos do pai dela, que vive em São Paulo.
Alguém quis saber como são as relações pessoais de Sarkozy e Lula. Eles se entendem muito bem, segundo o embaixador José Maurício Bustani. Ele disse que o presidente Lula surpreende por sua capacidade de comunicação e descontração.
Em Londres, durante a visita presidencial, o embaixador ouviu uma gargalhada feminina que vinha do grupo onde estava Lula. Como estava mais atrás, apressou o passo. Ao entrar no salão onde estavam Lula e Elizabeth II, viu estupefato que era ela quem dava uma risada farta, digna de uma plebéia, reagindo a algo contado por Lula. Descontraída e abandonando a sua pose de rainha da Inglaterra, Elizabeth II continuou a conversa com o ex-metalúrgico mostrando um quadro de um pintor holandês e fazendo um comentário bem-humorado sobre os holandeses.

Máfia napolitana contra Saviano

O escritor e jornalista Roberto Saviano desistiu. Jogou a toalha.
O autor de « Gomorra » decidiu deixar a Itália. Saviano tinha 26 anos quando escreveu o livro que trata da importância da Camorra, a máfia napolitana, na economia de Nápoles e da Itália. Depois, o livro foi adaptado ao cinema por Matteo Garrone.
“Gomorra”, que recebeu prêmio do júri no último festival de Cannes, impressiona pela violência dos mafiosos, infiltrados em todos os setores da economia regional, cujos métodos são a intimidação e a brutal eliminação de rivais e inimigos.
Depois de dois anos acompanhado dia e noite por guarda-costas, Saviano desistiu de continuar fugindo dos mafiosos, uma vez que, como escreveu no "La Reppublica", a «matilha de assassinos» tem total liberdade de ação no país, sem que isso desperte nenhum debate, nenhuma polêmica.
A Camorra, minuciosamente descrita no livro que vendeu um milhão e duzentos mil exemplares, tinha um projeto de assassinar Roberto Saviano antes do Natal, na auto-estrada entre Roma e Nápoles.
Com a partida dele, esperemos que salve sua vida.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

EXPLOSÃO DE FAVELAS

Se nada for feito na área de urbanização nos países mais pobres, haverá dois bilhões de pessoas vivendo em favelas daqui a trinta anos, segundo relatório da ONU divulgado no dia Internacional do Habitat, comemorado dia 6 de outubro. Hoje já existem 200 milhões de chineses, 160 milhões de indianos e 50 milhões de brasileiros vivendo em favelas. Em números absolutos, o Brasil ocupa o terceiro lugar em população favelada (medalha de bronze) e tem 36,6% de sua população vivendo em casas precárias, construídas em áreas parcial ou completamente insalubres. Consolo para quem precisa de consolo: a Tanzânia, a Etiópia e o Sudão têm uma percentagem da população bem maior morando em favelas: 92,1%, 99,4% e 85,7% respectivamente.

A pobreza urbana e as favelas, decorrentes da migração do campo para as cidades, serão o problema mais importante e politicamente explosivo deste século, segundo uma previsão do Banco Mundial.

FICHAMENTO DE CIDADÃOS FRANCESES

No dia 16 deste mês, os franceses vão fazer um dia nacional de protestos contra o fichamento de cidadãos, o Fichier EDVIGE, criado pelo governo Sarkozy. Um coletivo de cidadãos organiza em todo o país passeatas para dizer “Non à EDVIGE”.

Um atentado às liberdades individuais, o fichamento já provocou protestos e petições contra sua instauração em todo o país. A Comission Nationale de l’Informatique et des Libertés (CNIL) recebeu um relatório de magistrados e vai se manifestar sobre o fichamento, que já teve nova versão que tenta dourar a pílula para fazê-la passar mais facilmente.

O fichário pretende manter dados de todos os cidadãos a partir dos 13 anos “que pretendem exercer ou exerçam mandato político, sindical ou econômico ou que tenham algum papel institucional, econômico, social ou religioso significativo”, conforme o decreto de junho que instituiu o EDVIGE. O governo terá em mãos informações extremamente sensíveis como origens “raciais” ou étnicas, opiniões filosóficas, políticas ou religiosas e filiação a sindicatos.

A França começa a reagir ao Estado dos sonhos do presidente Sarkozy: policialesco e centralizado.

«MON MARI» PRA CÁ, «MON MARI» PRA LÁ

Vou abrir um espaço para um bilhete « people », como os franceses chamam as notícias em torno de celebridades.

Carla Bruni-Sarkozy costuma falar de Nicolas Sarkozy como “mon mari”. Nas entrevistas, jamais ela se refere a ele pelo nome, Nicolas. Deve achar que não fica bem falar do presidente como se fosse um simples namorado. E como ele é o primeiro marido dela (“ele me pediu em casamento, foi o primeiro homem que me fez o pedido”), a posição de “mari” conta muito, aparentemente. Sua biografia de mulher livre, conquistadora e “femme fatale” (Eric Clapton conta no seu livro a fossa quando ela o deixou) ficou para trás. Por outro lado, o novo papel de boa esposa que fala de “mon mari” com respeito e quase reverência soa ridículo para muitos.

Raphael Enthoven, filósofo de formação, tem um programa cultural na Rádio France Culture chamado “Les chemins de la connaissance”, no qual debaterá a obra de Freud durante toda esta semana.

Mas o que isso tem a ver com Carla? Deixemos Freud de lado e falemos do mundo parisiense no qual Enthoven circula. Ele é um personagem conhecido das revistas “people” francesas porque vem a ser o pai de Aurélien, filho de Carla Bruni. Graças a seu envolvimento com a ex-manequim e cantora, Raphaël Enthoven e ela se tornaram personagens de um romance que virou best-seller há quatro anos.

Esse ex-namorado de Carla B. (como o jornal satírico “Canard Enchaîné” trata a primeira dama, autora de um diário fictício engraçadíssimo) era marido de Justine Lévy, filha do filósofo Bernard-Henri Lévy. Para quem não se lembra, Justine foi abandonada por Raphaël quando este conheceu Carla, que era namorada... de seu pai, o editor Jean-Paul Enthoven. Separação dos dois casais, filho e pai deixam de se falar, Justine escreve o romance “Rien de grave” no qual lava a roupa suja (200 mil exemplares vendidos). O livro assassina todos os personagens: o marido, a femme fatale, que ela chama de “Paula” e trata de “mulher Terminator”, bela e perigosa, com o rosto todo refeito em cirurgias plásticas. Justine também conta como se deixou tragar pela depressão, anfetaminas, aborto, entre outras misérias.

Na época do lançamento do livro, Carla Bruni respondeu soberana na revista “Elle”: “A ex-mulher do meu marido (Raphaël) me faz passar por uma mulher que rouba maridos, quando todo mundo sabe que maridos não são roubados. A gente sabe mantê-los ou não”.

Raphaël apenas retrucou: « Justine Lévy tem talento, mas ela é para a literatura o que seu pai é para a filosofia há muito tempo: uma anedota.

SINÉ DE VOLTA

Quando Siné foi despedido de “Charlie Hebdo” pelo diretor do jornal, Philippe Val, sob acusação de anti-semitismo, o humorista e caricaturista mais irreverente da imprensa francesa decidiu que não iria calar a boca.

Sentindo-se injustiçado ao ser demitido de “Charlie Hebdo”, Siné abriu um processo contra Val e fundou um jornal tão irreverente e mal-educado quanto o dono. Como carimbo “Siné Hebdo” exibe um garoto levado fazendo caretas dentro de um círculo duplo onde se lê “Le journal mal élevé” (O jornal mal-educado). O número 1 de “Siné Hebdo” saiu dia 10 de setembro com uma capa em que uma caricatura sua faz um gesto obsceno com a mão que mostra um dedo e diz: “Olha eu de novo!”

E como prova de que os quatro números já publicados incomodam, os computadores da redação do jornal foram roubados no domingo, 5 de outubro. Obviamente, nos computadores estavam os textos do número que sai na quarta-feira, 8. Catherine Sinet, que é diretora de redação do jornal, já tinha denunciado à polícia uma série de ameaças recebidas por telefone de uma organização extremista judaica.

Com a saída do número 4 no dia 1° de outubro, o jornal contabiliza um mês de vida e mantém o nível de interesse dos leitores dispostos a apoiar o trabalho de um grupo de cartunistas e jornalistas revoltados com a acusação a Siné, ao qual se juntaram nomes como Michel Onfray e Michel Warschawski. O primeiro é um professor de filosofia, um iconoclasta de carteirinha, que escreveu, entre outros, um “Tratado de ateologia” e cujos livros e DVDs são best-sellers em toda a França difundindo a filosofia entre o maior número possível de leitores. Para isso, ele fundou uma universidade livre, totalmente gratuita, na cidade de Caen, a poucas horas de Paris.

