quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Hollande vai, Hollande não vai



  Quase quatro meses depois da posse de François Hollande, os franceses já começam a se mostrar impacientes. Querem resultados. E rápidos. A crise está instalada na Europa, a França ultrapassou o número assustador de 3 milhões de desempregados e os franceses cobram solução para a crise. Tanto o presidente socialista quanto seu primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault, já perderam vários pontos nas pesquisas de opinião.

 

Nesse momento de primeira grande queda de popularidade o presidente francês iria ser recebido na Embaixada do Brasil dia 7 de setembro, no tradicional coquetel que comemora a data nacional. Depois de confirmar a presença do presidente francês – a primeira vez que um presidente viria a essa comemoração na embaixada do Brasil – nossa representação diplomática avisou que o presidente Hollande não poderá comparecer por problemas de agenda.

A crise não deixa tempo para mais nada. Nem mesmo para reforçar os louvados laços de amizade com o Brasil que podem levar a proveitosas vendas do Rafale.

O fantasma de Yasser Arafat

A viúva de Yasser Arafat, morto na França em 2004, entrou na Jusiça francesa com uma ação para investigar as circunstâncias da morte do líder palestino. A tese de um envenenamento foi levantada com a descoberta de polonium, uma substância radioativa, nos objetos pessoais de Arafat.

Desde sua morte, os líderes palestinos sempre se disseram convencidos de que Arafat fora assassinado pelos serviços secretos israelenses. Uma das hipóteses é que tenha sido envenenado por seu dentista, que morreu pouco tempo depois. Nesta quarta-feira, dia 5, as autoridades palestinas autorizaram a ida de juízes franceses para continuar as investigações em Ramallah, onde Arafat está enterrado.

O polonium foi a substância usada em 2006, em Londres, para matar Alexandre Litvinenko, ex-espião russo que se tornara um opositor incômodo para Vladimir Putin.


Madame e seu mordomo, seu médico e o bobo da corte

Os ricos vivem uma vida tão distante da nossa realidade de assalariados de classe média que fica difícil imaginar em que gastam os milhões de euros que ganham por ano. A dona da L’Oréal, Liliane Bettencourt, por exemplo, que há alguns anos tem sua vida privada exposta na imprensa devido a processos na Justiça, viaja quase sempre acompanhada de seu médico, assalariado por contrato de 40 mil euros por mês.

Madame Bettencourt, a mulher mais rica da França e quarta fortuna do país, está com 90 anos e foi interditada judicialmente por sua filha única. Antes de chegarem a um acordo, houve muito desentendimento e uma batalha de advogados. Desde o ano passado, o neto mais velho é seu tutor e se encarregou de substituir  advogados espertos e afastar pessoas de seu séquito – mordomo, enfermeiro, secretárias - ávidas em tirar o máximo proveito da proximidade de Madame, aproveitando-se da fragilidade causada pela doença de Alzheimer.  

Liliane tinha até mesmo um « bobo » na sua corte : o fotógrafo e romancista François-Marie Banier, que recebeu muitos milhões de euros de presente de sua amiga, além de obras de arte e seguros de vida. Banier, que divertia muito a amiga Liliane com sua verve e seu senso de humor, viu-se privado de frequentar a casa da milionária e ainda responde a processo na Justiça.

O affaire Liliane Bettencourt interessa enormemente à imprensa porque tem todos os ingredientes das grandes sagas. Mas além do aspecto familiar, um outro affaire Bettencourt também envolveu a milionária : ela teria participado do financiamento da campanha de Nicolas Sarkozy com somas acima do limite legal. O ex-presidente e sua corte sempre negaram. Mas a Justiça investiga.

A elegância e a discrição de Liliane e de seu marido, Andé Bettencourt, já falecido - que além de industrial foi ministro de De Gaulle e de Pompidou - não impediram que os franceses acompanhassem sua degradação física e mental para constatar que mesmo se suas origens a distinguem da maioria dos cidadãos, um destino comum iguala todos os seres humanos.


Sarkozy e o Fouquet's = Maria Antonieta e seu brioche




Ao aceitar o convite para um almoço de imprensa no restaurante Le Diane, do Hôtel Le Fouquet’s Barrière, um cinco estrelas nos Champs Elysées, sabia que faria parte de um grupo de jornalistas que não se arrepender de dedicar algumas horas à cozinha estrelada do chef Jean-Yves Leurenguer.

 En effet, como diriam os franceses. Fomos brindados por uma amostra do que a cozinha francesa tem de melhor, a excelência famosa no mundo inteiro. E no fim do almoço,  fizemos uma visita guiada. 

Foi no Fouquet’s que o então vitorioso candidato Sarkozy foi comemorar com um grupo seleto de milionários sua vitória em 2007. O Fouquet’s virou uma espécie de brioche de Maria Antonieta na biografia de Sarkozy. Foi um erro que ele não cometeria novamente, dizem seus amigos. A carga simbólica de uma comemoração com a nata da elite econômica francesa ficou como marca de uma presidência voltada para proteger os ricos, sobretudo do pagamento de impostos, com leis fiscais escancaradamente favoráveis às grandes fortunas. 

Mas, apesar de ter ficado indelevelmente associado à monstruosa gaffe presidencial, o hotel e o restaurante merecem a visita de quem estiver de passagem por Paris com uma consistente conta bancária. Pratos como a selle d'ageau au basilic, parfumée aux artichauts poêlés à cru et gnocchis valem a visita. A decoração é chic sem extravagâncias.

Bem situado, o hotel está perto de todas as butiques de luxo do que os franceses chamam de « triangle d’or ». E tem um spa e uma piscina com todos os serviços para quem quer praticar exercícios, além da possibilidade da assistência de um coach.
Um luxo só.


