terça-feira, 16 de outubro de 2012

A la gauche du Christ




 Fotos Leneide Duarte-Plon: Convento Dominicano de La Tourette, França
Exatamente há 50 anos, dia 11 de outubro de 1962, era aberto o Concílio Vaticano II que « limpou a poeira do trono de São Pedro », segundo a expressão do papa João XXIII, que o convocou. O « aggiornamento » da Igreja mudou a face do cristianismo no século XX, promoveu o ecumenismo, reformou a liturgia, enfim, modernizou a instituição que se esclerosava.
Cinquenta anos depois, a igreja católica precisa de novo « aggiornamento » ? Segundo uma pesquisa para o jornal « La Croix » somente 6% dos franceses batizados vão à missa aos domingos. Mas entre a faixa etária de 25-34 anos, essa proporção cai para 1%. Antes de Vaticano II 35% das pessoas batizadas iam à missa aos domingos. Uma autoridade do Vaticano fala de « tsunami da secularização ». A moral pregada pela igreja é duramente questionada no mundo de hoje mas 25% dos franceses pensam ainda que a Igreja tem um papel importante « na luta contra a miséria e pela fraternidade ». Pas mal, um quarto dos interrogados ainda acredita na utilidade da instituição mesmo se 83% dos franceses rejeitam a ideia de qualquer intervenção política da Igreja, sobretudo num momento delicado de debate em torno do voto para aprovar o casamento homossexual no Parlamento francês, este mês.
Quando se comemora meio século do concílio histórico, acaba de ser lançado em Paris um livro deliciosamente intitulado A la gauche du Christ, les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours, sob a direção de Denis Pelletier e Jean-Louis Schlegel. 
O livro revela que 22 de março de 1968 não foi apenas o dia em que os estudantes de Nanterre desencadearam a rebelião que ficou na história como  « Maio de 68 ». Esse também foi o dia em que o dominicano Jean Cardonnel, pregando a quaresma diante de uma multidão na Mutualité, em Paris, convocou um movimento coletivo para « paralisar, destruir os mecanismos de uma sociedade injusta, dominada pelo dinheiro e pelo poder ».  O percurso desse dominicano considerado um « padre vermelho », militante da teologia da libertação, é um dos momentos importantes para compreender o engajamento dos cristãos de esquerda, na França do século XX.

Ah, esses dominicanos rebeldes e engajados ! Na França de Paul Blanquart e Jean Cardonnel, como no Brasil de Frei Tito, Frei Betto, Frei Fernando e todos os outros que conheceram os porões da ditadura, a ordem teve um papel importante para mostrar que a Igreja não é feita apenas de colaboracionistas covardes como Dom Lucas Moreira Neves. Muitos dominicanos no Brasil estiveram e ainda estão « à la gauche du Christ ». Que paradoxalmente, no credo apostólico se encontra à direita de Deus Pai !




FlaXFlu – resposta a Cesar Benjamin

O editor Renato Guimarães, da Editora Revan e da revista Mirante (www.revistamirante.wordpress.com) me escreveu comentando o mail de Cesar Benjamin, publicado na última edição dos Bilhetes de Paris : 
« Li o comentário com o título acima, de Cesar Benjamin, que você divulga. Ele usa o velho recurso de desqualificar o adversário para aparentar que tem razão. Mas, desde logo, que cargo ou benesse oficial tem o próprio Leonardo Boff, que é o alvo direto do comentário? E em que se baseia CB para afirmar sem dúvida que “chegará a vez deles” – de FHC e outros políticos do PSDB ­– serem julgados pelo STF com igual rigor? Na verdade, ele ignora que esse processo dito do mensalão foi catapultado pela mídia mercantil e os partidos de direita que ela favorece numa tentativa de golpear contra Lula e o PT o processo político, em época de eleições. Talvez por ser simpático a essa campanha, CB ignora o fato. E quem está incensando o relator ministro Barbosa é essa mesma facção, com apoio na classe média conservadora, principalmente, em São Paulo. Mas,  se você ler a matéria que publiquei no Mirante com o título “Perto do abismo da jurisprudência”  (http://revistamirante.wordpress.com/2012/09/24/perto-do-abismo-na-jurisprudencia/) verá que está longe de mim qualquer intenção de acobertar corrupção de quem quer que seja. 