Warschawski é um intelectual israelense, autor de diversos livros sobre o conflito israelo-palestino e defensor incondicional da causa palestina. No seu primeiro artigo para “Siné Hebdo”, o filho do rabino Warschawski diz que em seu artigo semanal não falará jamais do que se convencionou chamar “processo de paz”. “Siné me pediu uma coluna na qual falarei das realidades políticas, sociais e culturais dessa região do planeta na qual vivo, milito e escrevo. Ora, o “processo de paz” é exatamente o contrário de uma realidade: é vento, virtual, alguns diriam que ele é pura propaganda política”, escreve o escritor.

Há três meses, ao ser acusado de anti-semitismo, Siné reagiu energicamente: "Quanto ao meu suposto anti-semitismo, nunca fui anti-semita, não sou anti-semita, nunca serei anti-semita. Condeno radicalmente os que são anti-semitas, mas não tenho nenhum apreço pelos que, judeus ou não, jogam irresponsavelmente essa palavra abjeta na cara de seus adversários para desconsiderá-los, sabendo que esta acusação é o insulto supremo depois do Holocausto (Shoah). Isso está se tornando insuportável. No que me diz respeito, tenho tanta antipatia por todos os que, judeus ou não, defendem o regime israelense, quanto pelos que defendiam o apartheid na África do Sul. Há mais de 60 anos luto contra todas as formas de racismo e se tivesse tido idade de esconder judeus durante a ocupação o teria feito sem hesitar, como o fiz pelos argelinos durante a guerra da Argélia. Estou do lado de todos os oprimidos!"

O jornal de Siné tem o mesmo formato do outro do qual ele foi expulso. E se continuar a vender e despertar o interesse dos leitores como o primeiro número, vai longe. No editorial do número 2, o cartunista informa que o número 1 foi um sucesso de vendas (151 mil exemplares) e que o fato de terem conseguido fundar o jornal com tão pouco dinheiro era um milagre que deveria continuar a ser apoiado pelos leitores.

No primeiro número, o cartunista se se congratulou com os leitores pela criação do jornal “mal-educado, impertinente, libertário, em cores e barato” (dois euros). Para continuar a viver sem nenhum anúncio publicitário como outro tradicional e respeitado jornal satírico “Le Canard Enchaîné”, “Siné Hebdo” só conta com o apoio de seus leitores. Siné escreveu um pequeno texto pedindo doações para a associação “Les mal-élevés”:

“Não tenhamos ilusão. Temos de contar com o silêncio da mídia. Muitas pessoas nos detestam e vão fazer tudo para nos sabotar”. O texto tem um título provocante: “Pare de beber (provisoriamente) e de fumar (se for possível) e envie o dinheiro economizado pra gente”.

Pedido de doações mais irreverente, impossível.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Coleção do século

Nunca mais os ricos do planeta conseguirão juntar numa só vida uma coleção tão excepcional.
Essa é a opinião dos especialistas europeus de arte que começaram a fazer o levantamento da coleção Yves Saint Laurent-Pierre Bergé. Os dois formavam um dos mais conhecidos casais parisienses das artes e do mundo dos negócios. O primeiro era um gênio descoberto por Dior aos 21 anos. O segundo, um homem de negócios, responsável pelo sucesso financeiro e empresarial do grande artista e estilista. O primeiro, um homem tímido, dominado por fobias, incapaz de administrar sozinho sua fortuna e seu sucesso. O segundo, um craque das finanças. Estetas, apaixonados pelos objetos de arte, Bergé et Saint Laurent viveram juntos por 50 anos entre Paris e o Marrocos, onde tinham um palácio e recebiam artistas e intelectuais do mundo inteiro. Até que a morte os separou em junho deste ano.
Pierre Bergé e Yves Saint Laurent possuíam objetos de arte chinesa, “art déco”, objetos em ouro, em prata, arte do Renascimento, da Antiguidade, telas de grandes pintores como Picasso, Cézanne, Matisse, Manet, Vuillard, Gauguin, Munch, Mondrian, Léger et Goya. O quadro de Goya foi doado por Bergé ao museu do Louvre. O resto da coleção do século foi entregue a especialistas para a organização de um catálogo para o leilão da Christie’s, em fevereiro de 2009 no Grand Palais, em Paris.
O total arrecadado pelo leilão das 700 obras girará em torno dos 500 milhões de euros. Colecionadores dos Estados Unidos, Pequim, Shangai, Moscou, Tóquio e Dubai estão excitadíssimos fazendo cálculos e consultando especialistas.
A venda não emociona Bergé que diz que guardará a coleção na memória e nas páginas do suntuoso catálogo que vai ser editado com textos de historiadores de arte, em cinco volumes, e vendido a colecionadores e marchands do mundo inteiro.
Nos dias 23, 24 e 25 de fevereiro só não estarão sendo vendidos no Grand Palais a escultura de um pássaro africano mítico, a primeira peça comprada pelo costureiro, e o retrato de Yves pintado por seu amigo Andy Warhol. A fortuna arrecadada pelo leilão será integralmente destinada a uma nova fundação para a pesquisa científica e ajuda aos doentes de Aids.
Quanto à Fundação Saint Laurent, que existe há alguns anos, ela reúne mais de 5 mil roupas e 150 mil objetos diversos ligados ao costureiro. Numa visita à Avenue Marceau, os fãs do maior estilista do século XX podem fazer uma viagem ao nec plus ultra da moda francesa.

Quem vê « la vie en rose » vive mais
No ano em que a França festeja o centenário de um de seus mais ilustres intelectuais, o antropólogo Claude Lévi-Strauss, os cientistas especialistas do envelhecimento declaram categóricos : vive mais quem é otimista e envelhece melhor quem conserva uma atividade profissional até a idade avançada.
Reunidos em Paris, na sede da Unesco, diversos pesquisadores do envelhecimento quem gosta de viver, tem interesse em descobrir o mundo e as pessoas vive mais. Um estudo mostrou que os centenários franceses tinham em geral um temperamento fácil, um otimismo a toda prova e uma grande curiosidade pela vida. Longevidade e alegria de viver andam sempre juntos, garante Françoise Forette, diretora da Fundação Nacional de Gerontologia.
Obviamente, o otimismo não é tudo. A atividade física regular, comidas saudáveis, pouco sol, pouco álcool e cigarro são o primeiro passo para uma vida longa e com saúde. Segundo o geneticista Axel Kahn, o meio ambiente também tem que ser levado em conta. Pessoas que envelhecem isoladas tendem a ficar mais tristes e a morrer mais cedo do que aquelas que vivem cercadas de diferentes gerações. Pessoas que exercem atividade que estimula o cérebro são as que conservam mais as funções cognitivas. Quanto mais se exercita o cérebro mais se afasta doenças como o mal de Alzheimer.

O despertar do gigante
O jornal “Le Monde” detalha no dia 1° de outubro em matéria de página inteira (com direito a chamada de primeira página) o plano que o Brasil anunciou para defender a floresta amazônica. Na matéria “O Brasil adota um plano de luta contra o desmatamento”, fico sabendo que 80% da exploração da floresta é ilegal; que o Brasil ainda conserva 64% de sua superfície de floresta original; que o plano anunciado pelo ministro Carlos Minc é uma promessa feita em 2007 pelo presidente Lula e será promulgado em 2009; que o Brasil quer restringir a aquisição de terras por estrangeiros; que estes possuem 5,5 milhões de hectares de terras no Brasil, sobretudo em Mato Grosso e em São Paulo.
Mas, segundo o jornal, esses dados sobre terras em mãos estrangeiras não representam fielmente a realidade, uma vez que as companhias brasileiras cujos acionistas são parcialmente ou até mesmo majoritariamente estrangeiros não são computadas nesses números. Segundo o jornal, o Brasil despertou ainda mais a cobiça de investidores estrangeiros ávidos por terras para o plantio de matérias-primas alimentícias depois que estas tiveram o preço supervalorizado. Mas eles investem em terras também para plantar cana de açúcar para a fabricação de biocombustíveis.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Franceses fichados

