segunda-feira, 26 de julho de 2010

Michel Legrand na igreja de Saint-Germain-des-Prés



O cineasta Jacques Demy formou com o compositor Michel Legrand uma das duplas mais geniais do cinema francês. Juntos realizaram “Les demoiselles de Rochefort” que o canal franco-germânico Arte passou nesta quinta-feira. Rever essa obra-prima de 1967 foi um dos maiores prazeres estéticos que vivi nos últimos dias.

Os atores formam um verdadeiro dream team : as irmãs Catherine Deneuve e Françoise Dorléac (em seu último filme), Danielle Darrieux, Gene Kelly, Jacques Perrin, Michel Piccoli e, last but least, George Chakiris, que Hollywood havia revelado em “West Side Story”.

A cena em que Gene Kelly dança sozinho já valeria o filme. Um puro deleite. Mas tem tudo o mais : as músicas sublimes de Legrand, os números de dança de Chakiris e o charme absoluto de Deneuve e Dorléac.

“Les demoiselles de Rochefort” juntamente com “Les parapluies de Cherbourg” são a prova mais eloquente de que os franceses podem realizar filmes musicais geniais. Mas Jacques Demy morreu e depois dele ficou o vazio. Demy me faz chorar cada vez que revejo os dois filmes. É a música de Legrand, claro, sublime, mas também é a delicadeza e a classe da mise-en-scène, o bom gosto “indémodable” de Demy.

Aliás, este ano, fomos ouvir Michel Legrand (ao piano) e Catherine Michel (harpa) no festival “Jazz à Saint-Germain-des-Prés”. O convite foi da minha filha Clarisse que faz um mestrado em Paris. Um festival de jazz que se realiza dentro da igreja Saint-Germain-des-Prés é um luxo absoluto. Sublime.

Não preciso dizer que passei os últimos momentos do espetáculo derramando todas as lágrimas do mundo quando Michel Legrand tocou com Catherine Michel o tema principal de “Parapluies de Cherbourg” num arranjo especial do compositor para piano e harpa. Aplaudimos de pé por muitos minutos o espetáculo que mais que um show foi uma experiência artística daquelas que nos aproximam de Deus, como um quadro de um grande pintor ou a presença do ser amado.

O cenário da igreja gótica ajuda a nos transportar para além de nossos estreitos limites quotidianos, claro, mas a música de Michel Legrand está, sem dúvida, entre as mais refinadas obras que os franceses jamais produziram.

Pinóquio

Na entrevista exclusiva do dia 12 de julho à TV estatal France 2 _ aconselhado pelos marketeiros do Eliseu para tentar manter o controle do navio France que começa a fazer água por todos os lados ameaçando o sonho de reeleição _ Sarkozy disse algumas verdades, fez algumas afirmações aproximativas e disse muita mentira.

Os jornais L’Humanité, Libération e Le Monde não pouparam o presidente. Ao contrário, mostraram o quanto ele torce a realidade a seu proveito.

Quando disse que a França é o país europeu em que os ricos mais pagam impostos, Sarkozy mentiu. Segundo o deputado socialista Pierre-Alain Muet, citado pelo Le Monde, graças aos « nichos fiscais » e ao baixo imposto sobre rendimento do capital a taxa real desse imposto está muito abaixo da taxa marginal de 40%. Segundo o especialista, esse imposto é de 25% para os mil franceses mais ricos em ganhos de capital e cai a menos de 20% para os dez mais ricos. Muito longe dos quase 100% que muitos pagavam, segundo o presidente.

Por essas e por muitas outras, L’Humanité publicou uma grande foto de Sarkozy com o nariz de Pinóquio na edição do dia seguinte à entrevista.

Pecado original : l'argent

O jornalista Frédéric Lemaître, da editoria econômica do Le Monde, em um artigo intitulado “Dinheiro, pecado original do sarkozysmo” (L’argent, péché originel du sarkozysme) diz a certa altura: “ É nesse contexto que se deve colocar o “affaire” Bettencourt-Woerth. Numa França que mergulha na crise, a relação descomplexada do mundo político com o dinheiro apresenta algo de escandaloso. Como qualificar de outra forma a criação por líderes políticos do governo de micropartidos que permitem burlar o espírito da lei que proíbe o recebimento por um partido de doações para campanhas além dos 7500 euros por doador?”