A dependência das novas tecnologias

O dramaturgo italiano Romeo Castellucci, que trouxe este ano ao Festival de Teatro de Avignon « The Four Seasons Restaurant » fez um sucesso extraordinário no ano passado, no mesmo festival com “Sul concetto di volto nel figlio di Dio”, peça genial e polêmica, sobre a qual fiz matéria para a « Carta Capital » e reproduzi aqui no blog.

Em longa entrevista no « Libération », Castellucci diz que vivemos hoje a condição de espectadores permanentes. « A imagem tornou-se um autêntico campo de batalha. Não acredito nem um pouco na liberdade da Internet e das novas tecnologias. O efeito delas é antes de tudo de controle social. A esfera privada não existe mais. Eles inventaram uma necessidade. Exatamente como a publicidade faz : criar necessidades que não existem. Agamben e outros já falaram de « bio política ». É uma nova fronteira um tanto assustadora ».


Ascensão e queda de Jean-Luc Delarue

O talentoso apresentador de TV francesa, Jean-Luc Delarue, produtor de diversos programas de televisão de grande sucesso, num formato criado por ele próprio, morreu há alguns dias de câncer, aos 48 anos. A descida aos infernos de Delarue, que se tornou uma star da televisão nos últimos vinte anos, começara um pouco antes, ao ser preso acusado de deter grande quantidade de cocaína em sua casa. Delarue consumia vinte gramas de cocaína por semana, o que o fazia gastar  8 mil euros por mês, segundo declarou aos policiais. 

Lutando contra o vício, um ano antes de ter seu câncer diagnosticado, o apresentador, já afastado do canal público onde apresentava seu programa, fez um « tour de France » num miniônibus para falar em escolas de todo o país alertando os jovens e adolescentes para o perigo das drogas. Não viveu muito tempo "limpo" para testemunhar.


CHARLES, PRÍNCIPE DE GALES
O príncipe mal-amado
Leneide Duarte-Plon
*Publicado em 04/09/2012 na edição 710 do Observatório da Imprensa

Charles, o destino de um príncipe, o documentário inglês de Andrew Orr e Olivier Mille, que o canal France 3 exibiu na semana passada, suscita a imediata interrogação: qual o interesse em contar aos espectadores, durante duas horas, a vida do príncipe de Gales, filho de Elizabeth II?

Ao final do programa, podemos constatar como a engrenagem midiática pode ser seletiva e privilegiar os escândalos em detrimento de interesses mais nobres. Charles é um homem inteligente e sensível, formado em Cambridge, onde se especializou em arqueologia e arquitetura, e preocupado com o destino que o homem reserva ao planeta. O príncipe é um personagem muito mais complexo e interessante do que se pode imaginar, a partir do tratamento que lhe dispensa a mídia em geral.

O herdeiro do trono da Inglaterra tem 64 anos e nunca interessou muito os jornalistas, por não provocar grandes escândalos. Seu casamento com a princesa Diana elevou-o à condição de alvo para os paparazzi, muito mais pela beleza, carisma e fotogenia da mulher que tinha a seu lado do que por um interesse nos atos e projetos do príncipe. Além disso, apenas a relação paralela que Charles manteve com a amiga Camilla, com quem se casou posteriormente, interessou durante certo tempo a uma certa imprensa, ávida por escândalos.

Rainha longeva

Introvertido e alheio à vida mundana e superficial que fizeram a glória de outros nobres desocupados mundo afora, Charles seguiu construindo sua biografia de homem discreto e reservado. Extremamente crítico da qualidade da arquitetura londrina do pós-guerra, um dos melhores momentos do filme é quando ele percorre o Tâmisa de barco, apontando monstrengos pesados construídos às margens do rio, explicando por que são inadequados na paisagem urbana, e diz : “Os franceses não teriam permitido essa agressão a Paris”.

O documentário analisa a difícil relação de Charles com seu pai, um homem duro e exigente, que nunca entendeu o temperamento romântico do príncipe, que teve em seu padrinho, Lord Mountbatten, um verdadeiro mentor. O assassinato de Mountbatten, primo da Rainha Elizabeth, por uma bomba do IRA, em 1979, deixou em Charles um enorme vazio. Sua avó materna, morta em 2002, aos 102 anos, foi a outra grande referência na vida do príncipe, presença que compensava as longas ausências da mãe.

Educado para ocupar o trono da Inglaterra, o príncipe Charles teve de construir seu próprio destino para, enquanto espera, não se limitar a cumprir um protocolo exigente e devorador que muitos meses antes lhe traça cada minuto de sua vida. Interessado na agricultura tradicional, na humanização da vida nas cidades, Charles sempre se engajou em causas ecológicas, sabedor que os países desenvolvidos precisam dar marcha a ré no modelo poluidor e insustentável.

Durante o governo de Margaret Thatcher, chegou a incomodar politicamente ministros da primeira-ministra conservadora. Um deles aparece no documentário criticando a atuação política do príncipe, que ia de encontro à política de Thatcher para os trabalhadores de um determinado setor da economia.

Se Elizabeth for tão longeva quanto sua mãe, o príncipe Charles corre o risco de desaparecer antes dela. Ficará a memória de um humanista, um homem culto e profundamente consciente dos perigos que ameaçam a Terra com a mudança climática, o aumento da demanda alimentar e o desenvolvimento urbano.
***
[Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris]

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Dama de ferro ?



Na terça-feira, entre os dois turnos da eleição legislativa, para eleger deputados do Parlamento francês, Valérie Trierweiler, que não quer ser chamada de  primeira-dama, criou a polêmica que ninguém podia esperar, além de um enorme embaraço para o presidente François Hollande. Este declarou apoio a Ségolène Royal, sua ex-companheira e mãe de seus quatro filhos, candidata do Partido Socialista a deputada pela circunscrição da cidade de La Rochelle. No segundo turno, dia 17 de junho, Ségolène vai enfrentar um dissidente do PS, Olivier Falorni, que, contrariamente à regra ditada pelo partido, não quis desistir da disputa do segundo turno, o que daria automaticamente a vitória à primeira colocada, Ségolène Royal. 