A França, o país dos direitos humanos, começa suavemente a descer a ladeira da limitação das liberdades individuais.
É o que pensam o jurista Etienne Tête e um grande número de franceses que protestaram num manifesto contra a criação, em julho deste ano, do “fichier Edvige”. Esse estranho nome é a sigla para “exploitation documentaire et valorisation de l’information générale”, uma invenção típica de serviços de informação. As fichas individuais do fichário Edvige descrevem desde a orientação sexual até engajamentos políticos e permitem às autoridades espionar os franceses a partir dos 13 anos de idade. Esse fichário lembra as sinistras fichas do Dops, criadas durante a ditadura militar brasileira.
O fichário Edvige será administrado pela Direction centrale du renseignement intérieur, serviço de informação do governo. Esse novo dispositivo policialesco gerou protestos em todo o país e um manifesto contra ele foi assinado por mais de 50 mil pessoas representando 500 organizações.
Baseado no artigo 8 da Convenção européia dos direitos humanos, o jurista Etienne Tête entrou na Justiça para tentar invalidar o funcionamento do fichário. O artigo 8 da Convenção garante o direito ao respeito da vida privada e familiar e não autoriza a ingerência das autoridades públicas senão “em caso de segurança nacional, segurança pública, quando necessário ao bem-estar econômico do país, à defesa da ordem e à prevenção de infrações penais e ainda à proteção da saúde e da moral ou a proteção dos direitos e liberdades de outrem”.
O jurista denuncia um texto liberticida que permite a intrusão na vida de políticos eleitos, sindicalistas e todos os que se candidatam a um mandato eletivo. Ele pensa que a orientação sexual de um político não é um problema que diz respeito a suas responsabilidades de eleito nem muito menos à segurança nacional.
Teria esse fichamento como um dos objetivos a dissuasão de adolescentes tentados a participar das violentas manifestações das “banlieues” que envolvem rapazes cada vez mais jovens? Pela nova lei, os menores a partir de 13 anos poderão ser fichados mas não terão direito de acesso a suas fichas.

Olivier Besancenot e o NPA

Com o fim das férias de verão novas passeatas já estão programadas para a “rentrée” de setembro, para protestar contra as reformas neoliberais de Sarkozy.
A esquerda fragilizada tenta se reorganizar para existir. O Partido Socialista se reúne no próximo fim de semana e os candidatos à sucessão do secretário-geral, François Hollande, fazem campanha, inclusive o prefeito de Paris, Bertrand Delanoë.
A Liga Comunista Revolucionária (LCR), pequeno partido de extrema esquerda trotskista, cujo porta-voz é o carteiro Olivier Besancenot, um personagem carismático e combativo, que me faz lembrar o metalúrgico Luiz Inácio da Silva dos anos 80, realizou neste fim de semana um grande seminário para formalizar o nascimento do novo partido de esquerda que substituirá a LCR. Depois da queda do muro, o nome "comunista" no título do partido é um peso difícil de carregar. Afinal, todos os partidos comunistas do ocidente mudaram de nome e o único que não o fez, o Partido Comunista Francês, não pára de perder eleitores.
Seria tempo, pois, de atualizar a LCR. Seu substituto, que está sendo chamado de Novo partido anticapitalista (NPA) e que será batizado definitivamente até o fim do ano, vai ser lançado oficialmente em dezembro deste ano e se apresenta como a verdadeira opção da esquerda anti-liberal.
Olivier Besancenot foi candidato à presidência da república em 2002 e em 2007. Na eleição presidencial do ano passado, teve 4,08% dos votos, o que significa que 1.498.581 de franceses queriam vê-lo presidente da república. Entre os candidatos da extrema esquerda, ele foi o mais votado, à frente da candidata do Partido Comunista Francês, Marie-George Buffet. O PCF, que já foi uma força política importantíssima, declina a cada nova eleição.
Besancenot e os militantes da LCR, cada vez mais numerosos, querem que o NPA seja um partido engajado nas lutas sociais e ecológicas e recusam o reformismo que tomou conta da esquerda clássica. Essa esquerda que Besancenot congrega no novo partido se define como “anticapitalista, internacionalista, anti-racista, ecologista e feminista e visa a uma transformação da sociedade a fim de elaborar uma nova perspectiva socialista democrática para o século 21, extinguindo a economia de mercado”.
Diferentemente da China, que construiu seu fabuloso desenvolvimento econômico baseado num modelo híbrido que alia a economia de mercado ao sistema comunista de partido único, Besancenot propõe uma nova via. Sem renegar seu passado trotskista, ele quer criar uma “perspectiva socialista democrática”. O NPA pode ser uma alternativa para quem não acredita no socialismo do PS, considerado reformista e "pas assez à gauche" por muitos eleitores de esquerda.

Mahmoud Darwich, o poeta da Palestina

Em 2004, traduzi para o português os nove textos do livro “Voyage en Palestine” (Viagem à Palestina, Ediouro) com um texto do prêmio Nobel de literatura Wole Soyinka, um de Russel Banks, presidente do Parlamento Internacional dos Escritores, um de Christian Salmon e um de Juan Goytisolo, entre outros. O escritor José Saramago, que também fez a viagem não entregou seu texto em protesto contra a polêmica que se formou em torno de suas declarações na Palestina. Jacques Derrida, que não pôde fazer a viagem, mandou um texto publicado no volume.
Três anos depois, tive o imenso prazer de ouvir o poeta palestino Mahmoud Darwish dizer seus poemas, no campus parisiense da Universidade de Columbia, em Montparnasse. Foi uma noite inesquecível, compartilhada por dezenas de pessoas emocionadas.
Mahmoud Darwish morreu dia 9 de agosto deste ano, em Houston, no Texas, de complicações de uma cirurgia cardiológica. O povo palestino perdeu seu maior poeta e um de seus mais brilhantes intelectuais.
O motivo da viagem à Palestina foi a impossibilidade de o poeta Darwish sair de Ramallah para encontrar seus pares do Parlamento Internacional dos Escritores. Abaixo, o texto de apresentação do livro, pelo editor:

Foi por sugestão do poeta palestino Mahmoud Darwish que, alguns meses antes, não pudera aceitar diversos convites de encontros no estrangeiro, que uma delegação do Parlamento Internacional do Escritores visitou os territórios ocupados, na primavera de 2002. O discurso pronunciado pelo poeta, membro do Parlamento, para recepcionar a delegação, em Ramallah, dia 25 de março, em pleno cerco da cidade, abre essa obra. Os membros da delegação (provenientes de quatro continentes: da África, o prêmio Nobel nigeriano Wole Soyinka e o poeta sul-africano Breyten Breytenbach; da China, o poeta dissidente Bei Dão; da Europa, o romancista espanhol Juan Goytisolo, o prêmio Nobel português José Saramago, o romancista italiano Vicenzo Consolo e o escritor francês, secretário-geral do Parlamento Internacional dos Escritores, Christian Salmon, e da América do Norte o romancista Russel Banks) ao visitarem por vários dias aqueles lugares, desejavam expressar a Darwish, aos intelectuais e ao povo da Palestina a solidariedade do PIE num momento em que as condições ao exercício do pensamento tornaram-se, nessa região, inaceitáveis para qualquer homem livre. Tratava-se, ao mesmo tempo, de ir ao encontro de escritores palestinos cercados, romper o isolamento de pessoas que não querem abandonar seu país na condição de asilados e testemunhar uma situação inacreditavelmente funesta. À violência exercida contra o território partido, à disseminação de fronteiras, à desarticulação da linguagem e à relação pânica com o outro, respondem sete escritores, mais preocupados em observar atentamente o cotidiano do que em emprestar suas vozes às litanias ideológicas.

Os textos aqui publicados constituem testemunhos precisos e vivos de uma realidade cuja espetacularização midiática não permite que dela se tome consciência. Força da literatura, sem dúvida, que por sua permanência e experiência interior pulveriza as representações assépticas do horror propagado pela indústria "da informação". Bem mais eloqüente do que a maioria das reportagens, eles são, pois, para além igualmente dos textos mais imediatistas, destinados à perenidade. Acompanham os textos as mensagens de Hélène Cixous e Jacques Derrida. O leitor encontrará no fim do volume o texto integral do "Manifesto pela paz na Palestina" lançado pelo PIE no dia 6 de março de 2002, que recolheu 600 assinaturas.



quinta-feira, 31 de julho de 2008

Charlie Hebdo perde o humor cáustico de Siné, acusado de anti-semitismo*

O caricaturista Siné, de 79 anos, não imaginava o que o esperava quando escreveu na sua crônica do jornal satírico Charlie Hebdo um comentário sobre o futuro casamento e uma suposta conversão ao judaísmo do filho de Nicolas Sarkozy, Jean Sarkozy, de 21 anos.

