sábado, 3 de agosto de 2013

Brasil campeão



   Deu no Libération:
“A Grécia liquida seus serviços públicos – Atrasado, o programa de privatização exigido pelos credores do país rende pouco.”
Na página seguinte outro título :
“A grande liquidação do patrimônio público espanhol – Tudo deve ser vendido até 2015.”
O Brasil já fez esse trabalho sujo no governo FHC, que privatizou grande parte das nossas empresas estatais. Antes, os militares tinham  se encarregado de sucatear nossos serviços públicos de saúde e educação para satisfazer a ganância de empresários que passaram a ter lucros com serviços que deveriam ser oferecidos a todos, gratuitamente e com qualidade.  
 Manifestação em Paris em defesa dos hospitais públicos, em 2007
Agora, ao ver a Europa começar a sacrificar os direitos dos trabalhadores no altar do neoliberalismo, constatamos que, mais uma vez, o Brasil está à frente do mundo. Ao criar o fator previdenciário, que hoje daria uma aposentadoria em torno de 12 mil reais  a quem cotizava pelo teto, o governo FHC condenou os empregados do setor privado a trabalhar até o dia do último suspiro.
 Manifestação contra a reforma da aposentadoria, Paris out-2010

Borboletas em perigo

Deu no Le Monde :
“Na Europa, o número de borboletas caiu para a metade em vinte anos. A agricultura intensiva e a diminuição dos prados provocam o desaparecimento dos lepidópteros”.
Quando uma espécie está em risco, é a vida na Terra que corre risco.  Mas há quem ache que ecologia é supérfluo, perda de tempo. Depois de destruir os ecossistemas, como o homem vai sobreviver num planeta devastado ? A natureza criará novas harmonias?
O homo sapiens, o pior predador da natureza, avança no sentido  de provocar seu próprio fim?

A pedra no sapato de Obama

Deu na revista online O canibal:
O jornalista Glenn Greenwald, do Guardian, responsável pelo furo mundial sobre a espionagem dos Estados Unidos, deu uma excelente entrevista à revista O canibal (http://www.ocanibal.com.br/). A entrevista é intitulada “A pedra no sapato de Obama” e foi feita por Clarisse Meireles e Juliano Borges:
“É engraçado, lembro do dia em que Obama ganhou o Prêmio Nobel, acordei e vi a notícia na primeira página do New York Times. Eu realmente achei que era uma piada, que o site do jornal tinha sido invadido por hackers ou algo assim. Me perguntava se aquilo era possível. Três semanas antes ele tinha anunciado que ia intensificar a Guerra no Afeganistão. Eu havia passado o ano escrevendo sobre como o Governo Obama repetia as mesmas políticas que havia condenado quando implementadas por George W. Bush e Dick Cheney. Não estava ainda tão claro a que extremos ele chegaria, Obama na verdade radicalizou muitas das políticas que antes criticava.”
 Desenho de Leonardo Gouvea
(...)
“Quando ele foi eleito e disse que ia fechar Guantánamo, era simplesmente porque era um símbolo, mas o projeto era apenas transferir a prisão para o solo americano, e continuar a prática de encarcerar pessoas sem nenhuma acusação formal. O que torna Guantánamo horrível não é o fato de estar em Cuba, como se fosse melhor estar em solo americano. O que é horrível são as condições desumanas, o fato de as pessoas estarem presas sem acusações ou julgamento, sem prova alguma contra elas, algumas há uma década.”
(...)
“E se as pessoas não se dão conta que ele não mudou nada na política externa em relação a Bush é porque ele é um grande ator. Passa aquela imagem de bom marido, bom pai. O que faz um bom político é a capacidade de fazer você ouvir o que você quer ouvir. Ele é excelente nisso. Além disso, muita gente imagina que pelo fato de ser negro, ser visto como liberal, ele foi eleito com uma plataforma contra todas essas políticas, é cool e jovem. É como uma marca.”
“Isso é aliás bem interessante. A indústria da propaganda premia todo ano os melhores comerciais, posicionamento de produtos etc. E uma das categorias de mais prestígio é melhor branding (marca), para premiar um produto que conseguiu ser amado. Em 2008, o prêmio foi para a campanha Obama. É isso o que ele é: uma marca.”
“E o que o relatório dizia é que a melhor forma de conter esta “ameaça pacifista” seria a eleição de Obama, porque no lugar de Bush, um cowboy religioso e arrogante entraria aquele liberal sofisticado, professor de Direito, que estudou em Harvard, negro, progressista. E a CIA estava certa. Com a chegada de Obama, muita gente que estava contra os EUA de repente ficou do seu lado de novo, porque eles passaram a acreditar que o que estava sendo feito era realmente o melhor.
É um caso de propaganda muito bem sucedido. O movimento pacifista praticamente desapareceu na última eleição.”