Valérie Trierweiler enviou na terça-feira um tweet a Falorni que dizia : « Desejo coragem a Olivier Falorni que tem mérito e luta ao lado dos habitantes de La Rochelle há muitos anos, num engajamento desinteressado ». O que explica o inesperado e surpreendente apoio da atual companheira de Hollande ao oponente de Ségolène Royal, ex-companheira do presidente ? 
« Pensei que íamos ter problemas políticos pela frente e não problemas conjugais », ironizou em off um conselheiro do Eliseu. E não se falou mais de outra coisa em todas as mídias. A gaffe, intencional ou não, ocupou o noticiário de todas as mídias e foi a principal manchete dos jornais franceses com alusões a Pompadour, a vaudeville no Eliseu. A mistura de vida íntima do presidente com a política nacional envergonha os socialistas mas deleita a direita.  Libération intitulou na primeira página desta quarta-feira : « La première gaffe de France » com uma foto da « primeira-dama ».
A era Hollande promete ser acompanhada como uma telenovela ou uma série americana estilo « Dallas ».

Quanto à expressão « primeira dama » Valérie Trierweiler havia dito que não quer ser chamada assim, quer encontrar outra expressão mais moderna. Mas antes de achar a palavra apropriada para designar sua função, a compagne do presidente Hollande, continua a escrever sobre livros e cultura para a revista Paris Match, onde era jornalista política antes da candidatura a presidente do seu companheiro. Pela primeira vez uma casal não casado ocupa o Eliseu e pela primeira vez a primeira dama contesta essa expressão por julgá-la inadequada.

Veneza ameaçada 


 Como você se sentiria se morasse numa cidade tranquila e silenciosa, de 60 mil habitantes, de onde os carros são banidos, onde se circula basicamente a pé ou por barcos e tivesse de suportar a invasão anual de 20 milhões de turistas ?

Á beira de um ataque de nervos ? Pois é assim mesmo que se sentem os venezianos. Em um mês de maio ensolarado, a cidade está cheia, como durante o ano inteiro. São 60 mil visitantes por dia !  Nos meses das férias de verão europeu (julho e agosto) e durante o carnaval, a cidade é literalmente tomada pelos turistas, suas ruas e pontes ficam engarrafas com pessoas do mundo inteiro percorrendo as pontes e ruelas com olhar deslumbrado. O turismo de massa, fenômeno típico do século XX, democratizou as férias e as viagens e está matando Veneza.
Ao voltar a Paris, vimos um documentário excelente na TV francesa que mostrava o desespero dos habitantes da cidade diante da invasão, sobretudo pelos grandes navios, que vai acabar por colocar em perigo a segurança das fundações dos palácios e habitações que repousam dentro d’água. Na passagem dos imensos navios de cruzeiro perto da Punta de la Dogana, grupos de venezianos seguram faixas que dizem « Vão embora, Veneza não precisa de vocês ». 

Ao passarem ao largo, binóculos e máquinas de fotografia em punho, os turistas podem fotografar os venezianos dando um dedo, naquele gesto universal, a quem invade as frágeis águas da lagoa.

O prefeito de Veneza vai acabar cedendo aos ambientalistas que insistem que ele deve renunciar à entrada de milhões de euros que representam os monstros marinhos, que ameaçam a fauna e a flora da lagoa, além de pôr em risco as fundações da cidade.

 


Silêncio, Pompeia desaparece. E a Camorra espreita
Com esse título, o caderno Cultura e Ideias do Le Monde fez uma longa matéria de capa contando como a extraordinária cidade destruída pelo Vesúvio no ano 79 depois de Cristo está completamente abandonada por um governo italiano que vê seu patrimônio histórico desmoronar, sem recursos para restaurar e conservar. Segundo o arquiteto responsável pela ONG « Observatório do Patrimônio Cultural », Antonio Irlando, « para cada desabamento que sai nos jornais do mundo todo, outros nove acontecem em Pompeia, sem que ninguém noticie ».

Um dos maiores sítios arqueológicos do mundo, Patrimônio da Humanidade da Unesco desde 1997, Pompeia se degrada e se decompõe a cada ano que passa. Em março deste ano, a União Europeia desbloqueou 105 milhões de euros para salvar o sítio de 44 hectares. Mas ela quer garantias de que o dinheiro vai ser bem utilizado, porque a Camorra costuma desviar os orçamentos destinados à restauração. 

Restaurar uma coluna dá menos lucro ao crime organizado do que ganhar a concorrência para construir um novo vestiário para os guardas que trabalham em Pompeia. Os brasileiros sabem o que significa o longo braço de mafiosos ávidos do dinheiro de obras públicas.
Para prevenir-se contra os riscos de desvios e uso inadequado de recursos, o historiador de arte francês Philippe Daverio sugere que como a Itália não tem mais condições financeiras nem humanas de preservar seu patrimônio, « o mais inteligente seria confiar a gestão de Pompeia a quatro ou cinco grandes universidades mundiais sob a autoridade de um curador ».