Na semana seguinte, Siné foi acusado por um jornalista do Nouvel Observateur, Claude Askolovitch, de anti-semitismo. O affaire Siné virou uma polêmica que divide intelectuais e jornalistas franceses há mais de duas semanas. O diretor de Charlie Hebdo, Philippe Val, resolveu deixar de publicar o caricaturista, sem demiti-lo formalmente. Siné vai processar Claude Askolovitch por injúria e difamação.

No seu texto, Siné escreveu: “Jean Sarkozy, digno filho de seu pai e já conselheiro geral do (partido) UMP, saiu quase sob os aplaudos de seu processo por fuga em sua lambreta. A Justiça o declarou inocente! Diga-se de passagem que o acusador é árabe! E não é tudo: ele declarou que vai se converter ao judaísmo antes de casar-se com sua noiva, judia, e herdeira dos fundadores de Darty. Vai longe, esse menino!”

Obviamente, como o próprio Siné explicou, ele teria feito uma observação semelhante se o filho de Sarkozy fosse se casar com uma muçulmana e, para isso, se convertesse ao islã. Ou a qualquer outra religião de sua noiva. Anarquista e ateu convicto, o humorista defende a criação do Estado palestino e participa da Coordenação francesa da década de cultura da paz e da não-violência.

Por recomendação de seu advogado, Siné continua enviando sua colaboração semanal a Charlie Hebdo, que deixou de publicá-la. A última foi publicada pelo site do Nouvel Observateur. Siné escreveu o que pensa do diretor do jornal satírico, da origem das divergências entre eles e acrescenta:

“Quanto ao meu suposto anti-semitismo, junca fui anti-semita, não sou anti-semita, nunca serei anti-semita. Condeno radicalmente os que são anti-semitas, mas não tenho nenhum apreço pelos que, judeus ou não, jogam irresponsavelmente essa palavra abjeta na cara de seus adversários para desconsiderá-los, sabendo que esta acusação é o insulto supremo depois do Holocausto (Shoah). Isso está se tornando insuportável. No que me concerne, tenho tanta antipatia por todos os que, judeus ou não, defendem o regime israelense quanto pelos que defendiam o apartheid na África do Sul. Há mais de 60 anos luto contra todas as formas de racismo e se tivesse tido idade de esconder judeus durante a Ocupação o teria feito sem hesitar, como o fiz pelos Argelinos durante a guerra da Argélia. Estou do lado de todos os oprimidos !”

Esse affaire desencadeou uma polêmica entre intelectuais franceses sobre o tema do anti-semitismo. O filósofo Bernard-Henri Lévy analisou no Le Monde o caso Siné num artigo intitulado “De quoi Siné est-il le nom?” parodiando o livro de Alain Badiou, “De quoi Sarkozy est-il le nom?”, que ele cita. Lévy chega ao cúmulo de afirmar que o antisarkozysmo pode ser hoje uma deriva do anti-semitismo.

O filósofo Alain Badiou respondeu imediatamente no próprio Le Monde com um artigo irônico e de uma finesse extraordinária, para protestar contra a utilização para fins diversos da acusação de anti-semitismo na França atual. O título “Tout antisarkozyste est-il un chien?” remetia às metáforas zoológicas de seu livro, interpretadas por Pierre Assouline como anti-semitas. Sartre, citado por Lévy, também é invocado por Badiou no seu delicioso artigo.

Entre as vozes que se levantaram para defender Siné contra a absurda acusação, uma foi particularmente importante: a advogada Gisèle Halimi, que foi advogada de Jean-Paul Sartre, escreveu uma carta aberta a Philippe Val assegurando que se ele fizer um processo por anti-semitismo contra Siné não tem nenhuma chance de ganhar na Justiça.

Há poucos dias, o site do Nouvel Observateur pôs no ar uma petição de apoio a Siné que pode ser assinada online. Redigida por Eric Martin, Benoît Delépine e Lefred-Thouron, ela declara apoio “total e incondicional” ao desenhista anarquista e termina dizendo: “Siné não é anti-semita. Siné não gosta dos idiotas. Siné é um anarquista. Viva Siné”. Essa petição já foi assinada por filósofos como Michel Onfray e Daniel Bensaïd, por grande número de jornalistas, pelo dirigente da Liga Comunista Revolucionária Alain Krivine, pelo vice-presidente da União judaica francesa pela paz, Pierre Stambul, e pelo fundador de Médecins sans frontières, Rony Brauman, entre milhares de outros franceses.

*Publicado originalmente no Observatório da Imprensa

terça-feira, 22 de julho de 2008

Exposição reúne quadros em busca de proprietários

Exposição no Museu de arte e história do judaísmo mostra quadros pilhados pelos nazistas ***

Leneide Duarte-Plon, de Paris


A mostra de pintura que o Musée d’art et d’histoire du judaïsme inaugurou em Paris é mais que uma exposição de arte.
É de política e de história que falam os quadros de pintores consagrados como Utrillo, Degas, Delacroix, Monet, Vlaminck, Ingres, Fragonard, Cézanne, Courbet, Matisse, Marx Ernst e Seurat. Entre os 53 quadros da exposição, há ainda obras de grandes mestres da pintura holandesa, além de algumas obras anônimas.
O nazismo e a espoliação de bens de colecionadores judeus, durante a Ocupação da França pelos alemães, são o centro de interesse da exposição, que tem como título: “A qui appartenaient ces tableaux? (A quem pertenciam esses quadros?) O subtítulo explica a pergunta : Espoliações, restituições e pesquisa de origem : o destino das obras de arte trazidas da Alemanha após a guerra.
Nem todos os quadros enviados à Alemanha durante a guerra foram fruto de pilhagem. E nem todos pertenciam a judeus. Os alemães compraram muito no mercado francês de arte, tirando proveito das leis raciais, decretadas pelo governo fantoche do Marechal Pétain. Puderam se apropriar de obras pertencentes a judeus que fugiam, mas também compraram obras de grande valor por preços muito abaixo do mercado.
A exposição chegou a Paris, onde fica até 26 de outubro, depois de ter sido mostrada no Museu de Israel, em Jerusalém. Ela é o resultado da Missão Mattéoli, nomeada por Lionel Jospin em 1999, para estudar a espoliação dos judeus franceses. Essa missão consluiu que 10% do fundo atualmente chamado Musées Nationaux Récupération (MNR), que contém 2 mil obras, devem ser pinturas espoliadas a famílias judias.
A exposição mostra os diferentes processos de apropriação praticados pelos nazistas durante a Segunda Guerra mundial, desde as primeiras pilhagens feitas em julho de 1940 até as conseqüências das leis raciais do governo de Vichy (dirigido por Pétain).
Além disso, a exposição explica, através de textos didáticos, como foram feitas as restituições no após-guerra, seja aos grandes colecionadores como a família Rothschild, seja a outras famílias que puderam comprovar a origem das obras. Mesmo após o trabalho de historiadores de arte dos dois países, ainda restam 2000 obras classificadas MNR (Musées Nationaux Récupération). Elas estão sob a guarda permanente de diversos museus franceses.
Através de vídeos, de textos e de documentos o visitante pode entender como foram feitas as pesquisas para encontrar a origem dos quadros, possibilitando a restituição aos proprietários ou a descendentes.
As 100 mil obras de arte repertoriadas depois da guerra na Alemanha saíram da França de seis maneiras diferentes. Foram confiscadas pelos diversos serviços nazistas, foram compradas ou trocadas. Entre elas, algumas pertenceram a um oficial alemão. Essa história rocambolesca de um tesouro perdido foi contada por um arcebispo que devolveu os quadros aos museus estatais de Berlim. Eram 28 pinturas e desenhos de Delacroix, Corot, Millet, Manet, Renoir e Seurat, adquiridos por um oficial alemão e entregues em confiança a um soldado que voltou à Alemanha. Como o oficial não apareceu depois da guerra para reclamar seu tesouro, o soldado o confiou, sob o segredo da confissão, a Monsenhor Heinrich Solbach, arcebispo de Magdebourg. Este o entregou ao organismo central dos museus alemães. Essas obras foram devolvidas a François Mitterrand, em 1994, e foram expostas no Musée d’Orsay no mesmo ano.
Fazendo desapropriações de bens de judeus, os nazistas contavam com a Einsatzstab Rechsleiter Rosenberg (ERR), criada por Hitler sob a autoridade de Alfred Rosenberg, ideólogo do partido nazista e teórico do anti-semitismo. Entre abril de 1941 e julho de 1944, esse serviço enviou para a Alemanha 138 vagões contendo 4.174 caixas correspondendo a 22 mil objetos ou lotes de objetos. Segundo um relatório de julho de 1944, 38 mil apartamentos parisienses foram pilhados e os objetos de valor encaminhados à ERR.
Hitler e Goering adquiriram obras de pintores flamengos através de operações de trocas de obras de pintores modernos como Picasso e Matisse, confiscadas a colecionadores como Paul Rosenberg, o marchand de Picasso. As obras desses pintores, considerada “arte degenerada”, serviam de moeda de troca para aquisição de obras de pintores holandeses, que os dirigentes nazistas tanto admiravam.
Depois da guerra, autoridades aliadas estabeleceram comissões para resolver o verdadeiro quebra-cabeças das obras de arte estocadas na Alemanha, provenientes de diversos países europeus. Calcula-se que 100 mil obras de arte deixaram o território francês durante a guerra. Dessas, 60 mil retornaram à França em 1945. Entre essas, 45 mil foram restituídas aos proprietários até 1949. Entre as 15 mil restantes, 13 mil foram vendidas pela organização que administra os museus franceses, entre 1950 e 1953. As duas mil restantes estão espalhadas pelos museus nacionais com o selo MNR de onde saíram as 53 obras expostas atualmente no Museu de Arte e de História do Judaísmo.
Nos dias 14 e 15 de setembro haverá um colóquio internacional no próprio museu intitulado Espoliações, restituições, indenizações e pesquisa de origem : o destino das obras de arte encontradas depois da Segunda Guerra Mundial.
Ainda em setembro, o museu programou dois filmes em torno do tema : Le train, de John Frankenheimer e Monsieur Klein, de Joseph Losey. Além deles, três documentários serão exibidos dia 21 de setembro, entre eles, Roubados pelos nazistas, a história da coleção Schloss.

