sexta-feira, 23 de abril de 2010

Trabalho que mata

Estamos numa encruzilhada: ou conseguimos organizar as resistências dos povos do mundo para mudar o curso da mundialização neoliberal ou nos contentamos, através da eleição, um dos últimos direitos formais que nos restam, em escolher o molho no qual seremos comidos. Eu não tenho absolutamente vontade de ser comido”. (Adolfo Perez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de 1980)

O ministério público abriu um inquérito para investigar os casos de suicídios na empresa France Télécom. Os novos métodos de gestão da empresa, introduzidos em 2006, seriam a causa e se caracterizariam como “assédio moral”.

Entre 2008 e 2009, 35 empregados se suicidaram e este ano o número de suicídios já chegou a 11. O psiquiatra e psicanalista francês Christophe Dejours, um dos maiores especialistas da relação entre o trabalho e a saúde mental, autor de inúmeros livros sobre o assunto explica:

“Os suicídios no local de trabalho não existiam. Apareceram há cerca de doze anos, sem que se desse importância. Em 2007 aconteceu uma virada com os casos de suicídios na Renault e na Peugeot. Os primeiros suicídios de que ouvi falar constituíam para mim uma forma de descompensação psicopatológica como outras. Mas a repetição deles tornou-se inacreditável. Havia um suicídio no local de trabalho e depois nada acontecia. Os suicídios no trabalho marcam incontestavelmente uma mudança que atinge o mundo do trabalho. Vi operários alcoólatras que não podiam subir em telhados para trabalhar. Os colegas lhe diziam para ficar em baixo e faziam seu trabalho. Pode-se imaginar o que isso significa em termos de prevenção de acidente, de prevenção de suicídio, de prevenção de distúrbios psicopatológicos. Hoje isso é impensável. Agora, aprende-se o pior, antes aprendia-se o melhor, a solidariedade. Foi por se ter adotado novos métodos de trabalho que hoje tem-se um deserto no sentido arendtiano do termo: a solidão total.”

Les risques de la Sarkocaïne

Era esse o título de um artigo de página inteira do escritor e pesquisador Christian Salmon, fundador do Parlamento Internacional dos Escritores, no jornal Le Monde. No seu artigo, Salmon dizia que Chirac tinha um efeito sedativo sobre a sociedade francesa. Seu sucessor funciona como um perigoso excitante. “Ele não cessou de redesenhar nos últimos anos a imagem fugitiva da função presidencial e de reduzir o exercício do poder à crônica agitada de seus feitos e gestos. (...) A gesticulação sarkozysta seria a forma fenomenal desse agir impotente que caracteriza o homem político neoliberal e não um defeito de educação, uma falta de gosto ou um sinal de instabilidade psicológica”.

O escritor diz ainda que os magos da comunicação sarkozysta tentam aplicar as leis do cinema à política e fazer da política um espetáculo.

Pelo visto o povo francês não está gostando do filme. A popularidade do presidente não pára de cair.

Eyjafjallajökull

O vulcanólogo Armann Höskuldsson, especialista desse vulcão de nome impronunciável, diz que alguns historiadores atribuem, em parte, a Revolução Francesa às más colheitas que precederam 1789. Estas teriam sido resultado dos estragos causados no solo e na atmosfera pelo vulcão islandês Laki, que entrou em erupção em 1783. Höskuldsson afirma que nesse ano o Laki vomitou suas lavas basálticas durante quase um ano causando terríveis consequências para a agricultura e provocando fome na Islândia e em outras partes da Europa.

Até agora o vulcão Eyujafjallajökull só causou um caos no tráfego aéreo e um enorme prejuízo às empresas aéreas. Pode ser que o pior esteja por vir.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Lula na ONU?


No ano passado, o presidente Sarkozy lançou, numa cúpula do G-20, a candidatura do presidente Lula para a Secretaria-geral da ONU. Agora o Times de Londres volta ao tema. Quando passar a presidência a seu sucessor (ou sucessora) o presidente Lula pode se preparar para a candidatura no final de 2011. Mas nada impede que Ban Ki-Moon, o atual secretário seja candidato à sua própria sucessão.
O presidente brasileiro tem um saldo positivo em seus dois mandatos presidenciais. Quem diz é um dos maiores cientistas políticos franceses, Alain Rouquié, que foi embaixador no Brasil de 2000 a 2003 e é um especialista em América Latina, diretor de pesquisa emérito da Fondation Nationale des Sciences Politiques et de l’Amérique Latine Contemporaine. No jornal L’Humanité (comunista), Alain Rouquié ressaltou a coragem de Lula “de dizer que o importante era criar empregos”. Segundo ele, Lula não rompeu com a ortodoxia econômica e prosseguiu a política de seu predecessor. A política social de Lula e a política externa contribuíram para a consolidação de seu prestígio, segundo o embaixador.
Em entrevista que fiz com o embaixador Rouquié (ainda inédita) sobre seu livro A l’ombre des dictatures-La démocratie en Amérique Latine, para a revista Trópico, ele diz:
“O presidente Lula garantiu a continuidade da política econômica, ampliou a política social de seu predecessor, aprofundou-a e se comportou como um democrata, não tentou mudar a constituição para ter um terceiro mandato. Ele deu uma projeção internacional ao Brasil como nunca se viu”. Mas apesar disso, Alain Rouquié diz não ser evidente que Lula possa eleger sua sucessora pois “carisma não é transferível e um presidente é eleito pelo seu programa e não pelo balanço positivo de seu predecessor”.