Aposentadoria dourada

A revista econômica Challenges detalhou para seus leitores o que ganhará Sarkozy de agora em diante : 6 mil euros de aposentadoria como ex-presidente, viagens gratuitas, um apartamento. Como membro do Conselho Constitucional (um direito de todo ex-presidente) ele receberá mais 11 mil euros líquidos por mês. A essas vantagens, ele soma o apartamento funcional, dois policiais para sua segurança permanente, um carro com dois motoristas, além de sete assessores. Tudo pago pelo contribuinte. Além disso, Sarkozy vai poder viajar gratuitamente e sem limites pela Air France em classe executiva e na SNCF (empresa nacional de trens) em primeira classe.
Citando o livro do deputado René Dosière « O dinheiro do Estado », a revista informa que cada ex-presidente custa 1,5 milhão de euros por ano ao cidadão francês. Por enquanto são três : Giscard d’Estaing, Jacques Chirac e Sarkozy.

Au secours : le silence tue !
Esse grito de socorro diz uma verdade : o silêncio mata. O silêncio diz respeito ao jogador de futebol Mahmoud Sarsak, um palestino de 25 anos, preso por Israel quando vinha de Gaza para participar de um jogo de futebol na Cisjordânia. Ele está preso sem culpa formal, sem processo e está completando esta semana 85 dias de greve de fome, que pode matá-lo. Sarsak foi preso dia 22 de julho de 2009 no check point de Erez quando ia para Naplouse na Cisjordânia para o jogo da equipe nacional da Palestina.
No momento em que o campionato europeu de futebol está acontecendo na Ucrânia e na Polônia, o comitê de luta pela liberdade de Sarsak e de outros 300 prisioneiros organizou uma manifestação na Federação Francesa de Futebol para pedir a libertação imediata do jogador, que corre risco de vida. O relator especial da ONU sobre os direitos humanos para os Territórios palestinos ocupados, Richard Falk, disse que « Israel deve cessar o tratamento injusto dado aos prisioneiros palestinos e a comunidade internacional deve dizer a Israel que esse tipo de detenção administrativa é inaceitável ». Ele pediu a libertação imediata de diversos prisioneiros em greve de fome por se encontrarem sob « detenção administrativa ».
Israel usa e abusa da « detenção administrativa » que permite que a prisão sem nenhuma acusação concreta seja feita por períodos de seis meses, renováveis indefinidamente. Os prisioneiros em greve de fome não podem ser vistos por médicos independentes. As associações de defesa dos direitos humanos palestinas (Addameer e Al Haq), israelense (Physicians for Human rights) e a Anistia Internacional pedem a libertação imediata de todos os presos em detenção administrativa, considerada uma aberração jurídica.

Vueling : uma aventura
Pegar um avião em Paris para aterrisar em Florença pode ser uma aventura de muitas horas apesar de o vôo durar pouco mais de uma hora.
No aeroporto de Orly, o vôo Vueling (companhia espanhola) de 19h teve a partida atrasada por motives não explicados. Partimos com mais de duas horas e meia de atraso.  No meio do vôo, o comandante nos anuncia que vamos descer no aeroporto de Bolonha ! Ao chegarmos, já passava das onze da noite. Aparentemente, o aeroporto de Bolonha, totalmente vazio, só esperava nosso vôo para fechar as portas. No local das bagagens ouvimos um anúncio de que os ônibus que nos levariam a Florença não estavam disponíveis na saída do aeroporto.
« Aconselhamos aos passageiros tomarem táxis para Florença. A Vueling reembolsará o valor pago ».  Quem disse que quase meia noite os taxistas de Bolonha estão dispostos a ir até Florença, a uma hora de viagem pela auto-estrada cheia de obras ? Um a um eles passavam, e cada passageiro do grupo de mais de cem pessoas em fila explicava o destino. Alguns negociavam um preço, outros diziam que não interessava ir a Florença. Finalmente, ao chegar nossa vez, encontramos um simpático italiano que nos levou até o aeroporto de Florença pois não tem permissão de entrar na cidade vindo de outro município. Dividimos o carro com um americano e com uma italiana. De là, ele chamou um taxi de Florença para nos levar ao centro.
Chegamos ao hotel quase às duas da manhã. Ao voltar de Florença, tratamos do reembolso preenchendo um formulário no aeroporto. Resposta da Vueling por e-mail : normas europeias para vôos que atrasam até duas horas ou mais de duas horas prevêem troca do bilhete, reembolso etc etc. Nenhuma palavra sobre o reembolso do taxi. Nem para negar nem para pagar. Fomos todos enganados.
Nossa viagem durou uma eternidade, foi cansativa, estressante e custou mais caro. E a Vueling ignorou sua responsabilidade e promessa de reembolso.

Maria Bonomi fecha um ciclo em Paris*
*Matéria publicada dia 31 de maio na Folha de São Paulo
Leneide Duarte-Plon, de Paris


A primeira exposição individual de Maria Bonomi em Paris é grandiosa e magnífica. Logo na entrada do imponente « hôtel particulier » pertencente à Maison de l’Amérique  Latine - antes residência do célebre Dr. Charcot que atraiu à capital francesa o jovem doutor Sigmund Freud - uma sala toda pintada de vermelho expõe a mais recente obra da artista : quatro esculturas suspensas, em formato côncavo. No chão, um globo em alumínio chamado “Super Quadrante Amor inscrito” dialoga com as obras aéreas. O chão é coberto de pedaços de tecido vermelho que os visitantes pisam enquanto percorrem a sala.
Para apresentar a grande artista brasileira ao público francês e preencher a lacuna existente na cultura local em relação à obra de Bonomi, o curador Jorge Coli escolheu 40 obras representativas de todas as fases da gravadora, que utiliza não somente a madeira mas também o alumínio e o concreto para « impregnar o sulco, o protagonista de toda sua obra », como ela explica. Para a artista, essa exposição fecha o ciclo começado em 1967, quando recebeu o prêmio  especial de gravura na Bienal de Paris.
Na tarde chuvosa de segunda-feira, Maria Bonomi conduz um grupo pelas salas da exposição, inaugurada dia 15 de maio pelo embaixador José Maurício Bustani. Admirar as obras de um artista guiado pelo próprio autor é um privilégio que não escapa a nenhuma delas.
Ao passar por cada uma das obras, Maria explica a técnica e a contextualiza no tempo. « Balada do terror » foi feita para homenagear Dulce Maia e todos os torturados pela ditadura militar. É difícil ficar indiferente a essa obra e a outras do mesmo período, chamadas « Calabouço », sombrias como a ditadura militar, que prendeu a artista juntamente com outros intelectuais por assumirem posição contra a censura e denunciarem a tortura.