A lei estipula: nenhum partido pode receber mais de 7500 euros por ano de um mesmo doador. Daí, as doações em envelopes com dinheiro vivo (reveladas pela contadora no affaire Bettencourt-Woerth) e daí a pequena malandragem da criação de pequenos partidos nanicos (criados por políticos da UMP sarkozysta), formações que não têm outro fim senão arrecadar fundos para as campanhas do grande partido de direita sarkozysta. Eric Woerth, o atual ministro do Trabalho, outros criaram partidos que eram apenas máquinas de arrecadar fundos para a campanha de Sarkozy.

As espertezas do ex-tesoureiro da UMP (Woerth) e o envolvimento de sua mulher com os negócios da mulher mais rica da França, Liliane Bettencourt, dona da L’Oreal, que tinha contas secretas na Suíça _ enquanto Woerth era o ministro encarregado de controlar justamente o fisco e as evasões fiscais dos ricos _ caíram como uma bomba sobre o governo.

Tudo bem, Liliane Bettencourt é a primeira contribuinte particular da França (a pessoa que mais paga imposto) uma vez que é a mulher mais rica do país, com fortuna avaliada em 16 bilhões de euros, segundo a última classificação feita em março pela revista americana Forbes. Mas segundo especialistas deveria pagar muito mais do que paga.

Graças ao desgaste do governo e ao affaire Woerth-Bettencourt, a esquerda volta a alimentar o sonho de retornar ao poder. Os escândalos que estão vindo à tona e que respingam em Sarkozy e seu ministro parecem ser apenas a ponta de um iceberg.


Voto inteligente

Carlos Eugênio Paz lutou pela democracia durante a ditadura. Foi guerrilheiro e pegou em armas para combater o terror do regime militar que matou e torturou a maior parte de seus companheiros da ALN. Exilou-se em Paris em 1973.

Carlos Eugênio, o Clemente da luta armada, é autor de dois livros, um dos quais, “Memórias da luta armada” (que tem prefácio de Franklin Martins), li com grande prazer e interesse.

Se eu estivesse no Brasil votaria nele para deputado federal, pelo PSB-RIO, número 4019. Recomendo o voto em Carlos Eugênio pois o Congresso precisa de gente como ele que se apresenta porque considera que “aprofundar a democracia é hoje nossa tarefa revolucionária e que precisamos ter voz na Câmara Federal”.

Quem quiser mais informações sobre ele pode acessar:
http://www.facebook.com/carloseclemente#!/?ref=logo

ou o blog:

http://eugenioclemente.blogspot.com/

sábado, 17 de julho de 2010

Mediapart : uma pedra no sapato de Sarkozy

Leneide Duarte-Plon, de Paris para o Observatório da Imprensa online

O site Mediapart, de Edwy Plenel, ex-diretor de redação do Le
Monde
, tem provado que um jornal online pode ser tão eficaz (ou
mais) quanto os grandes jornais da imprensa tradicional quando se
trata de fazer jornalismo investigativo. Depois de ter revelado as gravações
secretas feitas pelo ex-mordomo da dona da L’Oréal, Liliane Bettencourt,
quase todo dia o site tem matérias exclusivas sobre o escândalo que sacode a
França há algumas semanas. Os grandes jornais se limitam, na maior parte
dos dias, a fazer suites das matérias exclusivas do Mediapart no chamado
"affaire Bettencourt-Woerth". O Mediapart foi criado por Plenel em 2008,
depois de ter sido demitido pelo Le Monde.

O affaire começou como um caso de família envolvendo uma ação da filha
de Liliane Bettencourt, Françoise Bettencourt-Meyers, contra um fotógrafo
que já foi agraciado por doações de um bilhão de euros. A mãe, que tem 87
anos, estaria, segundo a filha, sendo explorada na sua fragilidade pelo
fotógrafo. Não há nem nunca houve nenhuma história amorosa entre a
milionária e o fotógrafo, gay assumido. Simplesmente ele começou a ser
tratado como um filho pela mulher mais rica da França e a filha não gostou
das doações que a mãe fez a ele.

Rapidamente, contudo, o caso tomou um caminho político envolvendo o
ministro do Trabalho, Eric Woerth, e a proprietária da L’Oréal. E,
subitamente, um jornalista e seu jornal online foram catapultados ao centro
dos acontecimentos.