O que questiono, particularmente, é o momento agendado pelo Tribunal para levar os réus a julgamento – em época de eleições, com risco de favorecer um dos campos em disputa, num processo que já durava  sete anos e que sem prejuízo para a justiça poderia durar alguns meses mais – e a dispensa de prova para condenar, o que representa um tremendo retrocesso no Direito e põe em risco as instituições do país, inclusive do próprio STF. É problema do CB se ele repudia a esquerda, depois de iludir-se com o PT – do qual foi fundador entusiasta – e arrepender-se. Eu, que jamais tive essa ilusão, não tenho de que me arrepender. Mantenho minhas convicções de comunista e, coerente com elas, procuro participar da luta política em favor dos trabalhadores, do Brasil e da paz. Abraço, Renato

A arte de Maria Bonomi 



Encerrada dia 12 de outubro, a exposição de Maria Bonomi em Paris foi um enorme sucesso. Inaugurada em maio pelo embaixador José Mauricio Bustani, a mostra ocupou todo o espaço de exposição da bela Maison de L’Amérique Latine, no Boulevard Saint-Germain. A exposição revelou ao público francês uma artista consagrada no Brasil. Mas entre Maria e Paris já havia uma historia. Em 1967, ela foi premiada pela Bienal de Paris com a obra Muro de Berlim (foto).


Uma das mais belas obras da grandiosa exposição é a xilogravura « Balada do terror », feita para homenagear Dulce Maia, ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Outras obras feitas para falar dessa época de tortura e terrorismo de Estado foram batizadas pela artista de Calabouço e estavam numa sala pouco iluminada que recriava o clima dos porões da ditadura.
A mostra, que deveria terminar em setembro foi prolongada até 12 de outubro com a presença da artista em algumas visitas guiadas. Tive o prazer de fazer com ela duas visitas. A primeira, para escrever uma matéria sobre a abertura da exposição para a Folha de São Paulo. A segunda, pelo prazer de rever Maria e acompanhar meu marido que não poderia perder essa maravilhosa mostra.   


Marilyn-Joana em Versalhes

A ideia de Jean-Jacques Aillagon de trazer artistas contemporâneos para expor no Palácio de Versalhes, durante sua gestão (2007-2011) de presidente da instituição pública que dirige o Château e os jardins, teve continuação na sua sucessora, nomeada por Sarkozy. 

A exposição da artista portuguesa Joana Vasconcelos, de quem já conhecia obras expostas no Palazzo Grassi, em Veneza, foi um sucesso de público e crítica. Os escarpins de Marilyn, feitos de panelas e o helicóptero de Maria Antonieta (chamado Lilicoptère, foto) são algumas das mais incriveis obras de Joana. Segundo a artista, a rainha hoje se deslocaria em um helicóptero de plumas rosas, (um delírio genial) ou os objetos expostos no Jardim provaram a genialidade de Joana. 


As obras de Joana Vasconcelos fotografadas em Versailles estão no site http://www.vasconcelos-versailles.com/
Vale a pena a visita ao castelo com um toque contemporâneo.

Nobel europeu

O Prêmio Nobel da Paz dado à União Europeia pelo comitê Nobel foi muito elogiado na França. Depois das duas carnificinas do século XX os países europeus conseguiram construir a paz num espaço comum. Imperfeita ainda, a construção da Europa com diversos nacionalidades, línguas e culturas é um desafio que os europeus enfrentam há sessenta anos.
O Comitê Nobel justificou o Nobel da Paz 2012 à União Europeia « por  contribuir na sua atual forma, como nas que a precederam, há mais de seis décadas para a promoção da paz, da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos no continente europeu ».
Não é pouca coisa quando se pensa nos ódios históricos que separaram e levaram a guerras terríveis países como a Alemanha e a França, para tomar apenas um exemplo.
A paz no planeta azul é um bem muito frágil. Basta lembrar que Rabin, Arafat e Shimon Peres receberam o Nobel da Paz de 1994 e a paz nunca veio. Israel continua avançando na colonização dos territórios do virtual Estado Palestino que hoje mais parece um queijo suíço.