« A exposição é importante porque Paris não conhece sua obra. São excepcionais criações que provêm de uma artista cuja qualidade de produção é reconhecida. E expor em Paris significa maior afirmação internacional para uma artista já consagrada no Brasil », diz o curador. « O público francês vai poder descobrir o rigor compositivo associado à leveza luminosa, as transições entre gravação, escultura e arquitetura ».
A retrospectiva da obra de Bonomi parte de seu núcleo genético mais forte, a xilogravura. Algumas matrizes em madeira, verdadeiras esculturas que a artista convida o visitante a admirar com os olhos e com o tato, vieram também, assim como esculturas em metal como « Favela », espécie de grande arcada esculpida em alumínio.
Maria Bonomi gosta que as pessoas acariciem a superfície de suas matrizes. Por isso, sugeriu que fossem colocadas em algumas obras a etiqueta com a inscrição "Prière de toucher" (Toque, por favor), o oposto da advertência que se pode ler nos museus: "Défense de toucher" (Proibido tocar).
 Pela rebelião sustentávelEdgar Morin :
 O filósofo francês critica Israel e a hegemonia do lucro
Leneide Duarte-Plon, de Paris* (Essa é a íntegra da entrevista publicada na Carta Capital de 16 de maio de 2012)
 Vestido com elegância, lenço de pescoço combinando com a camisa e o casaco, Edgar Morin, de 90 anos, recebe Carta Capital em seu apartamento de Paris, a poucos metros do Jardin du Luxembourg. Enquanto dá a entrevista, o sociólogo e filósofo prepara seu almoço. De vez em quando se levanta ao ouvir o sinal para controlar o forno. Ao abrir a porta falando ao telefone com alguém que quer lançar sua candidatura à Academia Francesa, Morin, autor de uma obra considerável na área das ciências sociais, respondeu a seu interlocutor que a Academia « não faz parte de suas fantasias ».
O ex-membro da Resistência Francesa, de origem judaica, não se chamava Edgar Morin. Seu nome foi trocado durante a guerra para se proteger das leis raciais do governo de Vichy. Sua defesa do Estado Palestino lhe valeu críticas e mesmo um processo por antissemitismo. Ele explica: “Qualquer crítica à política israelense é rotulada de antissemitismo, mesmo quando vem de um judeu. Netaniahu tenta abafar o problema palestino e se vier a lançar um ataque contra o Irã embarca numa aventura da qual não se pode medir as consequências ».
O ex-militante comunista mantém o socialismo como horizonte e se tornou cada vez mais um defensor do desenvolvimento sustentável e deixa isso claro nos dois últimos livros que lançou : « La voie » (O caminho) e « Le chemin de l’espérance ». Ele assina este com o ex-embaixador Stéphane Hessel, de 94 anos, autor do best-seller planetário « Indignez-vous » (mais de 4 milhões de exemplares vendidos no mundo). « Le chemin de l’espérance » já ultrapassou os cem mil exemplares. 
Numa idade em que a maioria das pessoas estão aposentadas, Morin viaja o tempo todo através do mundo para conferências, escreve artigos nos jornais franceses e pode ser visto na TV em programas de debates políticos.
Na entrevista exclusiva ele declara que « a grande questão atualmente é saber como abolir a especulação do capital financeiro que aterroriza os Estados e esmaga os povos como na Grécia ».
CC : O senhor, como Stéphane Hessel, tem uma autoridade moral reconhecida. Depois do grande sucesso do livro « Indignez-vous », de Hessel, ele assina com o senhor « Le chemin de l’espérance » (O caminho da esperança). O que os motivou ?
Edgar Morin : Depois de « Indignez-vous », diziam a Hessel, não basta indignar-se. Ele dizia : « Mas o livro de Edgar Morin, « La voie » (O caminho) já aponta o caminho. Como ele pensava que tínhamos as mesmas ideias, decidimos fazer um pequeno livro, num contexto mais francês para defender uma política possível mesmo num país que se encontra numa situação de interdependência com a globalização, a Europa etc. A ideia era de dizer num momento de campanha para as eleições presidenciais que uma outra política é possível, um outro caminho.

CC :    No livro « La voie » o senhor cita o livro « Globalisation : le pire est à venir »  (« Globalização, o pior está por vir ») de Patrick Artus e  Marie-Paule Virard, escrito antes da crise de setembro de 2008. Cita também Alan Greenspan, ex-presidente do Banco Central Americano (Federal Reserve-FED) que reconhece em seu livro “Le temps des turbulences”(O tempo das turbulências) que « a finança mundial tornou-se um barco sem rumo, desconectado das realidades produtivas ». Que caminho o senhor propõe ?