*** publicada na Folha de São Paulo em 13 de julho de 2008

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Grace Kelly : a princesa do rochedo

O sonho de se tornar uma princesa começa cedo na infância das meninas. Em geral, com a história da gata borralheira.
Conheço uma menininha francesa de menos de quatro anos, Julia, que se veste com seu vestido de “Cendrillon” (Cinderela), coloca os sapatinhos e sonha com o príncipe. Nos seus sonhos, o príncipe é seu pai (ainda). Freud explica. Depois, ele será substituído. Ou não, e aí é que as coisas se complicam. Ela tem o livro, mas tem também o DVD, tecnologia oblige, da pequena rejeitada que se transformou em princesa. Vira e mexe, veste o vestido de baile de Cendrillon. E nesse momento é uma princesa.
Ao ver no Hôtel de Ville a bela exposição sobre a vida da princesa Grace não pude deixar de pensar que ela estava no lugar que toda mulher sonha ocupar: ao lado do príncipe encantado. Ela tinha Hollywood a seus pés, mas preferiu a vida real. Trocou um sonho de celulóide por um rochedo. Mônaco, le rocher, como a imprensa francesa chama o pequeno principado encravado na rocha. Um rochedo é real, tem solidez. Hollywood é ilusão, pode evaporar-se. Não é mesmo, Marilyn?
A vida de Grace Kelly foi um conto de fadas. Ela veio à França para o festival de Cannes e o príncipe Rainier sucumbiu ao seu charme. Casaram-se alguns meses depois. Ela se tornou a mais bonita, elegante e charmosa de todas as princesas da Europa.
A exposição foi organizada pelo escritor Frédéric Mitterrand, que se esmerou nos textos, informativos, mas inteligentes e sutis. A mostra segue uma ordem cronológica e os espectadores podem, assim, percorrer a vida de Grace de Mônaco do berço até os dias mais maduros. Um mergulho num mundo de palácios, recepções, jet set, glamour e elegância. Os vestidos de baile estão lá, assinados pelos maiores costureiros franceses. Ela, que sempre adorou Paris, mesmo antes de se tornar princesa, sempre se vestiu chez Dior. Mas o vestido mais deslumbrante é um preto longo assinado por Balenciaga. Ao lado de cada vestido, uma foto de Grace no dia em que o usou.
A exposição é rica em documentos. Tem cartas de Jackie Kennedy agradecendo os presentes, da Rainha Sophia da Espanha comentando os momentos que passaram juntas. Há fotos de todos os momentos da princesa, dos mais íntimos em família até as recepções aos grandes desse mundo. Uma foto extraordinária é aquela em que Grace olha absolutamente fascinada para John Kennedy. O flagrante de uma mulher subjugada pelo charme de um homem.
Filmes de Hollywood desfilam em diversas telas. Filmes de família mostram as princesas e o pequeno príncipe Albert em diferentes idades. O que fica é a impressão de uma família feliz, privilegiada claro, mas que sente prazer em estar junta. Minha filha lembrou na saída da exposição que se a vida da princesa foi um sucesso, a de seus três filhos deixa a desejar. Nenhum deles brilhou em nenhuma área do conhecimento, das artes ou na política. Eles são tão inexpressivos quanto os filhos da rainha da Inglaterra, por exemplo. Na realidade, dão a impressão de que é difícil encontrar uma missão de relevância no mundo quando se nasce em berço de ouro.
Quanto à estrela de Hollywood que se tornou princesa, aparentemente ela nunca se arrependeu de ter aceito a mão do príncipe do rochedo.
Viveram um conto de fadas até que a morte os separou.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

O disco de Carla B.


Tu es ma came/Plus mortel que l'héroïne afghane/Plus dangereux que la blanche colombienne."

« Você é minha droga/Mais mortal que a heroína afegã/Mais perigoso que a branca colombiana”.


A primeira dama francesa canta. E como cantora e compositora, escreve canções e grava discos. Muito bons. O mais recente “Comme si de rien n’était” acaba de sair esta semana.

Lembro há uns quatro anos, estava entrando numa butique parisiense com uma amiga brasileira, Joëlle Rouchou. Ouvimos uma canção deliciosa, uma voz afinada e agradável. Perguntamos quem era. A elegante moça da butique informou que era Carla Bruni.

O disco é o acontecimento midiático do mês. A campanha de comunicação é intensa, entrevistas nas rádios, entrevistas exclusivas a jornais e revistas. Carla Bruni-Sarkozy, Carla Bruni no CD, fala do que sabe: relações entre homens e mulheres, entre homens e mulheres modernas. Como ela. Que agora, além de se ocupar de sua carreira, tem que gerir a agenda de primeira-dama, o protocolo, a etiqueta estrita e rígida do Eliseu. Mas Carla não é controlada, o Eliseu não censura o que ela diz.

Ela mesma garante na entrevista que deu ao jornal gratuito “Metro” desta quinta-feira, 10 de julho. Mas o mais “jornalístico” da entrevista estava no título: “Não estou grávida”. Ela disse que bem que gostaria, mas a barriguinha que ganhou recentemente é culpa da cerveja. “Preciso parar de beber cervejas”, disse Carla, que se mostra sempre irritada quando pensam que ela é, de alguma forma, controlada por uma suposta entidade de comunicação do Eliseu.

Quanto às músicas, ela garante que a maioria das letras já tinham sido escritas quando conheceu o presidente. A quem se chocar com as alusões ao pó branco colombiano, ela responde: “Nós somos um país democrático. Não há censura na França”.

O filho de Carla B.

Num jantar de psicanalistas em Paris, fiquei sabendo que o filho de Carla B. (como o jornal Le Canard enchaîné a chama numa coluna engraçadíssima que simula o diário da cantora) vai estudar na École Alsacienne. Esta escola é onde estudam os filhos da alta burguesia parisiense. Apesar de a escola republicana ser de alto nível, os esnobes fazem questão de pôs seus rebentos na École Alsacienne.

O problema é que um dos casais que estavam no jantar tem a filha na dita escola. E não gostaram nada da notícia que pressupõe saídas engarrafadas com guarda-costas, entre outros inconvenientes. Além disso, parece que o filho de Sarkozy com Cécilia também seria aluno da escola a partir de setembro. Parece improvável, mas não impossível que o filho de Carla (com um professor de filosofia chamado Raphael Enthoven, filho do ex-companheiro de Carla, o editor Jean-Paul Enthoven) e o filho de Sarkozy passem a freqüentar a mesma escola.

O bom vinho e os comentários hilariantes dos psicanalistas inventando cartas anônimas para evitarem que o filho de Carla passe a fazer parte dos alunos da escola tornaram o jantar muito animado. Entre os presentes, uma certeza: a agitação e a superatividade presidencial não deixam dúvida de que ele é adepto da blanche colombienne.

A melhor história foi o detalhe de como o psicanalista ficou sabendo que o filho de Carla B. iria estudar na escola alsaciana a partir de setembro: através de uma amiga, que soube pela caixa do supermercado de um bairro chique de Paris.

Se Ibrahim Sued estivesse vivo diria que em sociedade tudo se sabe...