A prostituição no masculino *Publicada na Carta Capital de 10-10-2012

Por Leneide Duarte-Plon, de Paris
A prostituição masculina na Paris do século XIX e dos primeiros anos do século XX era clandestina, mas abundante. Praticada intramuros, em hotéis especialmente previstos para encontros discretos de homens em busca dos chamados garçons de joie (rapazes alegres), a atividade era ilegal, ainda que mais ou menos tolerada. A pederastia, palavra empregada na época para designar o homossexualismo, embora bastante praticada, via-se hipocritamente reprimida. Esses lugares secretos funcionavam como as maisons closes da prostituição feminina.

No Hôtel Marigny, descrito em livro e exposição, o amigo Le Cuziat organizava sessões de Voyeurismo para Proust
O escritor francês Marcel Proust (1871-1922), um dos habitués dos garçons de joie, ia buscar nesses hotéis prazeres inconfessáveis na boa sociedade que ele  frequentava. Eventualmente, ele apenas praticava o voyeurismo de um ângulo privilegiado, como inspiração para as cenas de seus romances.
Uma exposição retrata em Paris os famosos hotéis de prazeres entre homens por meio de fotografias, objetos e um livro de arte organizado por Nicole Canet. Para escrever a obra, Nicole reuniu material iconográfico que abrange um século. E fez uma pesquisa detalhada nos arquivos da polícia de Paris com o objetivo de reconstituir a história da prostituição masculina na capital entre 1860 e 1960. O livro tem 376 páginas, 335 ilustrações e uma tiragem de 950 exemplares numerados, todos autografados pela autora. Pode ser adquirido na Amazon ou na própria galeria. O lugar da exposição, perto do Opéra de Paris, é uma galeria de arte erótica intitulada Au Bonheur du Jour. A exposição se chama Hôtels Garnis, Garçons de Joie, Prostitution Masculine: Lieux et Fantasmes à Paris de 1860 a 1960.
Foto: um dancing em Paris

Os famosos hotéis a que a exposição se refere são o Hôtel de Madrid, o Hôtel de l’Alma ou o Hôtel Marigny. Seria mera coincidência que tanto na língua de Shakespeare quanto na de Molière os rapazes dados a prazeres com o mesmo sexo sejam chamados de “garotos alegres” (gays, garçons de joie)?
Nicole Canet não esconde a felicidade em falar sobre seu livro, sua galeria e a exposição. “Os rapazes podiam estar apenas em hotéis para homens, mas havia também grupos de quatro ou cinco que faziam uma espécie de encenação, como se tratasse de pequenos sketches para os clientes masculinos dos bordéis de mulheres. E, em alguns casos, o cliente podia escolher entre um rapaz ou uma moça”, ela conta.
Os desenhos e as fotografias antigos da exposição, contudo, tratam apenas da prostituição masculina. Logo na entrada, o maior quadro é um retrato de Marcel Proust, o cliente mais célebre desses hotéis. Em Busca do Tempo Perdido relaciona fatos vividos, histórias ouvidas e cenas espionadas em momentos de voyeurismo no Hôtel Marigny. O que o escritor viveu nesses hotéis-bordéis, também chamados de hôtels de plaisir, possibilitou que estudasse as relações de classe e a vida noturna de Paris-Sodoma. O Hôtel Marigny era um de seus lugares favoritos.