Edgar Morin : Nesse livro, reconheço que depois da morte dos totalitarismos do século XX, quando pensamos que ia surgir uma nova época de liberdades, novos monstros surgiram como inimigos da humanidade : por um lado esse capitalismo financeiro desconectado de qualquer produção e por outro lado as múltiplas formas de fanatismos que podem ser nacionalistas, étnicas, religiosas. Esta é a ideia mestra. Isso vai ser cada vez mais enfatizado e espero que não seja tarde demais.
CC : No livro, vocês escrevem : « Queremos contribuir para a formação de um poderoso movimento de cidadãos, para uma insurreição das consciências que possa dar origem a uma política à altura das exigências de liberdade, de socialismo, de comunismo e de ecologia ». O senhor pensa que esse movimento de cidadãos começou, de certa forma, com o Front de Gauche, formado pelo partido de Jean-Luc Mélenchon com o Partido Comunista ?
Edgar Morin : Em parte. O Front de Gauche faz uma crítica justa da situação atual mas não nos aponta uma nova via satisfatória. Mélenchon diz que é preciso fazer os ricos pagarem, dar um salário mais decente aos que são explorados, uma série de coisas que são justas mas não vejo a ideia de mudar de caminho, a ideia desse tipo de política que propomos de desenvolver a economia social e solidária, na qual a agricultura e a criação de animais industriais serão substituídas pela agricultura familiar e orgânica, enfim, uma série de medidas que propomos que representam ums nova via. Talvez eles ainda estejam presos a uma lógica antiga herdada do antigo comunismo. Há um início de transformação mas… Mesmo reconhecendo a força de Mélenchon, seu punch intelectual, creio que ele não evoluiu o bastante pois pensa que Fidel Castro não foi um ditador, que a China atual é um Estado normal. Penso que ele continua prisioneiro de ideias que não são pertinentes. 
CC : Na política francesa há quem encarne essas suas ideias ?
Edgar Morin : Não, mas veja Montebourg e a desmundialização. Eu digo que é preciso conjugar mundialização e desmundialização. Esse gênero de idéias que defendemos não foi ainda encarnado por políticos. O movimento existe, há muitos cidadãos dispersos, há adesões de pequenos grupos. Existimos, mas ainda não somos uma força concentrada.
CC : No « Caminho da esperança » lê-se : « Ao pretender suceder às ideologias revela-se como uma ideologia falida. O laisser-faire provocou mais empobrecimentos que enriquecimentos”. Vocês propõem uma economia social e solidária. Como seria ela ?
Edgar Morin : Se desenvolvermos a agricultura familiar e orgânica produziremos alimentos de qualidade para todos. Mas seria preciso desenvolver cooperativas, associações. Na França, existem as Amaps onde os produtores agrícolas trazem diretamente seus produtos para cidades como Paris eliminando intermediários predadores. Isso é o comércio equitável como funciona atualmente para os pequenos produtores de cacao, de café da América Latina. Essa prática deveria ser generalizada. Mesmo no ambiente da empresa capitalista existe o que se chama de « empresa cidadã » na qual o empresário não quer apenas ter lucro mas tenta também ter um papel útil à sociedade. Há toda uma convergência de correntes que hoje deveriam nos dar uma bandeira de uma economia plural na qual progressivamente a hegemonia do lucro seria reduzida porque desenvolveríamos cada vez mais outras formas de produção e de consumo.
CC : Mas sem abolir o capitalismo…
Edgar Morin : Como aboli-lo ? Não se pode abolir o capitalismo por decreto. Na Rússia, eles liquidaram o capitalismo e produziram um capitalismo ainda mais vigoroso, mais voraz. A questão é saber como abolir a especulação do capital financeiro que aterroriza os Estados e esmaga os povos como na Grécia. Contra essa especulação pode-se lutar, um pouco no âmbito de uma nação mas seria interessante se pudéssemos fazê-lo no plano internacional mas o capitalismo é algo que se metamorfoseou, transformou-se e pode ainda se transformar, mas queremos reduzir as regras do lucro.
CC : No seu livro « Ma gauche », uma antologia de artigos já publicados, o senhor faz uma síntese da ecologia e do socialismo que poderia tornar-se um bom programa de um candidato à presidência. O senhor é favorável ao abandono da energia nuclear, depois do acidente de Fukushima ?
Edgar Morin: Claro, sou pelo abandono progressivo da energia nuclear. Até a Alemanha decidiu fazer esse abandono progressivo. A França pode fazer um pouco mais devagar, é mais difícil porque ela é uma potência industrial e nuclear, então existem resistências. Penso que é preciso ter como perspectiva o abandono da energia nuclear que pode ser complementar com o desenvolvimento das energias renováveis, solar, eólica, geotérmica etc. Há uma nova economia verde que deve se desenvolver e é por isso que digo que é preciso que haja crescimento dessa economia verde com o « descrescimento » da outra economia que é poluente e que é uma economia de desperdício e frivolidade.
CC : Entre as citações que abrem seu livro « La voie », há a frase de Kenneth Boulding : « Quem acredita  que um crescimento exponencial pode durar para sempre num mundo finito é um louco, ou um economista ». Qual o futuro do homem no planeta Terra ?
Edgar Morin : No futuro haverá uma possibilidade de metamorfose sociológico-cultural que responde à realidade da interdependência planetária atual. No meu livro digo que tudo deve ser reformado, a justica, a economia, a burocracia, o consumo, o modo de vida, o amor.
CC : O homem está destruindo o planeta ?
Edgar Morin : Incontestavelmente. Não o destruimos totalmente porque o planeta pode subsistir quando o homem não existir mais. E mesmo após uma guerra atômica em que nos destruirmos as formigas e outros animais podem sobreviver. O que está sendo destruído é a biodiversidade vegetal e animal, complementares na nossa biosfera. Nós destruímos o planeta com nosso desenvolvimento técnico-industrial. A bomba pode acelerar um pouco as coisas.