Brasileiros nas ruas : mudança já

Desenho da cartunista franco-brasileira Johanna Thomé de Souza, publicado no Le Monde

Do sociólogo espanhol Manuel Castells, professor em Paris e nos Estados Unidos, sobre os jovens urbanos que saíram às ruas do Brasil e são acusados de não terem projetos “claros” para mudar a sociedade:
“Além de passarem por uma série de problemas urbanos, ainda se exige que eles façam o trabalho de profissional que deveria ser dos burocratas preguiçosos responsáveis pela bagunça nos serviços. Os cidadãos só apontam os problemas. Resolvê-los é trabalho para os políticos e técnicos pagos por eles para fazê-lo.”

Cosi fan tutte por Michael Haneke

Gênio é gênio. Fomos ver a montagem do diretor Michael Haneke (Amour, Le ruban blanc) da ópera de Mozart em Bruxelas. Puro deleite. Uma mise-en-scène genial, misturando personagens em costumes de diferentes épocas, um cenário despojado e elegante, figurinos perfeitos. Vozes e interpretações idem. O público delirou no elegante Théâtre de la Monnaie.

Ao chegarmos ao hotel The Dominicans (FOTO), a música do elevador nos transportou a um monastério. Em total harmonia com o nome, a música ambiente reproduz cantos gregorianos. Elegante, charmoso, o hotel, no centro de Bruxelas, bem perto da Catedral e da Ópera é um excelente endereço. E ainda por cima, come-se bem no elegante restaurante do Dominicans. Aliás, depois que Frei Tito entrou na minha vida, dou de cara com dominicanos em toda parte.
Na véspera da ópera, Bruxelas viu desfilarem milhares de pessoas contra a Montsanto, que ameaça nos envenar com o milho transgênico (o MON810). Essa cultura transgênica, proibida até hoje na França, foi liberada esta semana pelo Conselho de Estado. Mas o ministro da Agricultura diz que não quer ver o milho da Montsanto na mesa dos franceses.    
Os ecologistas belgas levaram milhares de pessoas às ruas de Bruxelas para dizer não à Montsanto.


Várias gerações se misturavam, com cartazes em francês, em flamengo e em inglês. 


Um belo espetáculo de consciência cidadã.