Proust frequentava a fauna dos dancings, como na aquarela de Jean Auscher (1925), e se via às voltas com a figura do cafetão, à moda deste de 1900
O livro, lançado durante a abertura da exposição, em cartaz até 27 de outubro, conta que Marcel Proust foi muito próximo do dono do hotel, o belo Albert Le Cuziat. Em 1917, quando Le Cuziat resolveu abrir o Hôtel Marigny no número 11 da Rue de l’Arcade, decorou-o com muitos dos móveis que haviam pertencido ao escritor.
Em uma das salas secretas da exposição, ficam as fotos e os desenhos mais explícitos. Nelas, homens fantasiados de padre fazem sexo com jovens vestidos de colegiais. Noutras, dois jovens mancebos com corsetes e meias femininas se entregam a prazeres homossexuais. Dentro de uma cristaleira, alguns objetos eróticos são originários da coleção de Roger Peyrefitte, um conhecido escritor francês que assumia publicamente a homossexualidade.
Em 11 de janeiro de 1918, após receber uma denúncia anônima, a polícia francesa chegou de surpresa ao Marigny e encontrou Marcel Proust com três homens sentados à mesa, sobre a qual havia uma garrafa de champanhe. Os acompanhantes do escritor eram Léon Pernet, soldado de primeira classe do 140° Regimento de Infantaria, André Brouillet, cabo do 408° Regimento de Infantaria, e Albert Le Cuziat, gerente e dono do hotel. No documento da polícia que integra a exposição, Proust é descrito como “rentista”. O rico herdeiro vivia de renda e gostava de soldados.
O livro e a exposição dedicam um bom espaço aos prostitutos militares, que exerciam o métier em locais públicos ou nos hotéis. Havia em muitos homossexuais a fantasia de fazer sexo com homens fardados. Outros, militares homossexuais, ao retornar do front durante a Primeira Guerra Mundial, procuravam os garçons de joie. Alguns utilizavam seus dotes físicos para completar os soldos, quase sempre muito aquém de suas necessidades. “Os soldados podiam ganhar em uma hora o que o Estado lhes pagava em um mês”, conta Nicole Canet.
Segundo ela, os militares tinham boa cotação nos bordéis masculinos. O fato de terem acompanhamento médico permanente era uma garantia para os clientes. “O vigor deles era também muito apreciado. E os riscos sanitários, menores, pois passavam por controle médico bastante rígido. Cada regimento tinha sua enfermaria”, explica a autora.
O livro reproduz textos nos quais os vizinhos denunciam a existência desses lugares então considerados suspeitos. Um documento da polícia indica que adolescentes entre 12 e 14 anos exerciam a prostituição num desses hotéis. A denúncia recebida pela polícia dizia: “Vocês encontrarão um batalhão de menores usados para dar prazer a soldados, que poderiam estar servindo ao país de outra forma”.
O escritor homossexual Edward Prime-Stevenson escreveu, em 1909, no seu livro The Intersexes: “O trabalho do prostituto civil tem de rivalizar com a concorrência dos marinheiros e soldados em todas as cidades. De fato, a maior parte dos clientes prefere os prostitutos militares”. Jean Genet conta em seu Diário de um Ladrão como os prostitutos, exibicionistas e voyeurs usavam o espaço dos banheiros públicos das ruas de Paris para uma intensa atividade homossexual. A autora quis reconstituir com seu trabalho o ambiente que fascinou homens como Proust e Jean Genet, mas também o teórico Roland Barthes e o cineasta Pier Paolo Pasolini.