CC : O senhor acha possível um ataque preventive de Israel contra alvos iranianos? Num artigo do jornal « Le Monde » este mês, três especialistas dizem que seria um erro e que as consequências seriam dramáticas. Segundo eles, esse ataque partiria de um país não-signatário do TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares), Israel, contra um país signatário, o Irã. Isso provocaria uma implosão do TNP que é até agora o único muro de proteção contra a proliferação nuclear. O que o senhor pensa dessa análise ?
Edgar Morin : Duas coisas são evidentes : Israel, o Paquistão e a India fabricaram suas bombas atômicas sem autorização. Se o Irã faz a sua ele está seguindo o mesmo exemplo. O Irã é uma ditadura político-religiosa extremamente criticável mas ele ainda não fez sua bomba enquanto que Israel deve ter entre 100 e 200 ogivas nucleares. Penso que o perigo do Irã na situação mundial que é real não é o da energia nuclear. Acho que é o perigo da degradação dos conflitos múltiplos do mundo muçulmano do Oriente Médio, entre chiitas e sunitas. Essa situaçéao é instável e o papel do Irã é muito negativo para um futuro acordo no conflito Israel-Palestina. A intenção de Netanyahu de bombardear o Irã é uma forma de desviar a atenção da questão palestina, da colonização que continua. Ele tenta abafar o problema palestino e ao mesmo tempo se ele desencadeia um ataque ao Irã ele se lança numa aventura da qual não se pode medir as consequências. Ele age como aprendiz de feiticeiro e isso é extremamente perigoso.
CC : No jornal « Le Monde » de 8 de fevereiro, o senhor escreveu um artigo no qual diz que cada nação deveria procurar « a simbiose do melhor de todas as culturas ». O senhor cita Montaigne que denunciou a barbárie da conquista das Américas e diz que a cultura europeia produziu uma barbárie europeia evidente no colonialismo e nos totalitarismos fascista, nazista e comunista. No mundo, tudo parece conspirar contra esse universalismo humanista que o senhor prega. O que o senhor pensa ?
Edgar Morin : Retomei teses de dois livros que escrevi : « Culture et barbarie européenne » (Cultura e barbárie europeia) e « Penser l’Europe » (Pensar a Europa). Parto do paradoxo europeu. Isso é válido para a Europa ocidental mas também para a Rússia que colonizou a Ásia e a Sibéria. Mas sobretudo foi a Europa ocidental quem produziu um poderoso domínio sobre o mundo a partir do século XV até meados do século XX, com tudo o que isso comporta, a escravidão, a dominação colonial, a dominação dos povos. O paradoxo é que apesar de a Europa ser o berço de uma das dominações mais terríveis sobre parte do mundo, ela foi o berço de ideias de emancipação. E em especial a França. Houve Montaigne, que como Bartolomeu de las Casas, era de origem marrane. Ambos sabiam o que seus ancestrais, que eram judeus, tinham sofrido como perseguição e por isso podiam compreender melhor que ninguém as perseguições que sofriam os indígenas das Américas. E é por isso que Montaigne, que cito bastante (ele dizia « chamamos bárbaros os povos de outras civilizações ») mostrava que os indígenas que comiam seus inimigos mortos não lhes faziam mal já que estavam mortos. Mas os conquistadores torturavam os seus inimigos. E essa tradição de Montaigne sempre foi minoritária. Mas ela continua em Montesquieu que disse : « Se algo é útil a minha pátria e nocivo para a humanidade, não farei essa coisa. E, ao contrário, se uma coisa é útil à humanidade e nociva à minha pátria, eu o farei ». E temos ainda Rousseau, Diderot, Voltaire e todos os princípios da Revolução Francesa. Mas esses belos princípios não foram aplicados. A Revolução aboliu a escravidão mas ela foi restabelecida no Haiti alguns anos depois.
CC : Por Bonaparte…
Edgar Morin : Sim, por Bonaparte. Foi preciso esperar 1848 para que a escravidão fosse oficialmente abolida pela França, no Brasil foi um pouco mais tarde. Há um paradoxo : havia princípios universais que não eram aplicados aos outros povos. Diziam que eles não eram ainda civilizados, que eram infantis demais. Mas quando os oprimidos começaram a querer se libertar eles o fizeram « em nome do princípio dos direitos dos povos, em nome do princípio dos direitos humanos ». Esse é o paradoxo da cultura ocidental e sobretudo francesa : eram essas idéias que permitiam aos povos de se emanciparem e o outro lado é que a gente não usou essas ideias quando quis continuar a dominação. E, por outro lado, a ideia de que o Ocidente tem o monopólio da verdade e da racionalidade é uma idéia que continua hoje e é por isso que se pensa que somos uma civilização superior.  Para mim, não é a civilização que é superior, são alguns princípios qui foram pouco reconhecidos no mundo como os direitos humanos, do homem e da mulher, a crítica da autoridade incondicional dos patriarcas e dos chefes, a laicidade. Por isso digo que é preciso fazer a simbiose, as ideias positivas que vêm do Ocidente devem ser introduzidas nos países não-Ocidentais. Mas essas culturas têm valores importantes de solidariedade que nós desintegramos assim que se introduz o individualismo egoísta. Corrompemos as civilizações tradicionais. Introduzimos valores de liberdade mas, ao mesmo tempo, os vícios do mundo ocidental. O paradoxo é que queremos impor nossa civilização como solução, enquanto nossa civilização já está em crise porque seus aspectos negativos se desenvolvem mais rapidamente que os positivos. O verdadeiro universalismo reconhece a unidade na diversidade e a diversidade na unidade. Somos todos seres humanos que têm as mesmas virtudes, os mesmos direitos mas as culturas são diferentes. Precisamos reconhecer essa diversidade mas como estamos numa época planetária, precisamos proteger o que há de bom em outras culturas : valores de solidariedade, de comunidade, de relações com a natureza (que agora tentamos reencontrar com a consciência ecológica), o respeito para com os mais velhos (enquanto na nossa civilização enviamos os velhos para asilos geriátricos para nos livrarmos deles). Em muitas civilizações, há também saberes que perdemos porque vivemos num mundo precipitado, ativista e cronometrado em que só vemos o cálculo. É preciso ter autocrítica sem ser masoquista. Precisamos reconhecer as virtudes dos outros sem pensar que não temos virtudes. Eis o nível de complexidade do universalismo.