Ano 2040 DC: 2 bilhões vivendo em favelas

« Au Brésil, les pauvres meurent dans la boue” (No Brasil, os pobres morrem na lama). Esse título de uma página internacional do jornal comunista L’Humanité faz mal. Não porque eu seja brasileira. Mas porque são meus semelhantes.
Os dados da ONU são alarmantes: se nada for feito na área de urbanização nos países mais pobres, haverá dois bilhões de pessoas vivendo em favelas daqui a trinta anos, segundo relatório da ONU divulgado em 2008. Hoje já existem 200 milhões de chineses, 160 milhões de indianos e 50 milhões de brasileiros vivendo em favelas.
Em números absolutos, o Brasil ocupa o terceiro lugar em população favelada (medalha de bronze) e tem 36,6% de sua população vivendo em casas precárias, construídas em áreas parcial ou completamente insalubres. Consolo para quem precisa de consolo: a Tanzânia, a Etiópia e o Sudão têm uma percentagem da população bem maior morando em favelas: 92,1%, 99,4% e 85,7% respectivamente.
A pobreza urbana e as favelas, decorrentes da migração do campo para as cidades, serão o problema mais importante e politicamente explosivo deste século, segundo uma previsão do Banco Mundial.

Au revoir, Siné

Mais um jornal fecha as portas. O semanário Siné Hebdo, irreverente, mal-educado e engajado teve menos de dois anos de vida. Comprei os primeiros números a partir de setembro de 2008 e vou comprar o último que sai dia 28 de abril. Comprei esporadicamente mas sempre como um ato de engajamento político. Siné foi demitido de Charlie Hebdo, um jornal satírico do qual era uma das atrações principais por ter feito uma piada com o filho de Nicolas Sarkozy, Jean, zombando do oportunismo e do arrivismo do herdeiro. Acusado de antissemitismo por caçadores de antissemitas (um dos esportes favoritos de alguns judeus franceses), Siné ficou sem emprego, processou seus acusadores, ganhou o processo e fundou seu jornal. Agora, apesar de vender 37 mil exemplares todo mês, o jornal não suportou o custo industrial e anuncia o fechamento.
Em julho de 2008, respondendo às acusações de antissemitismo, Siné escreveu:
"Quanto ao meu suposto antissemitismo, nunca fui antissemita, não sou antissemita, nunca serei antissemita. Condeno radicalmente os que são antissemitas, mas não tenho nenhum apreço pelos que, judeus ou não, jogam irresponsavelmente essa palavra abjeta na cara de seus adversários para desconsiderá-los, sabendo que esta acusação é o insulto supremo depois do Holocausto (Shoah). Isso está se tornando insuportável. No que me diz respeito, tenho tanta antipatia por todos os que, judeus ou não, defendem o regime israelense, quanto pelos que defendiam o apartheid na África do Sul. Há mais de 60 anos luto contra todas as formas de racismo e se tivesse tido idade de esconder judeus durante a ocupação o teria feito sem hesitar, como o fiz pelos argelinos durante a guerra da Argélia. Estou do lado de todos os oprimidos!"
Vida longa para Siné!

Violência, o melhor repelente de turistas

O cemitério do Père Lachaise, a maior área verde de Paris intramuros (dentro do Boulevard periférico), recebeu no ano passado 2 milhões de visitantes.
A Torre Eiffel, o monumento pago mais visitado do mundo, recebeu 7 milhões de visitantes.
A igreja Notre-Dame de Paris, o monumento mais visitado da capital francesa e da França, recebeu 13,5 milhões de visitantes.
Veneza recebe 21 milhões de turistas por ano. O Palacio dos Doges entrou na última fase das obras de restauração com o reforço das fundações e a limpeza da pedra por laser. O prédio gótico vai ficar tão bonito quanto no dia da inauguração.
Em 2009, a França recebeu 74 milhões de turistas do mundo inteiro, um pouco menos que no ano anterior. Mas ainda é o primeiro destino mundial de turistas.
O Brasil recebeu 5 milhões de turistas em 2008, segundo a Embratur.
Será que o país não tem um potencial turístico maior?
Quando entrevistei Pál Sarkozy, pai do presidente Sarkozy, esta semana para a Folha de São Paulo, sobre a exposição de pintura que ele inaugura na semana que vem em Paris, ele relembrou uma viagem ao Rio, há vinte anos. Da cidade, ele lembrava do réveillon, das mulheres de nádegas esculturais e do risco, aceito por todos os cariocas como um toque de exotismo. “Ninguém pode parar no sinal vermelho sob risco de perder tudo, até a vida”.
Como violência não é uma fatalidade, prefiro não comentar. Cada leitor tire sua conclusão.