terça-feira, 9 de outubro de 2012

O ouro de Moscou




Nos tempos de anticomunismo visceral, que vigorou no Brasil depois da fracassada revolução comunista de 1935, que a direita chama de « Intentona », o « ouro de Moscou » era a expressão pejorativa usada para designar o dinheiro que os comunistas recebiam da União Soviética para financiar a revolução.
Mudaram os tempos. Hoje o dinheiro que jorra de Moscou está nas mãos de uma oligarquia que gasta a rodo nos hotéis cinco estrelas de Paris e passeia nas capitais europeias em Ferrari, entre outros sinais exteriores de uma extravagante riqueza.
No lançamento do i-phone 5 na loja parisiense dos Champs Elysées, muitos fanáticos da marca fizeram fila durante a noite para serem dos primeiros a possuir o gadget tecnológico. Os jornais franceses contaram que entre os adoradores da marca da maçã havia ricos russos que vieram de Moscou a Paris comprar seu novo aparelho. Mas como cada pessoa que se aproximava do objeto do desejo só podia adquirir duas unidades, os russos alugaram SDFs (sans domicile fixe) franceses, os pobres moradores de rua, para fazerem fila. Assim, puderam comprar um número maior de aparelhos para levar para Moscou.
Herbert Marcuse reconheceu que havia subestimado a capacidade do sistema sócio-político em desenvolver formas de controle social cada vez mais eficazes. Entre essas formas de controle, está a produção de bens supérfluos cada vez maior, para redirecionar necessidades de prazer e satisfação da população
O ouro de Moscou serviu outros tempos para alimentar o ideal de igualdade e justiça social. A sociedade de consumo devorou o sonho.

O ouro do Qatar

Qual o país que mais vezes teve representantes recebidos no Palácio do Eliseu depois que François Hollande assumiu ? Nem a Alemanha, nem os Estados Unidos, nem a Inglaterra. Foi o Qatar. De uns anos para cá, o pequeno emirado do Golfo entrou definitivamente na lista dos amigos da França. Dono de 100%  do Paris Saint-Germain desde junho quando comprou os restantes 30% do capital do clube  que  pertenciam ao fundo americano Colony Capital, o Qatar tornou-se um aliado de primeiro time. O emir tem palácios na França e foi recebido com pompa e circunstância por Sarkozy. Agora é a vez de Hollande. Et pour cause. A França é o principal fornecedor de armas do Qatar e a empresa francesa de petróleo Total tem uma posição de primeiro plano no emirado.
Agora, o Qatar lançou um plano para incentivar pequenas empresas nas banlieues francesas através de financiamento de projetos inovadores de jovens futuros empresários. A identidade árabe dos filhos de imigrantes da periferia das grandes cidades francesas é vista com desconfiança na França enquanto os qataris os vêem como jovens que devem ser estimulados e financiados na sede de criar empresas e empregos.
Em tempo de crise e desemprego, o ouro do Qatar é mais que bem-vindo.

Carta a Gramsci

O historiador marxista Eric Hobsbawn, que morreu em Londres aos 95 anos, enviou uma vídeo-carta ao filósofo Antonio Gramsci na qual dizia : « Você morreu há sessenta anos mas vive no coração dos que desejam um mundo onde os pobres tenham a possibilidade de tornar-se verdadeiros seres humanos ».
Se eu fosse cartunista, desenharia o encontro dos dois numa nuvem, com Hobsbawm perguntando a Gramsci : « Recebeu minha carta ? »

Kadhafi eliminado por Sarkozy ?

Quem matou Kadhafi ? Alguém que preferia vê-lo morto pois ele sabia demais e diante da Corte Penal Internacional podia contar coisas comprometedoras para alguns poderosos. O jornal italiano Corriere della Sera revelou que Mahmoud Jibril, ex-primeiro ministro do governo de transição líbio e hoje presidente do Conselho executivo do Conselho Nacional de Transição, disse ao canal egípcio  Dream que « o presidente Sarkozy tinha razões de sobra para fazer com que Kadhafi se calasse ».
Segundo Jibril, quem matou o coronel Kadhafi foi um agente secreto francês. A história, reproduzida pelo jornal L’Humanité, faz sentido pois depois do começo da insurreição na Líbia e vendo a França intervir diretamente a favor dos rebeldes, Kadhafi ameaçou tornar públicos os documentos provando que enviara muitos milhões de dólares para a campanha do presidente francês em 2007. Antes da insurreição, Sarkozy sempre cortejou Kadhafi a ponto de tê-lo recebido em Paris com pompa e circunstância em 2008. Para lhe agradecer os milhões da campanha ? Sarkozy e seus mais próximos colaboradores levarão esse segredo para o túmulo.
Parece impossível provar a versão do assassinato de Kadhafi pelos serviços secretos franceses. Mas de qualquer forma, sabe-se que as empresas francesas dividiram com outras multinacionais o lucrativo mercado da reconstrução da infra-estrutura do país e da exploração do petróleo líbio.