HENRI ALLEG (1921-2013)
A morte de um herói discreto



Por Leneide Duarte-Plon em 30/07/2013 na edição 757 Observatório da Imprensa

Em fevereiro de 1958, graças ao livro La Question, de Henri Alleg, a França descobriu que seu Exército torturava na Argélia, como os nazistas da Gestapo tinham torturado os resistentes franceses. Imediatamente, o jornalista comunista nascido em Londres sob o nome de Harry Salem, filho de judeus russo-poloneses, se transformou num ícone da luta anticolonial, em plena guerra da Argélia.
Antes, alguns intelectuais haviam escrito artigos na imprensa mas naquele livro, um homem torturado dava seu testemunho. O diretor do jornal Alger Républicain – militante da luta anticolonialista, sequestrado e preso no ano anterior – confirmava as suspeitas num relato que se transformou imediatamente num best-seller. A partir da segunda edição, o livro passou a ter um posfácio de Jean-Paul Sartre, no qual o filósofo dizia: “Henri Alleg pagou o mais elevado preço para ter o direito de continuar um homem”.
Dia 17 deste calorento mês de julho, Henri Alleg faleceu em Paris, aos 91 anos, vítima de um AVC. Os principais jornais franceses noticiaram sua morte com espaço dedicado somente aos grandes personagens. O Le Monde deu uma página inteira, Libération, duas, e o comunista L’Humanité, do qual Alleg foi diretor, deu a notícia na capa, ressaltando os combates do jornalista e escritor contra o colonialismo, a opressão e todo tipo de racismo.
O presidente François Hollande louvou “o anticolonialista ardente cujo livro alertou o país sobre a realidade da tortura na Argélia”.
O secretário nacional do Partido Comunista Francês, Pierre Laurent, escreveu que o nome de Henri Alleg “permanecerá para sempre sinônimo de verdade, de coragem, de justiça”.
O diretor do jornal L’Humanité, Patric Le Hyaric, escreveu :
“A melhor homenagem que o Estado francês poderia fazer a Henri Alleg seria, enfim, reconhecer oficialmente a tortura na Argélia, assim como os crimes de guerra.”
Outra articulista, Rosa Moussaoui ressaltou que Alleg combateu “até o fim, sem cessar, a direita francesa sempre disposta a exaltar os ‘aspectos positivos’ da colonização”. Ela se referia ao longo debate durante o governo de Nicolas Sarkozy que, tentando reabilitar o período colonial, se pôs a apontar “aspectos positivos” na colonização francesa.
O livro
Quando foi proibido na França, três meses depois de ser lançado, o livro La Question já era um best-seller, com 65 mil exemplares vendidos. O governo do general Charles De Gaulle, tendo o escritor André Malraux como ministro da Cultura, não sabia ainda como iria acabar a guerra que, aliás, não era chamada de guerra pela França, mas “les événements d’Algérie” (os acontecimentos da Argélia). A expressão guerra da Argélia só foi imposta pelos historiadores muito depois da independência da antiga colônia.
A partir da proibição, o livro passou a ser impresso na Suíça e depois saiu em diversos países. Na França, o texto de Alleg passou a ser distribuído clandestinamente por uma rede de militantes católicos, socialistas e comunistas. Antes do livro, a revista católica Esprit havia denunciado a tortura na Argélia, mas Alleg veio trazer à opinião pública um texto-testemunho de grande qualidade literária. Nele não há psicologia ou julgamento moral – o texto é límpido, seco e objetivo.
O relato de Alleg tinha deixado a prisão em folhas soltas, levadas por seu advogado, burlando o controle dos torturadores. La question foi editado por Jérôme Lindon nas Editions de Minuit, num clima de debate passional entre os anti e os pró-colonização. O livro despertou a consciência de toda uma geração que descobriu horrorizada a tortura exercida pelos paraquedistas franceses em nome do combate à “subversão” da Frente de Libertação Nacional, que lutava pela independência da Argélia.
Em 1960, Alleg foi condenado a 10 anos de trabalhos forçados. No ano seguinte, fugiu da prisão indo se refugiar num país do Leste europeu. Escreveu diversos livros e dedicou toda sua vida ao jornalismo, à causa comunista e ao combate anticolonialista.
A notícia da morte de um herói discreto me transportou ao mês de dezembro de 2011, quando fui à sua casa na banlieue parisiense para uma entrevista em torno do seu livro e de sua experiência de resistente à guerra colonial na Argélia. Ele será um personagem do livro que estou escrevendo sobre como os militares franceses na Argélia exportaram técnicas de tortura e de controle das populações civis através do general Paul Aussaresses, que viveu no Brasil por quase três anos como adido militar da França.
Apesar da idade avançada, Alleg tinha a memória intacta e a inteligência preservada pelo tempo. E ao contar sua prisão, tortura e engajamento, seus olhos brilhavam cheios de vida e de generosidade.
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Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris 
Fotos de Leneide Duarte-Plon