Godard por Antoine de Baecque

O livro é uma maravilha, uma grande viagem ao mundo de Godard, de A bout de souffle (Acossado, 1960) até Socialisme (2010). Na semana passada, comprei mais mais 6 DVDs de Godard que não tinha na coleção. Estou vendo e revendo tudo o que posso. O trabalho de Antoine de Baecque é admirável, um texto delicioso e uma pesquisa de historiador rigorosa. Vamos ver como Cannes vai receber Socialisme, em maio, e se Godard vai aparecer.
Abaixo a entrevista publicada na Folha de São Paulo (Suplemento Mais de domingo).
São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

O homem cinema
O biógrafo Antoine de Baecque diz em entrevista à Folha que tentou desvendar a vida real por trás do mito; prestes a fazer 80 anos, Godard lança o novo filme, "Socialismo", em maio, em Cannes

LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Um é o cineasta mais estudado, debatido e polêmico da França, um dos criadores da nouvelle vague. Seu nome é uma espécie de palavra-slogan que significa cinema.
O outro é um historiador e jornalista, especialista no movimento de vanguarda do cinema francês da virada dos anos 50/60, autor de uma biografia de Truffaut (em coautoria com Serge Toubiana, ed. Record), ex-diretor da revista "Cahiers du Cinéma" e ex-editor de cultura do jornal "Libération".
Quando Antoine de Baecque resolveu fazer a biografia de Jean-Luc Godard, o cineasta não se mostrou entusiasta. Dizia que sua obra é que interessa, não sua vida. Mas a editora Grasset comprou imediatamente a ideia.
O resultado é uma obra de 944 páginas -"Godard"-, em que o nome está sutilmente dividido (GOD numa linha, ARD, na outra).
Trata-se de um livro magistral sobre a vida e a obra de um dos maiores cineastas do século 20, que fará 80 anos em 3 de dezembro e cujo primeiro filme, "Acossado" ("À Bout de Souffle"), foi lançado exatamente há 50 anos, em março de 1960. E já nasceu clássico, revolucionando a linguagem cinematográfica.
Assim como Godard, De Baecque lê o "L'Equipe", diário especializado em esportes. O jornal está sobre a mesa de centro em sua casa, enquanto recebe a Folha para esta entrevista exclusiva.
Apesar de autor da primeira biografia de Godard a ser escrita na França, De Baecque não viu a obra que o cineasta vai apresentar em maio, em Cannes. "Socialisme" [Socialismo, com lançamento no Brasil previsto para 2011] tem no elenco a cantora Patti Smith, o filósofo francês Alain Badiou e o historiador palestino Elias Sanbar.
O filme deve, sem dúvida, provocar polêmica. Afinal, não é esse o maior prazer do controvertido Godard?