Os cabelos de Ronaldo

Em Palermo, na Sicilia, e na cidade francesa de Metz dei de cara com Ronaldo, o fenômeno.

Não o próprio, mas uma foto enorme dele, dentro da vitrine de farmácias (foto).

O produto que Ronaldo vende com sua imagem é suíço, chama-se Crescina e pretende fazer nascer cabelo.

Como se a antiga careca do jogador brasileiro fosse fruto de uma calvície, que o produto pretende curar, e não desejo de esconder os cabelos encaracolados, que Ronaldo resolveu assumir.

O laboratório fatura, vendendo ilusão aos incautos. Idem Ronaldo.


De que não são capazes o marketing e a picaretagem dos laboratórios. Tenho um médico que me contou que seu pai fez fortuna inventando um creme rejuvenescedor que prometia a juventude eterna às mulheres que, como se sabe, dão tudo para apagar as marcas do tempo. Elas, obviamente, não eliminaram as rugas. Mas ele eliminou definitivamente todos os seus problemas econômicos.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Sarkoberlusconismo

Estou chegando de Veneza, Florença e Roma. Fui apresentar a cultura italiana da Antiguidade, do Renascimento e dos grandes artistas de todos os séculos à minha filha caçula.

A Itália é sinônimo de cultura e refinamento. Mas o presente não faz jus ao passado. O Renascimento ontem e hoje Berlusconi, renascido, qual fênix, para novo mandato. Dante e a televisão berlusconiana, primado da vulgaridade e estupidez. Quando os italianos emergirão dessa descida aos infernos?

Este mês, o jornal Le Monde fez uma reportagem comparando os presidentes Sarkozy e Berlusconi. Foi durante um encontro europeu em Roma. O enviado especial do jornal falava de “sarkoberlusconismo” do mundo latino europeu da direita triunfante.

Berlusconi, o Sarkozy italiano? Sarkozy, o Berlusconi francês? Há semelhanças e algumas diferenças. Berlusconi é um milionário homem de negócios que entrou na política depois de fazer fortuna. Sarkozy não tem nenhuma fortuna... ainda. Mas é amigo dos milionários naquele seu jeito de ser de uma “direita descomplexada”, como ele denominou o fato de ser de direita e se assumir plenamente.

Outra diferença: Berlusconi teve que se aliar à direita mais xenófoba para governar, a Liga do Norte. Sarkozy praticamente riscou do mapa o partido de Jean-Marie Le Pen, o Front National. Roubou de Le Pen seus eleitores sem precisar se aliar a ele.

O cientista político francês Pierre Musso, num ensaio recentemente publicado, fez a análise mais precisa do “sarkoberlusconismo”. Ele diz: “O sarkoberlusconismo é um americanismo latinizado, capaz de se adaptar a realidades nacionais diferentes. Esse novo modelo político neoliberal euro-mediterrâneo, do tipo bonapartista, combina a autoridade do Estado, a reverência ao catolicismo e a referência à empresa privada”.

Enquanto a Itália, a França e grande parte da Europa dão uma guinada à direita, a América do Sul faz nascer a esperança de uma resistência ao neoliberalismo, que tenta se apresentar como única forma de conceber o mundo moderno.

Se Darcy Ribeiro fosse vivo estaria conceituando entusiasmado, com o brilho de que era capaz essa nova forma de construção de sociedades menos injustas feitas por mestiços do Sul do Equador.


A mão no controle remoto


Os italianos desenvolveram com os franceses uma relação feita de admiração recíproca, mesclada de desconfiança em relação aos franceses, vistos como arrogantes mas ao mesmo tempo admirados pelo discurso claro e elegante dos intelectuais, a capacidade de expor idéias na arte da conversa refinada, elevada a níveis difíceis de serem superados. Os intelectuais italianos não se furtam em louvar essa elegância da arte de conversar e discutir em alto estilo, própria dos franceses cultos.

Mas alguns italianos sentem uma ligeira melhora na maneira de serem julgados pelos franceses, antes extremamente severos com a Itália contemporânea. Como se eles pensassem que o que a Itália produziu de grande qualidade nas artes e nas letras já era passado. O presente seria sem relevo. Ouvi esse ponto de vista de uma advogada em Roma, com quem jantei na casa de Giovanna Picciau, uma pintora romana de raro talento. O mundo de Giovanna Picciau é uma prova de sutileza e inteligência: surpreendente, provocante, uma forma surrealista de imaginar homens, mulheres e crianças no mundo. Ela cria situações e cenas surrealistas, onde tudo é possível. Giovanna Picciau tem uma coleção de objetos kitsch que rivaliza com a de Almodóvar, exposta há dois anos na Cinemateca Francesa.

Mas voltando à advogada. Ela dizia que sente os franceses menos arrogantes e auto-suficientes, mais simpáticos e até mais acolhedores. Ela via neles uma tendência a pensar que depois do Renascimento, do grande século clássico, dos grandes compositores de ópera, da época de ouro do magnífico cinema de Rossellini, Fellini, Antonioni e Visconti, a Itália entrara em franca decadência. E Berlusconi seria uma espécie de figura emblemática desse novo mundo da vulgaridade e da mediocridade que impera na Itália atual. Ele encarnaria, para desespero dos intelectuais, a Itália de hoje. Como se de Dante, só houvesse sobrado o inferno.

Quem sabe, os franceses tenham descoberto a modéstia e relativizado a auto-suficiência graças a Sarkozy e a seu estilo berlusconiano de ser e governar?

O fato é que para a esquerda francesa Sarkozy representa uma ameaça sistemática ao serviço público.

A mais recente reforma “modernizadora” do presidente foi a investida contra as redes de televisão estatais. A partir de janeiro de 2009, depois de 20h não haverá mais publicidade nesses canais. Como financiar a televisão de estado que tem diversos canais onde ainda se podem ver programas de qualidade, seja jornalístico, seja de ficção? Esse é o grande quebra-cabeça que Sarkozy tenta provar que sabe resolver. Os jornais de esquerda fizeram esta semana editoriais e grandes reportagens para protestar contra a ameaça de liquidar as televisões estatais pertencentes à grande empresa holding France Télévisions.

No bojo das reformas, Sarkozy inclui a nomeação pelo chefe de Estado (ele mesmo) do presidente da France Télévisions. Libération deu como título de capa na quinta: Nicolas Sarkozy, la main sur la télécomande (Nicolas Sarkozy, a mão no controle remoto).

A bulimia de poder de Sarkozy se expressa também na decisão de controlar de A a Z a informação televisiva.

Como Berlusconi.


Jeanne Moreau reencontra a Marquesa de Merteuil


Nos anos 80, o dramaturgo alemão Heiner Müller confessou a seu tradutor francês que gostaria de ver um dia a marquesa de Merteuil de sua peça Quartett interpretada por Jeanne Moreau.


O sonho de Müller foi realizado no ano passado, dia 9 de julho de 2007, quando, ao lado do ator Sami Frey, a grande dama do teatro e do cinema francês subiu ao palco da Cour d’honneur do Palais des Papes de Avignon para uma noite de leitura de Quartett. Moreau voltava 60 anos depois ao Festival d’Avignon, o mítico festival de teatro que ela inaugurou em 1947, aos 20 anos, com Jean Vilar, o criador do festival. Em Avignon, no verão de 2007 fechava-se um ciclo na carreira de uma atriz excepcional que começou no teatro, na Comédie Française e continuou no TNP (Théâtre National Populaire) de Jean Vilar.

Quando Jeanne Moreau e Sami Frey entram no palco do Théâtre de la Madeleine em Paris para a leitura da peça (um mês de apresentaçéoes até 28 de junho) o público sabe que está diante de dois monstros sagrados do teatro e do cinema. Mas mesmo se ambos são dois atores excepcionais, é ela, aquela mulher pequena que, aos 80 anos de idade e 60de carreira, impressiona por sua presença mítica. E a voz inconfundível. A voz de Jeanne Moreau é como os bons vinhos que só ganham com o tempo.

A marquesa de Merteuil utiliza a voz e o talento de Jeanne Moreau para dizer coisas terríveis a Valmont-Sami Frey. Ambos lêem o extraordinário diálogo de Heiner Müller sem um gesto, sem se levantarem em nenhum momento. Um copo de vinho e uma lâmpada é tudo o que têm sobre suas mesas, além do livro que lêem. A dramaticidade do texto é traduzida apenas na voz, nos silêncios, na inflexão. Mesmo se os diálogos são extraordinariamente bem escritos, é preciso ser Jeanne Moreau e Sami Frey para criar uma Merteuil e um Valmont tão fortes com tão poucos recursos. No final do espetáculo, o público sabe recompensar o talento dos dois atores com aplausos entusiásticos e seis chamadas ao palco.