CC: Mas quando se pensa em aceitar outras culturas, como aceitar a charia que oprime as mulheres ?
 Edgar Morin : Os valores importantes são os direitos dos homens e os direitos da mulher. Em relação ao Islã, veja o que se passou com o cristianismo e o catolicismo. Ele produziu a Inquisição na Espanha, a eliminação dos judeus e dos muçulmanos, o terror sobre os espíritos laicos. Precisamos lembrar que um pouco antes da Revolução, o Chevalier de la Barre foi executado porque se recusou a tirar o chapeu diante de uma procissão religiosa. Nós ganhamos graças aos progressos da laicidade e das ideias democráticas e a religião católica diminuiu sua influência na vida privada. Penso que o Islã tem três séculos de atraso em relação a essa evolução. Aliás, conheço muitos muçulmanos aqui e em países do Norte da África que são totalmente leigos, ainda que tenham conservado a fé religiosa.
CC : O senhor escreveu no Le Monde um texto intitulado « Israel-Palestina : o câncer » há alguns anos e foi processado por « antissemitismo ». Esse artigo de uma página lhe valeu um processo por « antissemitismo » sendo inocentado. Na França não se pode criticar Israel ?
Edgar Morin : Como sabemos, essa é a estratégia não somente das autoridades políticas israelenses mas também dos representantes das instituições ditas comunitárias judaicas na França como o CRIF (Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França). O CRIF é uma empresa que tem por finalidade justificar tudo o que Israel faz. É uma máquina de justificar. Antigamente os Partidos Comunistas justificavam tudo o que a União Soviética fazia. Agora é o CRIF para Israel. A única maneira de justificar é dizer « não existe colonização » ; « não, Israel é uma democracia ». E qualquer crítica à política israelense é rotulada de antissemitismo mesmo quando vem de um judeu. Isso é uma forma de delírio e de histeria política que dá certo. Por que ? Primeiramente, porque há uma grande parte de judeus que têm uma espécie de cordão umbilical com Israel, que para eles é muitas vezes a primeira pátria, outras vezes é a segunda e esses gostariam que Israel seja puro e sem mácula e não querem que se aponte as manchas que existem. Por quê ? Por que no mundo europeu e sobretudo na Alemanha houve um complexo de culpa ocasionado pela política de exterminação de Hitler. Na França, o governo de Vichy colaborou com a deportação dos judeus. E esse complexo de culpa, que é lembrado o tempo todo, é algo que paraliza toda crítica a Israel. Mas isso não impede de se fazer crítica. Ninguém é assassinado por criticar Israel. Mesmo os processos que alguns advogados a serviço incondicional de Israel fazem não são sempre vitoriosos. Ainda se pode criticar mas quando se critica, podemos ser imediatamente acusados de antissemitismo.
CC : O que o senhor pensa do « Tribunal para a Palestina », criado para julgar os crimes de guerra de Israel em Gaza e do qual fazem parte Desmond Tutu (prêmio Nobel da Paz), Stéphane Hessel, Noam Chomsky entre muitos outras personalidades do mundo inteiro, inclusive rabinos ?
Edgar Morin : Acho que tudo o que pode ser feito para mostrar os excessos feitos pelas repressões israelenses é bom. Logo, o Tribunal nesse sentido é uma boa iniciativa pois ele tenta trazer à luz coisas que o governo israelense gostaria de ocultar.
CC : E por que o senhor não faz parte dele ?
Edgar Morin : Por que não fui convidado.  
CC : Como o senhor viveu a primavera árabe ? O que pode surgir das revoluções tunisiana, egípcia e líbia ?
Edgar Morin : Vi essas revoluções com muita alegria. Elas mostram que as mesmas aspirações que temos existiam nessas juventudes árabes e mesmo numa grande parte da população muçulmana. Mas vai acontecer o que aconteceu com a Revolução Francesa, isto é, 1789 era um raio de sol e depois houve fenômenos de regressão, confiscos, o Terror, Bonaparte. A primavera árabe é o início de uma nova aventura histórica no mundo árabe. Haverá consequências negativas e muitas consequências positivas, tenho certeza.
CC : O caso sírio parece muito complexo. Na sua opinião, os Estados Unidos estão por trás da insurreição na Síria com o objetivo de desestabilizar o Irão ou o que se passa na Síria é uma revolta real da população que se confronta a um ditador forte, apoiado pela Rússia e pela China?
Edgar Morin : Evidentemente que a China e a Rússia são um apoio importante para Bashar Assad e é evidente que ele é um ditador. Mas é também de admirar que a oposição esteja tão dividida. Acontece o mesmo que no mundo árabe depois da primavera, não há uma saída política, não há uma nova via, isso é trágico. Talvez a insurreição consiga derrubar Bashar Assad mas e depois ? Veja a Líbia, um tirano abominável foi derrubado mas e agora ? Esse problema é muito difícil. Eu conversava há alguns meses com o embaixador do Iraque em Paris, um homem culto. Perguntei-lhe : « O senhor pensa que os aspectos positivos da guerra americana são mais importantes que os aspectos negativos ou é o contrário ? Nós conhecemos os aspectos positivos que foi evidentemente a eliminação de Saddam Hussein, conhecemos os aspectos negativos, entre outros, o esfacelamento de um país prestes a se desmembrar em pequenos pedaços, vítima de uma série de crises não apenas econômicas mas políticas e étnicas ». Ele me respondeu : « Ainda é cedo para lhe dar a resposta ». Então para a Síria, vivi todos os sofrimentos por que passaram os rebeldes mas não sei o que virá dessa rebelião.