FOLHA - Quem é Jean-Luc Godard?
ANTOINE DE BAECQUE - Como ele mesmo diz, "eu sou uma lenda viva". É um mito. Acho que ele tem razão, Godard diz a verdade. O que é uma lenda viva? É um nome -Godard- que significa cinema no mundo inteiro; é uma espécie de palavra-slogan que quer dizer cinema. Foi algo que aconteceu muito rapidamente, e ele viveu grande parte de sua vida sob esse peso. A partir disso, era preciso tentar ver o que havia por trás. O interessante é esquecer um pouco a lenda, confrontá-la com os fatos e atos de uma vida.
FOLHA - O que encontrou além do mito?
DE BAECQUE - Não há na vida de Godard segredos que expliquem seu personagem, seu destino, sua genialidade. Não é como Truffaut... Este era um bastardo, que tinha uma espécie de trauma de infância que fazia com que o pequeno Truffaut estivesse sempre presente, não muito longe do homem que se construiu justamente para superar esse trauma, o fato de não ter tido pai e não ter sido amado. Em Godard, não há segredo de família, exceto quando se fala de rupturas, pequenas decisões em sua vida que explicam o personagem -sobretudo a ruptura com a família, quando decidiu fazer cinema.
FOLHA - Por que precisou romper com a família para fazer cinema?
DE BAECQUE - Godard vem de uma grande família protestante, rica, culta, uma espécie de aristocracia do espírito. Na França, os Monod são uma grande família, que queria uma cultura nobre para o filho mais velho -e não o cinema. Essa ruptura foi acompanhada de uma série de outras, muitas vezes violentas em relação ao meio familiar, o que tornou Godard um adolescente ladrão. Furtou muitas coisas de muitas pessoas, inclusive em família. Por exemplo, um livro original autografado por Paul Valéry, que roubou da grande biblioteca de seu avô -a grande figura da família e amigo daquele poeta. Furtou um livro da coleção do avô para vender. Isso culminou em seu banimento pelos Monod. Foram essas rupturas que fizeram com que Godard se construísse como Godard. Ele renegou muito a si mesmo, mudou bastante de rumo, numa contradição permanente consigo mesmo. De certa forma, isso faz parte de sua própria mitologia, algo que ele mesmo dissera em entrevistas.
FOLHA - O interessante no livro é acompanhar a realização de cada filme, suas relações com os produtores, com os atores. Tudo isso torna a biografia uma fonte inesgotável para os cinéfilos.
DE BAECQUE - Sim, mas também é uma biografia de cineasta. Espero mexer com o discurso estabelecido dos godardianos. Sobre ele, existe um discurso onipresente, extremamente importante, que respeito, que li e que até mesmo contribuí para criar. Mas gostaria que o livro destruísse essa ideia forte -a de que a vida de Godard não tem importância e de que seus filmes podem ser compreendidos sem passar por ela.
FOLHA - Como surgiu a ideia da biografia?
DE BAECQUE - Eu já havia tido contato com Godard, tinha feito entrevistas com ele quando dirigia os "Cahiers du Cinéma" e quando fui editor de cultura do "Libération". Nas entrevistas, ele é o contrário de um bom assunto biográfico: não gosta de falar de sua vida, não gosta que falem de si e é muito desconfiado. O que me levou a escrever o livro foi essa dificuldade.
FOLHA - Foi a editora quem encomendou o livro ou o sr. o propôs?
DE BAECQUE - Fui eu que propus, dizendo que tinha vontade de fazer uma coisa impossível, escrever uma vida de Godard. A editora topou, mas Godard não estava de acordo.
FOLHA - O sr. o contatou?
DE BAECQUE - Eu disse que iria escrever a vida dele.
FOLHA - E como ele reagiu?
DE BAECQUE - Ele me disse: "Você não vai conseguir; de qualquer forma o importante é a obra, não a pessoa".
FOLHA - Evidentemente, o sr. não concorda com isso.
DE BAECQUE - Ao contrário, acho que a vida de Godard tem um duplo interesse. Ela é feita de contradições, de rupturas, de mil encontros. Ele viveu no mundo do cinema de maneira intensa e tem uma vida densa, uma existência rica, ao contrário do que ele mesmo diz. Sua vida é tão fascinante pelo modo como ilumina a vida de seus contemporâneos. Seu cinema e seu modo de viver são o que capta as diferentes épocas que atravessou. Minha ambição é, como digo na introdução do livro, conhecer o gosto do café de Godard. Ele disse de maneira virulenta, um pouco insolente: "De que serve saber que tomo café de manhã?", isso para dizer que a vida não tem importância. Godard tem o gênio de apreender o que faz a vida de uma época; ele é o melhor radar para captar isso e devolvê-lo com um estilo particular.
FOLHA - O sr. diz que seu livro "atrairá o descontentamento de Godard, sua contestação humilhante, até mesmo uma carta de insultos, e o opróbrio dos godardianos do mundo todo". Por quê?
DE BAECQUE - O que me deixa feliz é que o livro está sendo bem recebido pelos não godardianos. Godard o recebeu, mas ainda não se manifestou. Penso que dirá algo sobre ele, pois apresentará "Socialismo" em Cannes, em maio. Acho que irá reconhecer que representa muito trabalho, que é benfeito, mas não poderá deixar de dizer que não é assim que se compreendem seus filmes. E acho que ficará furioso com algumas passagens.
FOLHA - Por exemplo?
DE BAECQUE - Suas relações interpessoais, suas relações com as mulheres. Ele não gosta de falar disso, das rupturas difíceis, dos mortos que o cercam. Acho indispensável falar disso para tornar a vida de Godard compreensível. Penso que não irá reagir bem. Será que vai escrever uma carta, me humilhar em público?
FOLHA - O sr. diz que Godard é, ainda hoje, um dos artistas mais célebres, mais comentados e mais analisados do mundo. Por quê?