Müller contou que seu principal problema ao escrever Quartett foi encontrar uma forma dramática para um romance epistolar e isso só foi possível passando pelo jogo de interpretação em que duas pessoas representam quatro personagens.

Jeanne Moreau é uma antiga conhecida da marquesa. Ela fez a Merteuil no cinema, no filme de Roger Vadim. No programa que reproduz o texto completo da peça ela conta que foi a seu pedido que o escritor Roger Vailland adaptou o texto de Laclos depois filmado por Vadim.

Na realidade, o jogo dramático da peça de Heiner Müller inclui mais dois personagens: a casta Cécile Volanges e a reticente e carola Madame de la Tourvel. Por indicação do próprio autor, todos os personagens são representados por dois atores que trocam de papel. E trocando de papel, Sami Frey pode representar madame de la Tourvel e Moreau fazer o sedutor e libertino Valmont.

“Quartett é uma reação ao problema do terrorismo com um conteúdo, com um material que superficialmente não tem nada a ver com isso. O suporte, o texto de Laclos Les liaisons dangereuses, eu nunca li inteiro. Minha fonte principal foi o prefácio de Heinrich Mann para uma tradução que ele fez”, escreveu o autor pouco antes de sua morte em 1995. Na indicação do período da peça, Müller escreveu: “Um salão antes da Revolução francesa. Um bunker depois da terceira guerra mundial”.

domingo, 15 de junho de 2008

No Mafia

Como não se emocionar ao descer do avião no aeroporto Falcone-Borsellino? Como não lembrar com um nó na garganta da ação corajosa dos dois juízes, símbolos da luta do Estado italiano contra o crime organizado?
Falcone nasceu em Palermo, capital da Sicília, e morreu em 1992, assassinado pela Máfia siciliana, no caminho entre o aeroporto de Palermo e o centro da cidade. O aeroporto de Palermo tem seu nome acoplado ao de outro juiz anti-máfia, Paolo Borsellino, também assassinado pela Cosa Nostra, numa rua de Palermo, menos de dois meses depois do assassinato de Falcone.
No caminho entre o aeroporto e o centro, um marco relembra aos passantes a explosão na auto-estrada, que matou o juiz Falcone, sua mulher e alguns guarda-costas. O motorista do táxi nos mostra a pequena cabana branca no alto de uma colina, de onde um mafioso controlava a passagem da comitiva do juiz para detonar o explosivo. Pintadas em letras de forma, duas palavras mostram a indignação dos habitantes de Palermo: “No Mafia”.
Fotografo emocionada.
Giovanni Falcone foi o mais famoso juiz anti-máfia.
Charles Luciano, nascido Salvatore Lucania, era um mafioso siciliano. Em geral, os mafiosos da Cosa Nostra nascem em vilarejos isolados da ilha. Era o caso de Luciano, mais conhecido como “Lucky” Luciano.
Lucky Luciano morreu de um ataque cardíaco em 1962, quando ia tomar um avião, no aeroporto de Nápoles.
Falcone foi morto pela Máfia, a mando de Salvatore (Toto) Riina cujo processo foi baseado em longa investigação judiciária e mais particularmente nas revelações de Tommaso Buscetta (conhecido como Don Massimo), primeiro dos “arrependidos” da Cosa Nostra.
Falcone nunca encontrou Lucky Luciano.
Reúno os dois graças a uma viagem de férias pela Sicilia no mês passado. Explico: ficamos hospedados no hotel onde o “capo” fez uma reunião histórica, em 1957.
Nunca lera a biografia de Luciano. Mas depois da viagem a Palermo fui ler o que pude sobre o antigo chefe da Mafia americana, o verdadeiro criador do tráfico internacional de heroína.
O que descubro?
Em 1947, Washington faz pressão sobre o ditador cubano Batista para que ele expulse o mafioso que se encontrava em Cuba. Extraditado para Nápoles, Luciano se dedica oficialmente à sua empresa de importação-exportação. Na realidade, ele trata de aperfeiçoar o tráfico internacional de heroína, que tinha organizado em Havana, numa reunião dos principais “capi”, em 1947.
Exatamente dez anos depois, no majestoso “Grand Hôtel et des Palmes” (o nome parece estranho mas é esse mesmo) em uma nova conferência internacional, Lucky Luciano reúne em Palermo os mais importantes chefes sicilianos e novaiorquinos. Nessa ocasião, eles organizam o tráfico internacional de heroína que funcionou perfeitamente durante mais de vinte anos. Vinda do sudeste asiático, da Turquia ou da América do Sul, refinada na Itália e na França, a droga é depois vendida no mundo inteiro por uma rede controlada pelas diversas “famílias” aliadas. Na França, as Máfias siciliana e americana se aliam às máfias corsa e marselhesa. É a “French Connection”, desmantelada no início dos anos 1970.
Ir a Palermo e se hospedar num hotel moderno, sem história, não pode se comparar a se hospedar num hotel com mais de 150 anos, parte da história da cidade, onde Richard Wagner compôs sua última ópera. O Grand Hôtel et des Palmes guarda intacto o charme aristocrático da Sicilia, não dá para não pensar no filme de Visconti.
Aliás, o bar do Grand Hôtel et des Palmes não tem outro nome. Chama-se precisamente “Il Gattopardo”.

Paralelepípedos contra o tédio

Entre os textos republicados recentemente, um do jornalista Pierre Viansson-Ponté, publicado no Le Monde de 15 de março de 1968, não pode deixar de provocar um sorriso no leitor de 2008. Ele começa seu artigo dizendo:
"O que caracteriza atualmente nossa vida pública é o tédio. Os franceses se entediam. Eles não participam nem de perto nem de longe das grandes convulsões que sacodem o mundo, a guerra do Vietnã os comove, mas ela não lhes diz respeito verdadeiramente".
Um mês e meio depois, os franceses não podiam mais se queixar de tédio. Paris estava em chamas, o país parecia um vulcão em erupção.
Num documentário sobre maio de 68, recentemente mostrado num canal de TV, pode-se ver o primeiro efeito concreto da revolta nas ruas de Paris. O governo mandou asfaltar todas as ruas de paralelepípedos da capital.
Nunca mais os estudantes teriam essa arma ao alcance da mão para lançar na polícia. Nunca mais os paralelepípedos voariam como naquele início de primavera.

Maio de 68 pelo retrovisor do Le Monde

Era maio de 1968. A guerra do Vietnã dividia a primeira página do “Le Monde” com as manifestações dos estudantes no Quartier Latin. O movimento estudantil se associa ao movimento operário para desencadear a maior greve geral que a França já viveu. No maio de 68 francês, os trabalhadores fazem conquistas históricas: aumento do salário mínimo, redução do tempo de trabalho e diminuição da idade de aposentadoria.
O jornal Le Monde deu um presente inestimável aos leitores durante o mês de maio: numa página interna, editou todo dia a primeira página do mesmo dia de maio de 1968. Dia a dia, pudemos acompanhar a evolução daquele maio agitado e particularmente fecundo para o movimento social francês.
O Le Monde de 68 era outro jornal. Não no espírito, pois era o mesmo cotidiano de jornalistas, com texto analítico, fundado por Hubert Beuve-Méry, ainda vivo. Mas, na forma, era outro.
Do atual, tinha apenas o título em letras góticas. A forma gráfica era severa, não havia imagens. E, sobretudo, não tinha os graves problemas econômicos do grupo, que ameaçam o emprego de dezenas de jornalistas.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

O debate Badiou-Zizek

Um agitado e de frases entrecortadas, outro pausado e professoral, os dois filósofos falam em Paris sobre comunismo e anti-semitismo