Israel-Palestina, um conflito inexistente

O jornalista Alain Frachon, do Le Monde escreveu um artigo na semana passada que começava com a afirmação um tanto provocadora : « O conflito israelo-palestino não existe mais ». Não que tenha sido solucionado. Longe disso. Mas saiu completamente do noticiário, como constatava Frachon. As grandes potências não se interessam mais por ele. A intervenção de Mahmoud Abbas na Assembleia Geral da ONU deste ano relembrando que a colonização israelense assimila a cada dia que passa um pouco mais do território palestino, na Cisjordânia e na parte oriental de Jerusalém, não teve eco na diplomacia mundial, nem nos Estados Unidos, nem na Europa, nem na China, nem na Rússia.
Segundo o jornalista, o sentimento de humilhação, seja legítimo ou não, alimenta no Oriente Médio um antiamericanismo latente, sempre prestes a explodir.

FlaxFlu melancólico

Recebi e repassei a amigos um texto de Leonardo Boff publicado na revista Mirante (www.revistamirante.wordpress.com) sobre o julgamento do chamado « mensalão”, intitulado « A espetacularização e a ideologização do Judiciário”.
O editor Cesar Benjamin, um dos amigos a quem enviei, me escreveu a seguinte resposta, que me autorizou a publicar :
« Vergonha, Leneide, vergonha. É o que sinto por essa esquerda brasileira hoje, que ocupa um espaço nobre na casa-grande (aliás, junto com Fernando Collor e outros) e não aceita que sua corrupção (GIGANTESCA, e não me refiro somente ao chamado mensalão) seja julgada conforme a lei. Ninguém pode ser socialista se é antirrepublicano. Aliás, devo lhe dizer, que o clamor, por aqui, é para que o STF siga em frente. A máscara mais produzida para o próximo carnaval é a do rosto do Joaquim Barbosa, e as redes sociais estão repletas de apoio.
Quanto aos assinantes do tal manifesto, todos os que conheço têm um carguinho, um financiamentozinho, um projetinho, um DASzinho, sem falar de umas indenizações bem gordinhas... Sinto vergonha por um dia ter sido próximo a essa gente que perdeu completamente a referência republicana e a ética do trabalho. Vivem de « bicos » políticos e querem impunidade. Cesar.
PS. Além do cinismo, é claro. Ou você acha que se os políticos julgados agora fossem do PSDB (chegará a vez deles) algum desses picaretas estaria fazendo denúncias? O negro Joaquim Barbosa estaria sendo endeusado. Você duvida disso? Política, no Brasil, virou Fla-Flu. Dos mais melancólicos.


“Dá o fora, rico babaca”

Com a chegada dos socialistas ao poder na França, os ricos começaram a fugir para a acolhedora Suíça ou a  tolerante Bélgica, que abriga muitos milionários refugiados do rigor fiscal francês. O mais rico e mais conhecido dos milionários franceses pediu a nacionalidade belga um mês atrás. E ao dar a notícia, o jornal Libération não poupou  Bernard Arnault.
A capa do jornal gozando  o homem mais rico da França e da Europa, não agradou nada ao dono das marcas Louis Vuitton e Dior, entre outras mais de 60 pepitas de sua propriedade. Bernard Arnault aparecia com uma mala na mão e a frase “Casse-toi riche con” (Dá o fora rico babaca). O jornal fazia um genial trocadilho com uma frase dita anos atrás por Nicolas Sarkozy a um rapaz que recusou lhe dar a mão num lugar público : « Casse-toi pauvre con » (Dá o fora, babaca). Nesse caso, o adjetivo « pauvre » é apenas um reforço para « con ».
Bernard Arnault resolveu responder com suas armas. Suas marcas cortaram todas as publicidades programadas para Libération até o fim do ano. Com a solidariedade de classe que lhes é peculiar, outros ricos resolveram retirar seus anúncios de produtos de luxo. Resultado : Libération estima que vai perder cerca de 700 mil euros de publicidade de setembro até o fim do ano.
Mas graças àquela capa as vendas da edição foram 27% maiores e nunca se falou tanto do jornal em todos os meios de comunicação.