DE BAECQUE - É um personagem que fascina muita gente. Cresci vendo filmes como "Salve-se Quem Puder - A Vida", "Passion", "Carmen de Godard". Eu tinha 20 anos. Ao mesmo tempo em que os de Truffaut, como "O Homem Que Amava as Mulheres", "A Mulher do Lado" , que me deram vontade de escrever sobre o cinema, fizeram de mim o que me tornei. Isso me formou.
FOLHA - O sr. diz que Godard "soube moldar seu próprio personagem de bufão midiático, de Diógenes comunicador". Acontece que o bufão é também um melancólico. Ele é tudo e o contrário de tudo, um paradoxo ambulante?
DE BAECQUE - Godard é feito de contrastes, de paradoxos. É extremamente generoso, mas muito centrado em si mesmo, egocêntrico. Também pode ser extremamente doce e violento, pudico e extrovertido, terno e perverso. Mas está mais para o lado da melancolia, de uma forma de tristeza, de tragédia.
FOLHA - De misantropia também?
DE BAECQUE - Sim. É uma pessoa para quem o fato de não estar bem é inspirador. Ele sempre filmou pessoas que carregavam um mal-estar, fez filmes que acabam sempre mal. É essa infelicidade, um estado do ser, o mal-estar, o trauma em relação à história, às mulheres, à família, em relação a si mesmo, à sua própria personalidade, que o inspiram. É muito mais o cineasta de personagens habitados pela infelicidade do que de personagens felizes.
FOLHA - O sr. é autor de uma biografia e um dicionário Truffaut e de um livro sobre a nouvelle vague. O atual cinema francês está à altura de Truffaut e Godard? Quais são os grandes talentos atuais?
DE BAECQUE - Desde a nouvelle vague, desde os anos 60, todos os anos muitos iniciantes fazem um primeiro ou um segundo filme. Isso é muito importante na França, mais que em outros países. É uma constante no cinema francês. De maneira geral, um terço dos filmes franceses são um primeiro ou um segundo filme.
FOLHA - E esses jovens cineastas chegam a construir uma carreira?
DE BAECQUE - Mais ou menos, assim como na nouvelle vague. Naquela época, havia 120 cineastas que fizeram um primeiro filme em três anos e, depois, somente 10 ou 15 continuaram -cerca de 10%. Hoje, é a mesma coisa, talvez um pouco mais. A nouvelle vague legou a essa juventude a vontade de fazer cinema. Ser artista, hoje, passa pelo cinema.
FOLHA - Mas, na França, há o Estado com as subvenções e toda sorte de ajuda...
DE BAECQUE - As subvenções ajudam, mas existe a vontade de fazer cinema quando se é jovem, e isso vem da nouvelle vague. Mas o que falta, hoje, é a polêmica, uma certa violência, rebelião. Isso foi o que Truffaut e Godard encarnaram quando eram críticos, nos anos 60. Hoje, o cinema francês é bastante consensual, falta-lhe aspereza. É muito diversificado, mas falta agressividade. Há herdeiros de um ou de outro.
FOLHA - Justamente. O que Godard representa hoje para um jovem cineasta?
DE BAECQUE - Acho que duas coisas contraditórias: de um lado, o velho babaca no panteão metido a dar lições. Godard gostou de fazer esse papel e acabou detestado por isso mesmo. O velho que vem nos contar como se faz cinema, que era melhor antes. Essa é a imagem do "Godard que pertence ao passado, isso não nos interessa mais". A outra é a de Godard como "meu irmão visionário, a inspiração direta, espécie de Rimbaud". Nas escolas de arte, nas escolas de cinema, essa imagem de Godard é muito importante.
FOLHA - E prevalece sobre a outra?
DE BAECQUE - Podem coabitar. A influência de Godard perdura e é algo que me parece importante -e não só na França.
FOLHA - Logo, ele não é uma figura do passado...
DE BAECQUE - Seus filmes perturbam, estimulam esses jovens, sem passar pela história do cinema. Existem no presente e ainda repercutem -isso é o que faz a força de Godard. O cinema de Truffaut é mais datado, mas tem muita influência por sua vida. Em Truffaut, o que conta é a maneira de viver, de amar o cinema, sua maneira de amar os filmes.
FOLHA - O que mais ficou de Truffaut, em sua opinião, é o lado de crítico de cinema?
DE BAECQUE - É mais o homem Truffaut que tem significado para o cinema. Já em Godard, o que mais fica é a forma, a obra.
FOLHA - E, assim como Godard e Truffaut, o sr. não teve nunca vontade de fazer cinema, de ser cineasta?
DE BAECQUE - Fiz documentários. O último, "Deux de la Vague" [Dois da Onda, escrito por ele e dirigido por Emmanuel Laurent, com estreia no Brasil prevista para 28/5], trata da amizade e da ruptura entre Truffaut e Godard. É um filme de imagens de arquivo, e não é a mesma coisa que fazer cinema como cineasta.
FOLHA - Godard foi acusado de antissemitismo. O que o sr. pensa dessa acusação?
DE BAECQUE - É um contrassenso. Godard é antissionista, seu pensamento se reformou no início dos anos 1970, como denúncia do imperialismo americano e do expansionismo do Estado de Israel, por solidariedade com a causa palestina. Isso o leva a uma visão da história como uma espécie de maldição ligada ao extermínio dos judeus, ao Holocausto, que para ele é o acontecimento central do século 20. Ele não é negacionista; ele diz que as vítimas se transformaram em carrascos.
FOLHA - Godard cultiva o gosto pelo paradoxo e pela provocação. Com "Socialisme", seu novo filme, quem ele quer provocar?
DE BAECQUE - Quer provocar uma discussão sobre a morte do comunismo, como o filósofo Alain Badiou, que faz o papel de um filósofo no filme e diz que "o comunismo é uma ideologia com o futuro diante dela". Acho que se encontraram em torno dessa ideia e se entendem perfeitamente, ao pensarem que o futuro da utopia é o socialismo. Isso é bastante provocador num mundo como o nosso, que quis enterrar o comunismo.
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GODARD

