segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Embaixador dos direitos humanos

O artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, diz: “Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar sua saúde, seu bem-estar e de sua família, principalmente no que se refere à alimentação, ao vestuário, à moradia, aos cuidados médicos e aos serviços sociais necessários...”
Stéphane Hessel tem 91 anos e no dia 10 de dezembro, dia do 60° aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, recitou de cor o preâmbulo do documento histórico, que começa com vários “considerando” e é um marco na história da humanidade.
Foi no lugar que tem o belo nome de Parvis des Droits de l’homme, no Trocadéro. A França comemorou “comme il faut” um documento que promete relações mais humanas entre os homens, mesmo se é desrespeitado aqui e ali, a começar pelas grandes democracias ocidentais. Mas o texto tem a função de farol, uma luz, uma utopia universal.
Ele nasceu no Palais de Chaillot, diante da Torre Eiffel. O mundo acabava de emergir de uma carnificina de proporções gigantescas e 58 países reunidos na Assembléia Geral das Nações Unidas redigiram a Declaração. Hessel era um jovem diplomata e participou da redação do documento que é seu Norte desde então.
Esse ex-embaixador da França, um eterno combatente na defesa dos direitos humanos, é um dos últimos signatários da Declaração ainda vivos. No dia 21 de fevereiro deste ano, na Place de la République, Stéphane Hessel lançou um apelo ao governo francês para que o artigo 25 da Declaração seja cumprido e os sem-teto possam ter um lugar digno para morar.
Todos os oprimidos do mundo têm em Hessel um advogado engajado. Esse filho de um pai judeu alemão _ o escritor Franz Hessel, que inspirou o personagem Jules do romance “Jules et Jim” de Henri-Pierre Roché filmado por François Truffaut _ voltou recentemente de Israel entusiasmado com os israelenses que não aceitam a ocupação e a colonização dos territórios palestinos. Hessel só lamenta que sejam poucos os israelenses a participar do Gush Shalom (Paz Agora), do Tay’aouch e do movimento dos Refuzniks (soldados que se recusam a servir nos territórios ocupados). Esses defensores dos direitos humanos fazem vibrar o embaixador Hessel:
“Eles são realmente corajosos, o combate deles é difícil. São considerados traidores pela população israelense porque se relacionam com os palestinos, quando isso deveria ser estimulado num espírito de paz a construir”.

E os direitos humanos das populações de rua ?

A partir do dia 1° de dezembro deste ano, as pessoas consideradas “prioritárias” podem ir à Justiça, através do tribunal administrativo, se os serviços do Estado não lhe propuserem uma moradia ou ao menos um abrigo em albergue.
Isso é o que uma lei francesa do ano passado determina para já. Mas, a partir de 2012, todas as famílias que esperam uma casa por um “tempo muito longo” terão essa possibilidade de recurso. Quem são as pessoas prioritárias e o que é um tempo muito longo é determinado na lei.
Desde o início de 2008, já morreram 265 pessoas em condições indignas de um país como a França, que parece estar disposta a enfrentar o problema, graças à luta de instituições como Les enfants de Don Quichotte e pessoas como Stéphane Hessel. Pelo menos no papel há iniciativas concretas para pôr fim à morte de SDFs (Sans domicile fixe), os sem-teto que moram nas ruas e nos bosques e morrem à míngua de frio e de abandono, todos os anos.
Mas é sobretudo o frio que mata e essas mortes chocam (alguns) franceses que organizaram recentemente uma homenagem aos mortos, muitas vezes anônimos, encontrados em ruas, dentro de automóveis velhos ou em barracas de camping precárias.
O direito à moradia nos países ricos não deveria ser apenas uma utopia. Quando se trata de salvar os bancos os bilhões de euros e dólares aparecem rapidamente...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Não era o leiteiro