First girlfriend

Valérie Trierweiler, a bela companheira do presidente Hollande, quer o bolo e quer comer o bolo. Ela contesta o papel de « primeira dama » concebido classicamente mas ainda não descobriu onde deve se posicionar na nova vida que tem desde maio. Quer continuar a trabalhar como jornalista, « meus filhos são sustentados por mim », mas também quer manter um escritório no Palácio do Eliseu.
Por enquanto, ele assina uma crítica literária na revista Paris Match onde trabalha há vinte anos e onde era repórter política, especilização à qual teve que renunciar. Depois do tweet apoiando o concorrente de Ségolène Royal (dizem que Valérie e Ségolène se detestam) nas eleições legislativas, a gaffe do ano, Valérie se recolheu, fechou sua conta e parou de twitar. Mas nem por isso, a « first girlfriend » como a chama a imprensa americana traduzindo sua condição de “compagne” do presidente François Hollande, parou de falar. Deu uma entrevista na semana passada a um jornal regional de sua cidade natal Angers, na qual disse lamentar o fatídico tweet. Além disso, afirmou que precisa continuar a trabalhar por causa dos filhos. Na mesma semana, apareceu radiante no desfile de Saint Laurent, no Grand Palais.
Hollande vem despencando nas pesquisas de opinião. E a culpada não é unicamente a crise. Os franceses detestam a mistura de gêneros, vida pública e vida privada. Com o tweet de Trierweiler o presidente, que sempre quis manter sua vida privada longe dos holofotes, apareceu para a opinião pública como uma homem fraco que não consegue controlar nem mesmo sua « compagne ».
A direita francesa se delicia com o vaudeville que tem como cenário o Palácio do Eliseu, onde pela primeira vez na história habita um presidente não casado com a mulher com quem vive.