Autor: Antoine de Baecque
Editora: Grasset (França)
Quanto: 25, R$ 59 (944 págs.)


sexta-feira, 9 de abril de 2010

Lucian e Sigmund

“Quando a gente procura trabalho e é uma mulher, o melhor é ser bonita. Não sendo bonita, o melhor é ser homem”. Frase ouvida nos Estados gerais da mulher, organizado em março deste ano, em Paris, pela revista Elle, para comemorar os 40 anos do Mouvement de Libération des Femmes.

Freud, Lucian – o iconoclasta


O pintor inglês Lucian Freud, de 88 anos, pinta como seu avô abriu caminho para a descoberta da psicanálise: derrubando tabus. “Eu quero que a pintura seja carne”, diz o artista. Em sua pintura, o retrato não é sublime nem sublimado, os retratados são circunspectos, quase melancólicos. O nu em Lucian Freud é cru, muitas vezes chocante. E os modelos, longe de representarem ideais de beleza, são pessoas comuns, representados no atelier do artista em poses não convencionais em que os órgãos sexuais não se escondem pudicamente, a cena parece um instantâneo. Os quadros refletem a relação que existe entre Lucian Freud e seus personagens.
A maior exposição já feita em Paris de Lucian Freud, que veio de Londres para a inauguração, está no Beaubourg (Centre Georges Pompidou) até o dia 19 de julho. O portrait que o artista fez da rainha Elizabeth II não está na exposição de cerca de 50 quadros.

Freud, Sigmund – o visionário

A pedido de leitores, volto à famosa carta do criador da psicanálise sobre o sionismo.
Freud, que manteve uma longa correspondência com Einstein sobre a guerra e as pulsões que levam os homens a matar e exterminar seus semelhantes, nunca defendeu o sionismo. Ao contrário, manifestou-se contra a criação de um Estado para os judeus na Palestina. Uma carta na qual ele expressa claramente sua pouca simpatia pelo projeto sionista foi escondida deliberadamente pelos defensores da causa sionista até poucos anos atrás.
As cartas de Freud são um capítulo à parte em sua obra. A maior parte delas é conhecida e estudada exaustivamente. Outras, cerca de um terço, classificadas como confidenciais por seus descendentes e herdeiros, fazem parte do “Arquivo Freud” e encontram-se na Biblioteca do Congresso, em Washington.

A carta em que Freud faz restrições ao sionismo foi escrita em 26 de fevereiro de 1930 e endereçada a Chaim Koffler, membro da Fundação para a Reinstalação dos Judeus na Palestina (Keren Hayesod). Koffler havia pedido a Freud, como a outros intelectuais judeus, um texto de apoio à causa sionista. Traduzida por Jacques Le Rider para o francês, ela foi publicada pela revista Le Nouvel Observateur em dezembro de 2004, depois de ter sido publicada pelo jornal italiano Corriere della Sera, em julho de 2003. Em 1978, foi citada em inglês num artigo dedicado a Freud e a Herzl e em 1991, depois de ter sido mencionada em uma revista semanal argelina para mostrar que Freud não tinha simpatia pelo sionismo. A carta foi traduzida em inglês integralmente pelo psicanalista americano Peter Loewenberg para provar que Freud fora vencido pela História.
O texto da carta mostra o quanto Freud era cético em relação ao projeto sionista de reinstalação dos judeus na Palestina. Por isso mesmo, ela foi cuidadosamente escondida por tanto tempo para cumprir a promessa de Abraham Schwadron a Koffler de que “nenhum olho humano a veria”. Dada a autoridade moral do autor, a carta poderia ser uma pedra no caminho dos que construíam o projeto sionista.
Em um dos trechos, Freud diz: “não penso que a Palestina possa vir a tornar-se um Estado judaico”. Como lembra a historiadora da psicanálise Elisabeth Roudinesco, Freud combatia todas as formas de religião, inclusive o judaísmo. “Ele aceitava dificilmente a idéia de um Estado judaico viável pois tal Estado feito por e para os judeus não poderia ser, no seu entender, um Estado secular”. No final da carta, Freud fala do sionismo como de “uma esperança injustificada” e diz que não se sente capaz de exercer o papel de consolador de um povo “perturbado” por essa esperança.
Eis o texto que traduzo para o português a partir da tradução francesa de Le Rider:

Viena, 19 Berggasse,
26 de fevereiro de 1930.
Caro Doutor,
Não posso fazer o que o senhor deseja. Minha dificuldade em despertar o interesse do público por minha personalidade é impossível de superar e as circunstâncias críticas atuais não me parecem favorer essa empreitada. Quem quer influenciar o maior número de pessoas deve ter algo de empolgante a dizer, e isso meu julgamento pouco entusiasmado pelo sionismo não me permite. Tenho com certeza os melhores sentimentos de simpatia pelos esforços consentidos livremente, sinto-me orgulhoso pela nossa universidade de Jerusalém e me regozijo da prosperidade dos estabelecimentos dos nossos colonos. Mas, por outro lado, não penso que a Palestina possa vir a tornar-se um Estado judaico nem que o mundo cristão, como o mundo islâmico, possam um dia estar dispostos a confiar seus lugares santos aos cuidados dos judeus. Me pareceria mais sensato fundar uma pátria judaica sobre um solo não conotado historicamente; decerto, sei que para um objetivo tão racional, jamais seria possível suscitar a exaltação das massas nem a cooperação dos ricos. Admito também, com pesar, que o fanatismo irrealista de nossos compatriotas tenha sua parte de responsabilidade no despertar da desconfiança dos árabes. Não posso ter a mínima simpatia por uma piedade mal interpretada que faz de um pedaço do muro de Herodes uma relíquia nacional e por causa dela desafie os sentimentos dos habitantes da região.
Julgue o senhor mesmo se, com um ponto de vista tão crítico, eu posso ser a pessoa certa para fazer o papel de consolador de um povo perturbado por uma esperança injustificada. Freud.