Ávidos por notícias

Acompanhado pela imprensa do mundo inteiro, o affaire serviu de
publicidade ao Mediapart, que viu aumentar vertiginosamente o número de
assinantes, ávidos por poderem ler a íntegra das matérias exclusivas
oferecidas aos leitores dia após dia. Atualmente, dos 25 jornalistas que
fazem o Mediapart, cerca de 15 trabalham somente na cobertura do affaire.
O caso Bettencourt sacode a République há vários dias. Os jornais franceses
não falam de outra coisa, as revistas semanais disputam quem vai dar o
melhor furo e a televisão segue todos os fatos diariamente.

Para um brasileiro, não há como não pensar no caso Collor-PC, guardadas as
devidas proporções. Sarkozy não é Collor, Woerth não é PC, mas o affaire
pode vir a prejudicar os planos de reeleição em 2012. O presidente não está
ameaçado por um impeachment, figura jurídico-constitucional inexistente na
França, mas suas chances de novo mandato podem estar sendo
definitivamente enterradas com o caso Woerth-Bettencourt, que mistura
financiamento ilegal de campanha política com acúmulo de funções
eticamente incompatíveis.

O atual ministro do Trabalho e ex-ministro do Planejamento (Budget, em
francês) é o tesoureiro do partido do presidente (UMP) desde 2003. Woerth,
cuja mulher trabalhava na empresa que administra os bens da bilionária,
teria fechado os olhos para a evasão fiscal praticada em larga escala pelos
administradores da fortuna pessoal da dona da L’Oréal. Além do mais, teria
recebido dinheiro vivo para a campanha presidencial e teria empregado a
mulher, graças a sua influência. De quebra, agraciou com uma das mais
prestigiosas condecorações da République o big boss da empresa que
administra a fortuna de Madame Bettencourt, Patrice De Maistre.

Dinheiro e pudor

O escândalo é uma mancha na imagem do presidente Sarkozy, que prometeu
em campanha um governo de transparência total, de probidade inatacável. A
cada dia, Edwy Plenel e seus jornalistas têm novas revelações incômodas
para o poder. Todos os ministros correram para socorrer Sarkozy, acusado
de ter financiado sua campanha com dinheiro doado acima dos limites
fixados na lei (apenas 7.500 euros por ano por doador). Alguns deles
optaram pelo ataque e tentam desqualificar Plenel. O atual secretário-geral
da UMP, Xavier Bertrand, criticou o site dizendo que ele utiliza "métodos
fascistas". O Mediapart entrou imediatamente com uma ação de injúria e
difamação.

"Os franceses não gostam de dinheiro, detestam especialmente o dinheiro do
vizinho e execram os ricos". Para Alain Duhamel, um dos mais antigos
comentaristas políticos da imprensa francesa (ele trabalha na televisão e no
rádio há mais de 35 anos e escreve uma crônica política semanal no
Libération), o despudor de Nicolas Sarkozy, que ele vê como um
"descomplexado do dinheiro", choca os franceses. Segundo Duhamel, na
França o dinheiro é visto, na melhor das hipóteses, como um mal necessário.
Na pior das hipóteses, como um veneno que corrompe toda a sociedade.

Realmente, Sarkozy não tem o pudor que se exige de um chefe de Estado
que deve governar para ricos e pobres. Ele não tem uma enorme fortuna
pessoal mas seus amigos são todos milionários, donos de grandes empresas,
gente que gosta de dinheiro e, sobretudo, gosta de ganhar muito dinheiro. A
eles, Sarkozy deu um presentinho logo depois da eleição: criou o bouclier
(escudo) fiscal, lei que limita o imposto de renda a 50% dos ganhos de cada
indivíduo ou empresa. Os ricos franceses pagavam muito mais que esse
percentual e, fugindo ao fisco, muitos deixaram o país indo morar na Bélgica
e na Suíça.

Por causa dessa nova lei, a dona da L’Oréal, Madame Liliane Bettencourt,
teve 30 milhões de euros devolvidos pelo fisco relativos a 2008. A esquerda
não engole o bouclier fiscal que priva o país de receitas astronômicas em
plena crise para que o presidente agrade a seus amigos milionários. O
bouclier seria uma forma de recompensar os financiadores da campanha e,
em época de crise e desemprego, é uma das medidas mais impopulares do
governo.

O affaire Bettencourt-Woerth está longe do fim, mas o site Mediapart
pode tirar uma lição: revelou que o jornalismo online pode competir com as
mesmas armas da imprensa tradicional. Afinal, o papel de todas as mídias é
o mesmo: investigar, denunciar e revelar a verdade na defesa da democracia.

