sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Não era o leiteiro

Winston Churchill dizia da democracia: “Nesse regime, quando tocam à sua porta às 6 da manhã, você tem certeza de que é o leiteiro”.
Em Paris, a campainha tocou na casa do jornalista Vittorio de Filippis às 6h40m da manhã e não era o leiteiro. Eram quatro policiais com um mandado judicial. Levaram o ex-diretor do jornal “Libération” algemado para interrogatório, sem que o jornalista tivesse autorização de telefonar nem à sua família nem aos advogados do jornal. E ainda por cima é insultado pelos tiras que lhe dizem, diante de um de seus filhos: “Vocês são piores do que a escória”.
Chegando à delegacia, o jornalista descobre a causa de sua intimação: a publicação no site do jornal, em 2006, de uma história judicial envolvendo Xavier Niel, o fundador de um provedor chamado Free. Durante o interrogatório, de Filippis teve de ficar de cuecas diante dos policiais.
Dois dias seguidos, o “affaire” foi a capa de “Libération” e foi comentado em toda a mídia. Há quem veja na maneira de agir dos policiais uma tentativa de intimidação à imprensa.
“Tenho vergonha de meu país, essas aberrações administrativas ou judiciárias são revoltantes e repugnantes”, disse o ex-ministro e deputado Jack Lang.
Ao ser ouvido por jornalistas, Vittorio de Filippis se disse chocado com os métodos policiais e disse poder imaginar as situações a que são submetidos imigrantes que muitas vezes mal falam francês.
Mas se o presidente da república pediu, em outubro, à comissão Leger para “refletir sobre um procedimento penal mais respeitoso dos direitos e da dignidade da pessoa” significa que ele próprio reconhece que o atual é desrespeitoso.

Hospitais psiquiátricos de segurança máxima

A França vai mal. Pelo menos, pela leitura dos jornais, o que fica da atualidade do país é a impressão de uma democracia ameaçada. E não estou tendo uma súbita crise de pessimismo. A França vai mal mesmo.
Um doente mental esfaqueou um estudante numa rua de Grenoble? Eis um bom motivo para o presidente da República anunciar um plano para transformar os hospitais psiquiátricos em verdadeiras prisões de segurança máxima. A psiquiatria como um cárcere especial é a visão do presidente, que anunciou o desbloqueio de uma verba de 70 milhões de euros para a segurança dos hospitais psiquiátricos e mais 40 milhões de euros para a construção de unidades especiais para “doentes difíceis”. E mais 30 milhões de euros para o controle das entradas e saídas desses hospitais.
Na França, a loucura se transforma em crime e os doentes mentais em pessoas que requerem grades e hospitais de segurança máxima.
É uma visão retrógrada da loucura, digna do final do século XIX.

Perigo, jovens sem celular

Leituras consideradas subversivas, recusa de uso de telefones celulares e o fato de terem estado próximos de linhas de trem que sofreram ataques misteriosos, em novembro, prejudicando o transporte ferroviário francês em diversos pontos do país. Esses indícios foram suficientes para que a polícia antiterrorista francesa prendesse e entregasse à Justiça um grupo de cinco jovens, todos franceses e de formação universitária, que moravam numa fazenda próxima de Tarnac, um vilarejo da Corrèze, centro da França.
A sabotagem de linhas da SNCF foi um pretexto para a ministra do Interior, Michèle Alliot-Marie, desencadear a parafernália securitária do ministério, plenamente em sintonia com as idéias em voga sobre as ameaças dos grupos de extrema-esquerda.
O caso seria ridículo se não fosse a seriedade com que é encarado pelo governo o “surgimento de grupos de extrema-esquerda de tendência anarco-autônoma”. No caso dos jovens presos, não há nenhum indício que prove que praticaram ou tinham qualquer intenção de praticar atos de terrorismo. Na realidade, não há crime, não há confissão, não há provas de DNA dos acusados, não há flagrante delito.
O que há é apenas paranóia que pretende prender e punir terroristas potenciais. O criminoso do futuro será punido quando a suspeita da intenção do crime for detectada.
Os jovens superdiplomados de Tarnac não liam livros subversivos? Não eram suspeitos pelo fato de se recusarem a ter celulares? Logo, eram terroristas potenciais. Não há provas contra eles, mas tinham tudo de perigosos anarquistas altermundialistas.
E, na França de Sarkozy, o lugar de contestadores, mesmo que aparentemente inofensivos, é na prisão.

Presos aos 12 anos

Não existe na lei francesa uma idade mínima de responsabilidade penal. O juiz é quem deve decidir se o jovem tem discernimento sobre seus atos e se pode receber uma sanção. Mas até hoje, abaixo dos 13 anos, a sanção só pode ser educativa.
Um novo estudo recomenda o encarceramento de crianças a partir de 12 anos!
No jornal “L’Humanité”, o sociólogo Laurent Mucchielli desmente ponto a ponto, com estatísticas, as falsas afirmações da ministra da Justiça, Rachida Dati, de que houve aumento da delinqüência juvenil. Dentro da lógica securitária do presidente francês, Dati quer diminuir a idade da responsabilidade penal.
Definitivamente, a França vai mal.

Um comentário:

Valéria Martins disse...

Ai, meu Deus, espero que agora que os Estados Unidos parecem estar sainda de uma era de sombras, não seja a vez da França mergulhar na escuridão.
Beijocas, Leneide