Dezessete anos depois de escrita a carta, o Estado de Israel deixou de ser um sonho dos sionistas para se tornar realidade.
Mas quem pode dizer que Freud não anteviu a catástrofe?
A historiadora da psicanálise Elisabeth Roudinesco assinala que “Freud teve a intuição magistral de que a questão da soberania dos lugares santos estaria um dia no centro de uma querela quase insolúvel, não somente entre os três monoteísmos mas entre os dois povos irmãos residentes na Palestina. Ele temia, com razão, que uma colonização abusiva acabasse por opor, em torno de um pedaço de muro idolatrado, os árabes fanáticos e anti-semitas aos judeus fundamentalistas e racistas”.
Mais recentemente, num magnífico artigo publicado no jornal Le Monde de 18 de agosto de 2006, o filósofo Etienne Balibar e o físico Jean-Marc Lévy-Leblond percorrem a história de Israel para analisar a atualidade política do Oriente Médio e todas as ameaças que pesam sobre o mundo, em função do barril de pólvora em que se transformou a região.
No terceiro parágrafo do brilhante texto, os dois intelectuais escrevem: “A segunda guerra mundial foi um ponto de ruptura: ela trouxe o enfraquecimento do império britânico e levou à Palestina centenas de milhares de pessoas que escaparam à exterminação dos nazistas. O que conferiu ao Estado de Israel, criado pela “partilha” de 1947, uma nova legitimidade moral, sancionada pelo reconhecimento internacional quase unânime e pela admissão às Nações Unidas. O que não impede que o Estado que se proclamou como “Estado judaico” (apesar da presença em seu seio de uma grande minoria árabe musulmana e cristã) e se deu por missão reunir no seu solo o maior número possível de judeus religiosos ou leigos do mundo inteiro (imigrantes recentes ou assimilados há muitos anos em seus países respectivos, vindos de culturas diversas e sendo vítimas de anti-semitismo em graus muito diferentes) tenha nascido na guerra e mesmo no terrorismo. Isso por causa da hostilidade irredutível (ao menos até a iniciativa do presidente Sadat) dos Estados árabes que o cercavam, por causa do próprio nacionalismo e panarabismo ascendente que os levavam a recusar a instalação de Israel na Palestina, depois a desejar sua destruição e ser alvo de intenção simétrica, mais ou menos confessada, de expulsão da população árabe autóctone. A frase de Golda Meir: “uma terra sem povo para um povo sem terra” _ em total contradição com a realidade _ trazia em si uma lógica de eliminação, que continha em germe os elementos da catástrofe atual. Essa lógica de eliminação foi imediatamente denunciada por certos intelectuais (como Einstein, Buber, Arendt ou o fundador da universidade hebraica de Jerusalém, Judah Magnes)”.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Et mes fesses?


« Et mes fesses, tu les aimes, mes fesses ? »


Quem não se lembra dessa cena do filme Le mépris, de Jean-Luc Godard, na qual Camille (Brigitte Bardot) pergunta a Paul (Michel Piccoli) se ele gosta de certas partes de seu corpo? A cena na cama, com a atriz nua, num ângulo em que seu charme arredondado é valorizado (ela é filmada de perfil, deitada de bruços) não constava do roteiro original. Foi imposta pelo produtor americano que achou que a primeira versão do filme não explorava suficientemente os atributos de BB. Produzido por Carlo Ponti, Joseph Levine e Georges de Beauregard, Godard teve que se curvar diante de Levine, que disse que pagava um salário fabuloso à atriz para que os espectadores a vissem como Deus a criou e não pudicamente vestida.

Godard revivia na vida real a situação do criador diante do poder do dinheiro, como Paul diante do produtor arrogante, vivido por Jack Palance.

Quem não viu o filme ou quer rever a cena é só ir no link :

http://www.youtube.com/watch?v=v_m85eoa-8s

A apresentação do filme é godardiana : não há letreiros mas a voz de Godard que diz a ficha técnica. Na biografia de Godard, recém-lançada, Antoine de Baecque conta que o diretor canalizou a atriz ao máximo para que seu personagem paire totalmente ausente, meio indiferente àquele set de filmagens no qual a história se desenrola na Cinecittà e em Capri, um filme dentro do filme. Le mépris é todo feito de sutileza, de finesse, o gênio de Godard adaptando um texto de Alberto Moravia. Para Antoine de Baecque, se não restasse nenhum filme de Brigitte Bardot, ficaria Le mépris, no qual Godard a dirige magistralmente, deixando-a pairar etérea, tirando da atriz toda coqueteria e artificialidade.