*Publicado originalmente no site www.observatoriodaimprensa.com.br

terça-feira, 13 de julho de 2010

Bronca de BB



A minha forma de brincar é dizer a verdade. É a brincadeira mais engraçada do mundo. George Bernard Shaw



Texto de Brigitte Bardot vociferando contra a política de Nicolas Sarkozy só pode ser publicado na rubrica “Humor”.

Foi isso que pensaram os jornalistas da revista Le Point. A nota divulgada pela ex-atriz criticando o atual presidente francês, de direita como ela, saiu na rubrica “Humour”. Talvez porque BB é casada com um político do Front National, o partido de extrema-direita de Le Pen, perto de quem Sarkozy é um homem de esquerda. Talvez simplesmente porque como ela é considerada tudo menos inteligente, ninguém a leve a sério quando ela resolve tratar de política.

A ex-musa do cinema, que ficou conhecida por suas frases racistas contra os árabes e os imigrantes em geral, resolveu dizer o que pensa do governo Sarkozy, fragilizado por revelações de financiamento ilegal de campanha e eterno suspeito de governar e legislar para isentar os ricos de impostos e facilitar grandes negociatas. Seu ministro do trabalho, Eric Woerth, está no centro de um escândalo ligado à mulher mais rica da França, Liliane Bettencourt, dona da L’Oréal.

Aliás, o site Mediapart, do ex-diretor do Le Monde, Edwy Plenel tem dado um show de jornalismo investigativo provando que um jornal online pode ser tão bom quanto os grandes jornais da imprensa tradicional quando se trata de fazer jornalismo investigativo. Todos os grandes jornais têm sido furados pelas matérias exclusivas de Mediapart no chamado « affaire Bettencourt-Woerth ».

No seu desabafo BB escreveu a Sarkozy : « O senhor e seus ministros tão inúteis quanto covardes beiram a desonestidade e o ridículo e não conseguem e nunca conseguirão satisfazer a população francesa que os elegeu em 2007 acreditando em suas promessas não cumpridas”.

A defensora emérita dos animais aproveita para dizer a Sarko que ele precisa se preocupar seriamente com os animais “tratados na França do século XXI de maneira bárbara, desumana (sic), escandalosa e indigna”.

Tratar animais de forma “desumana” é matar bebês focas a pauladas tingindo de vermelho a neve das geleiras do norte do Canadá ou é entupir os pobres gansos e patos de ração para fabricar o delicioso “foie gras”?

Provavelmente os dois.

Pechincha em Paris


Em Paris, o preço dos imóveis volta a patamares de antes da crise. A imprensa faz reportagens sobre o reaquecimento do mercado imobiliário e numa delas descubro a rua mais cara da França : Rue de Furstenberg, em Paris, perto da igreja Saint-Germain-des-Prés onde o metro quadrado custa 17 mil euros. Um sonho de consumo de qualquer pessoa de bom gosto.

Essa ruazinha cheia de charme desemboca na menor e mais linda praça da cidade, a Place de Furstenberg, um luxo absoluto, onde viveu o diretor de cinema Joseph Losey. Na última cena do filme de Martin Scorsese “A idade da inocência”, o personagem de Daniel Day-Lewis observa dessa praça uma janela onde vivia a mulher que amou. Nessa praça também fica o Musée Delacroix, com a obra do pintor, numa casa que tem nos fundos um jardinzinho absolutamente delicioso.


Godard : cachorros para palestinos e israelenses

Depois de ter marcado o festival de Cannes por sua ausência este ano, Jean-Luc Godard deixou Rolle, seu retiro na Suíça, para apresentar “Film Socialisme” numa sessão em Paris. Ele veio a convite do jornalista Edwy Plenel, fundador do site Mediapart, que criou o Cinéma des cinéastes.

No dia do debate com Godard, os cinéfilos que enchiam a sala ouviram o cineasta falar sobre o filme e sobre o cinema com o mesmo ar displicente de sempre. Ele contou que quando sai para passear com o cachorro em Rolle, que fica à beira do Lago Léman, onde vive com sua mulher (a cineasta Anne-Marie Miéville), costuma parar e conversar com os vizinhos que também têm cachorro. “Falamos sobre nossos animais com os vizinhos que estão perto de nós e com quem eu não poderia ter uma conversa artística ou política. Durante meia hora é a paz”.

A sugestão veio como uma evidência típica do humor godardiano: “Por que não distribuir cachorros aos israelenses e aos palestinos para lhes dar um assunto de conversa pacificador ?”