O encontro dos filósofos Alain Badiou e Slavoj Zizek, em 16 de maio passado, em Paris, foi um show de inteligência e bom humor. Zizek era convidado do seminário anual que Badiou realiza na Escola Normal Superior, templo da intelligentsia francesa, onde Lacan e Derrida fizeram seminários muito concorridos. A famosa e prestigiosa "Normale Sup" forma parte da nata de intelectuais franceses até hoje.
O auditório começou a se encher uma hora antes do início do seminário. Zizek chegou pontualmente, acompanhado de Badiou. Descontraído, o esloveno vestia camiseta cinza. Mais tradicionalista, Badiou vestia uma camisa pólo de manga comprida. As diferenças de estilo começavam no figurino. A origem, a língua, os campos de interesse, o temperamento, tudo parece separar esses dois filósofos, que se dizem ligados por profunda amizade.
“Somos unidos pela amizade e temos os mesmos inimigos”, disse Badiou ao apresentar Zizek. O filósofo e psicanalista esloveno foi imediatamente interpelado por um homem do fundo da sala que gritou: “Zizek, você é um estalinista”. O discurso do desconhecido era desconexo. O público de mais de 300 pessoas, algumas de pé, o fez calar-se pedindo silêncio.
Os dois são freqüentemente acusados de “revolucionários” pelos chamados “novos filósofos” da década de 70 (Bernard-Henri Lévy e André Glucksmann, sobretudo). Lévy e Glucksmann são considerados por muitos como “novos reacionários”, pois se tornaram anticomunistas militantes.
Horizonte emancipatório
O que une Zizek e Badiou, como ambos frisaram, é a convicção de que o “desastre obscuro” do stalinismo e o fracasso do socialismo real não invalidam o horizonte de emancipação radical que é o comunismo, idéia que eles defendem cada um a sua maneira.
“É preciso reabilitar o comunismo. Mas não no sentido de uma restauração de algo que fracassou”, explicou Zizek. “O que nos une é a reabilitação do comunismo. Hoje, as pessoas de esquerda aceitam sem problemas o capitalismo, contentando-se em reivindicar um pouco de ‘tolerância’, um pouco de ‘justiça’. Mas será que o horizonte final da esquerda é esse capitalismo global ‘à visage humain’ (com rosto humano)?”
Ao apresentar Zizek, Badiou explicou que há uma diferença de horizonte filosófico entre os dois. Enquanto seu horizonte se resume à tensão entre Platão e Sartre ou entre a idéia e a liberdade, o horizonte do esloveno é a tensão entre o idealismo alemão (Hegel) e Lacan.
Badiou mostrou que há também diferença de horizonte político. “O meu é a seqüência da luta anticolonial, seguida do Maio de 68 e a experiência fundamental do maoísmo francês”. Quanto a Zizek, Badiou o vê como alguém que se origina “de um país do antigo bloco socialista com a história de uma heresia periférica, isto é, a heresia iugoslava de Tito em relação ao stalinismo”.
Os dois filósofos têm em comum um interesse pelo cinema, além de serem ambos grandes ouvintes das óperas de Wagner, que já foram objeto de estudos de ambos.
Mas, apesar de estarem de acordo sobre a “hipótese comunista”, como a chama Badiou, Zizek e ele têm estilos totalmente diferentes. Badiou fala pausadamente, numa língua erudita e elegante, num tom professoral. Ao ouvi-lo, é impossível esquecer que se está diante de um mestre.
Zizek é agitado, fala com as mãos, pega nos cabelos. Ele se desculpa por falar francês com sotaque e usa frases muitas vezes entrecortadas, numa impressão de que a articulação da língua francesa vai mais devagar que seu pensamento em ebulição. Ele fala nervosamente, movimentando as mãos com tiques como o que o leva a puxar a camisa de malha.
"Tribunal do povo"
Se as idéias são próximas, a enunciação delas não pode ser mais diferente.
Ao tomar a palavra, em vez de fazê-lo num tom professoral, Zizek disse que ia fazer um simulacro de “tribunal do povo”, no qual defenderia seu amigo Badiou, acusado injustamente de anti-semitismo e de universalismo por causa de alguns de seus livros.
”Nós dois combatemos o anti-semitismo por princípio”, afirma Zizek.
“Nenhum acordo com o anti-semitismo é possível. Nenhuma razão pode ser invocada para tolerar o anti-semitismo. Também não se pode minimizar Auschwitz em nome do apoio aos palestinos. Isso é uma obscenidade. Mas existe um anti-semitismo sionista que critica os judeus que não se identificam totalmente com o projeto do Estado de Israel, utilizando a mesma retórica dos ‘antidreyfusards’ no fim do século 19: a mesma acusação de cosmopolitismo, de traição à pátria”.
Zizek não concorda com os que tentam fazer uma aproximação dos “totalitarismos”. Ele diz que nazismo e stalinismo são coisas totalmente diferentes. E justifica:
”Mesmo os grandes processos públicos monstruosos do stalinismo falam de uma lógica totalmente diferente da lógica do nazismo. O processo político, a confissão em si já significa que formalmente se obedece à necessidade de demonstrar a culpa do acusado”.
“No caso de Auschwitz, os nazistas não tinham nada a demonstrar. Era suficiente provar que você era judeu. Você era culpado não pelo que tinha feito, mas pelo que você era”, concluiu.
Zizek explica que, durante o “desastre obscuro” do stalinismo, que instaurou o terror por 12 anos – de 1925 a 1937 – o lugar mais perigoso era justamente o ápice da nomenklatura, pois nesse período 80% dos membros do comitê central do Partido Comunista da União Soviética foram eliminados. E isso não se viu no nazismo.
Enigma
Os dois se aproximam na análise que fazem do stalinismo, que Badiou denominou “desastre obscuro”.
Zizek diz que o stalinismo foi e permanece muito enigmático e as análises feitas até hoje não são satisfatórias. “O horror verdadeiro do stalinismo deve ser estabelecido pelos intelectuais de esquerda”, pensa Zizek, para quem os chamados “novos filósofos” tinham tal ódio dos comunistas que foram incapazes de analisar o verdadeiro horror do stalinismo.
Zizek deixa em aberto o caminho defendido por ele e por Badiou, a “hipótese comunista”, que se opõe à globalização neoliberal: “Não gosto da esquerda que usa fórmulas. A propriedade privada não funciona. Mas o Estado também não funciona. Querem nos apresentar como velhos totalitários, mas a realidade é que pensamos que esse problema ainda não foi resolvido”. m
Polêmico, esloveno transita por vários temas
Os franceses descobriram há poucos anos esse psicanalista e filósofo esloveno, cuja obra se situa no centro dos debates que procuram definir uma política de emancipação verdadeira num mundo dominado pela globalização capitalista.
Nascido em Liubliana em 1949, Zizek, que é colunista do Mais!, é reconhecido no mundo todo como um pensador do prestígio de Sartre, Bourdieu, Lacan ou Derrida. Vive entre dois aviões, fazendo seminários e conferências, sobretudo nos EUA, onde é freqüentemente convidado de várias universidades.
Muitos intelectuais criticam a bulimia intelectual desse lacaniano, que o leva a escrever sobre assuntos tão diversos como fundamentalismo, tolerância, globalização, subjetividade, pós-modernidade, multiculturalismo, pós-marxismo e cinema.
Zizek é considerado um não-conformista que assume freqüentemente um tom provocador. Especialista em Hegel, sobre quem prepara um livro a ser editado por Alain Badiou, Zizek pensa que o trabalho do filósofo não é dizer o que é o mundo, mas questionar permanentemente e pôr em dúvida suas próprias formulações ideológicas. É um conferencista empolgado que não se intimida diante de temas controvertidos.
É colaborador de importantes revistas, como "Lacanian Ink" (EUA), "New Left Review" e "London Review of Books" (Reino Unido). (LDP)

Herdeiro de Sartre, francês é crítico de Sarkozy
Alain Badiou, 70, se situa como filósofo na tensão entre Platão e Sartre, ou seja, entre a idéia e a liberdade. É hoje o filósofo francês vivo mais lido e estudado nos EUA, com grande influência também na América Latina. É herdeiro de Sartre, para quem filosofia e engajamento político são indissociáveis. Combateu o colonialismo, foi maoísta e hoje defende a causa dos "sans-papiers", trabalhadores estrangeiros clandestinos que lutam por regularização.
Badiou foi muito influenciado pelo marxista Louis Althusser, seu professor na Escola Normal, mas é também romancista e dramaturgo.
Em seu livro "De Quoi Sarkozy Est-Il le Nom?" [Sarkozy É o Nome de Quê?, Éditions Lignes, 160 págs., 14, R$ 36], Badiou prevê que a França caminhe para "cair no modelo "ianque", de dominação dos ricos, do duro trabalho dos pobres, do controle de todos, da suspeita sistemática para com os estrangeiros".
Referindo-se ao atual presidente, Nicolas Sarkozy, diz ser ele o produto do medo ou produto de uma história francesa entre dois pólos: revolução e contra-revolução, Resistência e colaboração, desejo de liberdade e igualdade e desejo de autoritarismo e ordem.
Nas primeiras semanas após o lançamento, o livro vendeu 20 mil exemplares, um sucesso extraordinário para Badiou. Em geral, seus livros não vendem mais de 3.000 cópias. (LDP)
*Publicado originalmente no Suplemento MAIS da Folha de São Paulo.