A biografia de Godard, que se chama apenas GODARD, as três primeiras letras separadas das três últimas, em linhas diferentes, é um deleite para os cinéfilos de todas as latitudes, de todas as gerações.

O caderno de Saramago

Reproduzo um trecho do carderno do maior escritor de língua portuguesa, em que ele fala da perseguição que sofre na Espanha o juiz Baltasar Garzón. O texto de Saramago serve de reflexão para nós que contestamos a lei de Anistia brasileira:

“Invoca-se aqui a Lei da Amnistia para justificar a perseguição a Baltasar Garzón, mas, em minha opinião de cidadão comum, a Lei da Amnistia foi uma maneira hipócrita de tentar virar a página, equiparando as vítimas aos seus verdugos, em nome de um igualmente hipócrita perdão geral. Mas a página, ao contrário do que pensam os inimigos de Baltasar Garzón, não se deixará virar. Faltando Baltasar Garzón, supondo que se chegará a esse ponto, será a consciência da parte mais sã da sociedade espanhola que exigirá a revogação da Lei da Amnistia e o prosseguimento das investigações que permitirão pôr a verdade no lugar onde ela tem faltado. Não com leis que são viciosamente desprezadas e mal interpretadas, não com uma justiça que é ofendida todos os dias”.(10-02-2010)

Carla B

Os blogs pulularam nas últimas semanas falando da primeira dama francesa e de seu marido. Ela e o presidente estariam vivendo aventuras extraconjugais. Jornais italianos e ingleses repercutiram os boatos. Nenhum jornal francês ousou reproduzir as fofocas mas o jornal Le Figaro aproveitou uma entrevista exclusiva com Carla Bruni para perguntar: “Como a senhora vê os boatos da internet sobre seu casamento?” Ela respondeu que boatos fazem parte da natureza humana, mesmo se a degradam. “Desprezo os falsos jornalistas que usam os blogs como se fossem uma fonte digna de crédito. Mas os fato de divulgarem notícias inventadas é um perigo para a democracia e põe em risco uma profissão que tem na integridade da informação sua principal razão de ser.”

Para quem quer conhecer melhor Carla B (como o jornal Le Canard Enchaîné a chama numa coluna fictícia que ele publica semanalmente, Le Journal de Carla B.) aconselho ir ao site do Figaro. No fim da entrevista, ela confirma que estará no filme que Woody Allen fará em Paris neste verão (junho).

No Sarkozy day

Um grupo de franceses antisarkozistas resolveu protestar no dia 27 de março instituindo um “dia sem Sarkozy”. Chamava-se No Sarkozy Day e esse nome do dia de protesto já mostra como o inglês invadiu o espaço público da França, mas isso é outra história. Pelo que li num jornal apenas mil pessoas responderam à convocação e foram protestar contra Sarko.

A maioria dos franceses preferiu dar outro recado. Nas eleições regionais de março, metade dos eleitores não foi votar. A outra metade que foi votou majoritariamente na esquerda.

Hoje, um grupo de deputados do partido do presidente numa ação inédita de rebelião contra Sarkozy publica no Le Monde um texto contra o famoso e controvertido “blouclier fiscal”, um presente aos ricos (menos impostos pagos mais dinheiro para os iates e jatos) e uma fonte a menos de receita para o Estado. Acusado de favorecer o mundo das finanças e governar para os ricos, o presidente nunca esteve tão baixo nas pesquisas. O primeiro ministro Fillon está 19 pontos acima dele. Já se fala em diversas candidaturas para 2012 dentro do UMP, partido que elegeu Sarkozy. Pelo jeito, ele já não é o candidato natural e vai haver engarrafamento de candidatos a candidato pelo UMP.

Ratos e camundongos


Estavámos no Le Select, Cecília B. e eu, quando passou um camundongo. Uma francesa deu um pequeno salto ao vê-lo passar. Nós seguimos com os olhos o bichinho fugindo, escapulindo aos olhares humanos.

Poucos dias antes, estava eu com Alcino L. no mesmo Select quando um pequeno camundongo nos surpreendeu muito perto dos nossos pés.

Cecília B. chamou o maître e contou o que vira. Ele se pôs a fazer piadas com a aparição, a dizer que Mickey, o famoso gato que mais parece um paxá e é um mito do Select, adora esses encontros com os bichinhos que, pelo visto, pululam por lá.

Agora, leio no Libération uma matéria incrível: Paris passa por uma uma explosão demográfica, tem 6 milhões de ratos e camundongos. Três para cada habitante. Sim, porque Paris intramuros tem apenas dois milhões de habitantes. Mas como esses bichinhos nojentos privilegiam os lugares sujos e insalubres, há muito mais ratos nos bairros pobres de Paris, oito a dez por habitante. Uma concentração de ratos para os habitantes mais desfavorecidos. Um especialista explica que com o inverno rigoroso que tivemos, eles procuram os lugares mais aquecidos e onde há alimentos.

Daí as aparições no Select.


“Que outros se vangloriem das frases que escreveram, eu me sinto orgulhoso das que li” (Jorge Luis Borges)