sábado, 24 de maio de 2008

Os limões da discórdia

A última cena do filme Les citronniers (Os limoeiros), do israelense Eran Riklis, é o desfecho melancólico da história do filme. Mas também é uma metáfora da história de dois povos, palestinos e israelenses, separados por um muro real que os transforma em prisioneiros da lógica da ocupação militar e da lei do mais forte.

O ministro israelense da Defesa, que tem sua casa protegida pelo muro erguido por Israel, não é menos prisioneiro que a mulher palestina que ele observa do outro lado. Ambos são vítimas de uma lógica de apartheid e ódio que parece não ter fim.

O filme não tem nenhuma cena de violência real, não mostra nenhum atentado. Vê-se rapidamente uma tentativa de atentado sem grande violência e sem importância no roteiro. A história gira em torno da dura e árida vida de uma viúva palestina que sobrevive à ocupação israelense graças ao pomar de limoeiros herdados do pai. Até o dia em que um ministro de Israel vem se instalar, com todo o aparato militar de guaritas e guarda-costas, numa confortável casa vizinha a seu terreno. Impedida de acesso ao seu pomar, ela contrata um advogado palestino e, assessorada por ele, resolve entrar na Justiça.

A atriz Hiam Abbas é uma das poucas atrizes capazes de representar em hebraico, árabe, inglês e francês. Sua extraordinária presença ilumina qualquer filme de que participe. Les citronniers é antes de tudo ela, sua expressividade, sua beleza mediterrânea, uma espécie de atriz talhada para a tragédia grega, mas que vive outra tragédia, deslocada no tempo e no espaço. Ela tem algo de Irene Papas, a mesma presença que ilumina a tela. Mas o filme é também um roteiro de uma grande inteligência, que evita os clichês sem esconder o absurdo e a violência da ocupação israelense.

Hiam Abbas viveu em Israel antes de vir morar em Paris e se casar com o ator Zinedine Soualem. Ela já trabalhou com Steven Spielberg no filme Munique, com Amos Gitaï em Désengagement e Free zone, com o próprio Eran Riklis em La fiancée syrienne e com Hany Abu-Assad em Paradise now.

Les citronniers é imperdível. Um grande filme para uma grande atriz.

Paris (colorida e alegre) para alemão ver

Nenhuma ocupação é colorida. A realidade de qualquer ocupação é em preto e branco atroz, violenta. As cores, quando existem, podem ser rapidamente tingidas pelo vermelho do sangue dos resistentes.

Por se saber que a ocupação de Paris pelos alemães não foi um mar de rosas, as imagens do fotógrafo André Zucca, numa exposição surpreendentemente bela geraram um longo e polêmico debate na imprensa. Pode haver descontração numa exposição da ocupação nazista de Paris?

Alguns jornalistas e intelectuais se chocaram com as fotos de uma Paris colorida, quase normal, na mesma época em que alguns franceses arriscavam a vida na resistência clandestina. Seria possível mostrar Paris em 1941, sob Ocupação nazista, como se fosse uma cidade descontraída, uma Paris de cartão postal, com elegantes nas corridas de cavalo de Auteuil e o cotidiano normal de bairros chiques como o Champs Elysées ou populares como o mercado Les Halles?

A ambigüidade das fotos coloridas explodiu como uma bomba nesta primavera parisiense, dando origem a um debate intenso sobre o poder da fotografia e sua relação com o real.

A exposição “Des Parisiens sous l’Occupation” (Parisienses sob a Ocupação) é a primeira de fotos de André Zucca na França. O próprio nome foi mudado por causa do debate suscitado. Ela se chamava “Les Parisiens sous l’Occupation” (Os parisienses sob a Ocupação) o que já parecia uma intenção de mostrar que ali se viam não alguns, mas os parisienses em geral.

As fotos coloridas que deram origem à polêmica na imprensa mostram pessoas que entram e saem do metrô, freqüentam cinemas e bebem nos terraços de café. Ao mesmo tempo, as fotos ocultam a trágica realidade dos resistentes torturados e mortos, os horrores da guerra, a perseguição dos judeus. Há apenas duas fotos em que são vistos um homem e uma mulher com a estrela amarela no peito, caminhando pelas ruas do Marais, tradicional bairro judeu, onde fica a Biblioteca Histórica da Cidade de Paris que desde março expões as 270 fotos de Zucca.

As fotos de Zucca foram encomendadas pelos nazistas para publicação na revista alemã Signal, célebre pela qualidade da fotografia, mas acabaram não sendo publicadas. A revista era diretamente ligada a Goebbels. Para que os menos informados não pensem que são fotos de alguém que fixava ao acaso o cotidiano de Paris, a prefeitura organizou debates e conferências públicas em torno do tema da comunicação visual e da fotografia de propaganda.

Por saberem o valor das imagens, os alemães controlavam estreitamente as ruas. O “privilégio” de fotografar a cidade era dado a fotógrafos, escolhidos a dedo. As fotos em preto e branco dessa época, pouco numerosas, foram feitas por fotógrafos sob estreito controle. E os caros filmes Agfacolor, ainda mais raros, eram fornecidos somente a poucos fotógrafos credenciados, como Zucca.

Algumas fotos mostram os soldados alemães, mas o que se vê é uma ocupação light, com tropas descendo a Avenida Champs Elysées depois da troca diária da guarda do Arco do Triunfo, a Rue de Rivoli enfeitada com a bandeira do Reich, ou ainda soldados misturados aos civis franceses fazendo compras no Mercado das Pulgas.

No fim da guerra, André Zucca foi julgado por colaboração com o ocupante, mas não foi condenado à morte como tantos outros colaboracionistas notórios. Mudou de nome, de cidade e morreu longe de Paris.

Germaine Tillion: um século de engajamento

E por falar em ocupação, a França perdeu uma grande dama que ganhou o respeito de todos por ter sempre combatido o bom combate: a antropóloga Germaine Tillion morreu aos 101 anos. Pessoas como ela mostram que o país dos direitos humanos soube forjar no século passado seres humanos dignos desse nome. Os torturadores da guerra da Argélia são, felizmente, a exceção.

Em 1942, ela era membro da Resistência do Musée de l’Homme quando foi presa pelos alemães e deportada para Ravensbrück. Quem a traiu foi o abade Alesch, um agente duplo que ao mesmo tempo trabalhava para o serviço secreto alemão. Em Ravensbrück, a antropóloga escreve uma opereta para divertir suas colegas do campo de concentração.

Germaine Tillion esteve engajada em todas as boas causas de seu tempo: depois de lutar contra a ocupação alemã, denunciou a tortura dos militares franceses na Guerra da Argélia e no fim da vida, centenária e ativa, ainda militava pelos novos parias da sociedade francesa, os trabalhadores estrangeiros “sans-papiers”.

Uma grande dama, que viveu mil e uma vidas durante um século. Para ela, as palavras generosidade e fraternidade não eram substantivos abstratos

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