Winston Churchill dizia da democracia: “Nesse regime, quando tocam à sua porta às 6 da manhã, você tem certeza de que é o leiteiro”.
Em Paris, a campainha tocou na casa do jornalista Vittorio de Filippis às 6h40m da manhã e não era o leiteiro. Eram quatro policiais com um mandado judicial. Levaram o ex-diretor do jornal “Libération” algemado para interrogatório, sem que o jornalista tivesse autorização de telefonar nem à sua família nem aos advogados do jornal. E ainda por cima é insultado pelos tiras que lhe dizem, diante de um de seus filhos: “Vocês são piores do que a escória”.
Chegando à delegacia, o jornalista descobre a causa de sua intimação: a publicação no site do jornal, em 2006, de uma história judicial envolvendo Xavier Niel, o fundador de um provedor chamado Free. Durante o interrogatório, de Filippis teve de ficar de cuecas diante dos policiais.
Dois dias seguidos, o “affaire” foi a capa de “Libération” e foi comentado em toda a mídia. Há quem veja na maneira de agir dos policiais uma tentativa de intimidação à imprensa.
“Tenho vergonha de meu país, essas aberrações administrativas ou judiciárias são revoltantes e repugnantes”, disse o ex-ministro e deputado Jack Lang.
Ao ser ouvido por jornalistas, Vittorio de Filippis se disse chocado com os métodos policiais e disse poder imaginar as situações a que são submetidos imigrantes que muitas vezes mal falam francês.
Mas se o presidente da república pediu, em outubro, à comissão Leger para “refletir sobre um procedimento penal mais respeitoso dos direitos e da dignidade da pessoa” significa que ele próprio reconhece que o atual é desrespeitoso.

Hospitais psiquiátricos de segurança máxima

A França vai mal. Pelo menos, pela leitura dos jornais, o que fica da atualidade do país é a impressão de uma democracia ameaçada. E não estou tendo uma súbita crise de pessimismo. A França vai mal mesmo.
Um doente mental esfaqueou um estudante numa rua de Grenoble? Eis um bom motivo para o presidente da República anunciar um plano para transformar os hospitais psiquiátricos em verdadeiras prisões de segurança máxima. A psiquiatria como um cárcere especial é a visão do presidente, que anunciou o desbloqueio de uma verba de 70 milhões de euros para a segurança dos hospitais psiquiátricos e mais 40 milhões de euros para a construção de unidades especiais para “doentes difíceis”. E mais 30 milhões de euros para o controle das entradas e saídas desses hospitais.
Na França, a loucura se transforma em crime e os doentes mentais em pessoas que requerem grades e hospitais de segurança máxima.
É uma visão retrógrada da loucura, digna do final do século XIX.

Perigo, jovens sem celular

Leituras consideradas subversivas, recusa de uso de telefones celulares e o fato de terem estado próximos de linhas de trem que sofreram ataques misteriosos, em novembro, prejudicando o transporte ferroviário francês em diversos pontos do país. Esses indícios foram suficientes para que a polícia antiterrorista francesa prendesse e entregasse à Justiça um grupo de cinco jovens, todos franceses e de formação universitária, que moravam numa fazenda próxima de Tarnac, um vilarejo da Corrèze, centro da França.
A sabotagem de linhas da SNCF foi um pretexto para a ministra do Interior, Michèle Alliot-Marie, desencadear a parafernália securitária do ministério, plenamente em sintonia com as idéias em voga sobre as ameaças dos grupos de extrema-esquerda.
O caso seria ridículo se não fosse a seriedade com que é encarado pelo governo o “surgimento de grupos de extrema-esquerda de tendência anarco-autônoma”. No caso dos jovens presos, não há nenhum indício que prove que praticaram ou tinham qualquer intenção de praticar atos de terrorismo. Na realidade, não há crime, não há confissão, não há provas de DNA dos acusados, não há flagrante delito.
O que há é apenas paranóia que pretende prender e punir terroristas potenciais. O criminoso do futuro será punido quando a suspeita da intenção do crime for detectada.
Os jovens superdiplomados de Tarnac não liam livros subversivos? Não eram suspeitos pelo fato de se recusarem a ter celulares? Logo, eram terroristas potenciais. Não há provas contra eles, mas tinham tudo de perigosos anarquistas altermundialistas.
E, na França de Sarkozy, o lugar de contestadores, mesmo que aparentemente inofensivos, é na prisão.

Presos aos 12 anos

Não existe na lei francesa uma idade mínima de responsabilidade penal. O juiz é quem deve decidir se o jovem tem discernimento sobre seus atos e se pode receber uma sanção. Mas até hoje, abaixo dos 13 anos, a sanção só pode ser educativa.
Um novo estudo recomenda o encarceramento de crianças a partir de 12 anos!
No jornal “L’Humanité”, o sociólogo Laurent Mucchielli desmente ponto a ponto, com estatísticas, as falsas afirmações da ministra da Justiça, Rachida Dati, de que houve aumento da delinqüência juvenil. Dentro da lógica securitária do presidente francês, Dati quer diminuir a idade da responsabilidade penal.
Definitivamente, a França vai mal.