As charges de Charlie Hebdo : pode-se zombar de Maomé ?
Leneide Duarte-Plon, de Paris*
*Publicado no Observatório da Imprensa em 25 de setembro de 2012
O mínimo que se pode dizer das caricaturas de Maomé publicadas pelo jornal satírico francês Charlie Hebdo é que a maioria delas não prima pela genialidade. E que são inúteis.
Por que motivo os chargistas de Charlie Hebdo precisam provar que a França é um país onde reina a liberdade de expressão, expondo as escolas e embaixadas francesas dos países muçulmanos à vendetta dos radicais islâmicos, que  o diretor do jornal, o chargista Charb, chama « les fascistes de Dieu » ?
Publicadas num contexto explosivo depois que alguns manifestantes haviam, na Líbia, invadido um consulado americano e matado o embaixador dos Estados Unidos, entre outras pessoas, essas charges satíricas soaram para muitos na França, como uma provocação. O ministro das Relações Exteriores, Laurent Fabius, comparou :  «É como botar óleo no fogo ». O editorial do jornal Le Monde, publicado no dia seguinte à edição de Charlie Hebdo tem como título “Integrismo : é necessário botar óleo no fogo?” O jornal considerou as charges “de mau gosto e mesmo constrangedoras”. Mas diz que não se pode colocar no mesmo nível a crítica a Charlie Hebdo e a seus inquisidores. « De um lado, querem fazer rir. Do outro, lançam anátemas ».
A capa de Charlie Hebdo era uma grande charge de Charb mostrando um rabino empurrando um mollah numa cadeira de rodas com a bolha « Não se deve debochar ». O título « Intouchables 2 » era uma alusão ao filme « Intouchables », no qual um jovem negro da periferia de Paris se emprega como acompanhante de um milionário paraplégico. A comédia lançada no ano passado foi o maior sucesso de bilheteria da história do cinema francês.
Algumas caricaturas mostravam Maomé nu, como quem espera ser sodomizado, com uma estrela desenhada no ânus e o título « Maomé, nasce uma estrela ». Ou nu de turbante, dizendo a um Jean-Luc Godard, que o olha por trás da câmera, a frase de Brigitte Bardot no filme « Le Mépris » : « Et mes fesses ? Tu les aimes mes fesses ? » (E minha bunda, você gosta da minha bunda ?)
Charb argumentou que todos os outros jornais falaram do filme anti-Islã. A forma que seu jornal usa para tratar desse assunto é a charge.  As caricaturas foram publicadas na semana seguinte à morte do embaixador americano. Em diversos países muçulmanos houve protestos contra os Estados Unidos, onde foi filmado o abacaxi do ano chamado « A inocência dos muçulmanos » que joga lama sobre o profeta do Islã.  
Na França, Charlie Hebdo esgotou-se em um dia. Os 75 mil exemplares da primeira tiragem evaporaram na quarta-feira e no dia seguinte as bancas de jornais já estavam com nova tiragem.  Quem sabe, o lucro dessa edição compensa o incêndio provocado na redação em novembro do ano passado, quando o jornal publicara um número especial chamado « Charia Hebdo », zombando da lei islâmica ? Até hoje uma investigação tenta estabelecer a responsabilidade pelo incêndio.
Desde a quarta-feira passada, quando saiu o número polêmico de Charlie Hebdo, os políticos, os comentaristas políticos, os editorialistas, de direita como de esquerda, elegeram duas idéias básicas em torno da qual passaram a debater : a liberdade de expressão, que de fato reina na França, e a prudência. Até que ponto a liberdade de expressão deve ser usada ? Num momento já naturalmente explosivo depois da divulgação do filme americano, não seria mais prudente não provocar os fanáticos com caricaturas de seu profeta ? Para que eleger Maomé como alvo ? Apenas para cutucar os integristas da França e do estrangeiro e provar que aqui se tem liberdade de expressão ? Não fazer novas caricaturas de Maomé representa se curvar aos extremistas islâmicos ?
O Conselho Federal do Culto Muçulmano condenou “esse novo ato islamofóbico” enquanto Charb defendia a iniciativa em nome da sacrossanta “liberdade de expressão”. Os que criticavam o jornal comparavam essa edição incendiária com a outra de 2006, quando Charlie Hebdo resolveu republicar as caricaturas do jornal dinamarquês « Jyllands-Posten », que meses antes tinha provocado a ira e a vingança de integristas muçulmanos em diversos países.
A diferença é que ao republicar as caricaturas do jornal dinamarquês, Charlie Hebdo se solidarizava com um jornal atacado por fanáticos, que destruíram representações dinamarquesas em diversos países e ameaçavam de morte os responsáveis pelo jornal. Naquele momento, Charlie Hebdo militava pela ideia de um laicismo absoluto e pela liberdade de expressão. E fez uma capa na qual um Maomé dizia, desesperado : « É duro ser amado por babacas ». Aquele número vendeu mais de 600 mil exemplares e valeu um processo feito por organizações muçulmanas. O jornal acabou inocentado.
 Agora, ao publicar novas caricaturas todas « made in France » num contexto em que um filme de quinta categoria vem zombar do profeta maior da religião muçulmana, o jornal quer apenas afirmar que os integristas não fazem a lei na República Francesa.
A quem acha que eles foram longe demais, Charb responde : « Criticamos todos os extremismos. Em vinte anos, tivemos quatorze processos da extrema direita católica e apenas um dos muçulmanos ». Agora serão dois pois uma entidade muçulmana já entrou com novo processo contra o jornal.
Não deixa de ser uma causa louvável afirmar a liberdade que reina nos países ocidentais onde a religião e o Estado estão devidamente separados e o laicismo é praticamente incontestável. Mas quem pagou a conta da proteção policial excepcional nas Embaixadas e escolas francesas, além dos dois dias que ficaram fechadas para prevenir ataques em vinte países muçulmanos, foi a République, isto é, o contribuinte. Não foi Charlie Hebdo.