sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Cesare Battisti

Por tudo que eu já tinha lido na imprensa francesa sobre o caso Battisti, nos últimos anos, tinha formado uma opinião: era um ex-guerrilheiro contra quem havia acusações não provadas e corria risco de vida se voltasse para a Itália, onde fora condenado à prisão perpétua (à revelia). A “doutrina Mitterrand” _ um compromisso verbal do ex-presidente, feito em 1985, previa que os ex-militantes de extrema esquerda que participaram de ações armadas na Itália (considerados terroristas) encontrariam asilo na França se renunciassem à luta armada _ foi ameaçada e Battisti fugiu para o Brasil.
Lendo na semana passada no Le Monde uma entrevista da escritora francesa Fred Vargas, uma das principais defensoras de Battisti, reforcei essa opinião. Ela disse, entre outras coisas: “Toda democracia pode conhecer derivas em momentos decisivos de sua história. Foi o caso da Justiça italiana durante os anos de chumbo, com mais de 4 mil processos contra a extrema-esquerda. Nenhum historiador sério pode dizer que esses processos foram todos regulares. Nenhum historiador pode negar a existência de torturas: no primeiro processo em que Battisti figurava, foram declarados treze casos de tortura. E nenhum desses torturados pronunciou o nome de Battisti”.
Segundo Fred Vargas, que foi ao Brasil defender o ex-guerrilheiro, Battisti que foi membro do grupo armado PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) teve um primeiro processo na Itália, “onde nunca foi acusado dos quatro homicídios cometidos por seu grupo”.
Fred Vargas diz que nunca defendeu a luta armada mas defende Battisti porque seu processo foi irregular do início ao fim. Ela dá todos os detalhes dos vícios do processo.
Fred Vargas informa que o Conselho de Estado francês e a Corte europeia foram informados em 2005 da irregularidade dos mandados contra Battisti, o que tornava a extradição dele legalmente impossível. Mas essas cortes preferiram ignorar os fatos e conceder a extradição “baseadas em mandados irregulares”. A Justiça brasileira, segundo Vargas, teria feito um trabalho sério e declarado o processo viciado.
“Battisti é um exemplo dos desvios da justiça italiana naquela época: torturas – entre elas o suplício medieval que injeta água salgada no estômago – falsos mandados, advogados presos e militantes arrependidos sob pressão... O Brasil interrompeu essa lógica, que queria esquecer Battisti na prisão, com objetividade, sabedoria e coragem”.
Augusto Boal em seu belo discurso no Forum Social Mundial em Belém comentou a reação italiana à decisão da Justiça brasileira:
“O colonialismo italiano ofende a nossa soberania, ele tenta interferir nas decisões da nossa Justiça, como no caso da concessão de asilo a Cesare Battisti. Existe uma lei brasileira que proíbe a extradição de pessoas condenadas em seus países à pena de morte ou à prisão perpétua. É este o caso, é esta a lei! O ministro Tarso Genro apenas cumpriu a lei - a lei brasileira. O presidente Lula foi claro explicando aos italianos as sólidas bases da nossa decisão, mas parece que eles não entenderam, nem disso são capazes. Por quê?
A Itália, que foi o berço do fascismo e deveria ser também a sua sepultura, mostra agora que a ideologia colonialista ainda está viva e pretende anular decisões soberanas do Brasil, invadindo o nosso Judiciário e querendo nos ensinar a diplomacia da obediência e da submissão. Temos que repudiar essa ofensa e libertar o prisioneiro! »

Bethânia

Maria Bethânia cantou na Salle Pleyel.
Era terça-feira de carnaval mas nem se percebia.
Em Paris, carnaval é uma coisa distante, de cidades como Veneza, Rio e Dunquerque. Além de Nice, que também festeja a data.
A sala estava cheia e Bethânia, iluminada, como sempre. A voz e a presença mais bonita da música brasileira.
Chorei quando ela cantou “Cálice”.
Acabara de ler o livro de Carlos Eugênio Paz, um ex-guerrilheiro carioca, sobrevivente dos nossos anos de chumbo e autor do excelente “Viagem à luta armada-memórias da guerrilha”.
Chorei por todos os nossos guerrilheiros, jovens e idealistas, mortos na tortura ou em execuções sumárias.
Nosso cálice "de vinho tinto de sangue”.

Yves e Pierre

Os jornais do mundo inteiro fizeram matérias sobre o que se chamou “a venda do século”, o leilão da coleção Yves Saint Laurent-Pierre Bergé. O leilão organizado pela Christie’s no Grand Palais, onde os quadros e objetos ficaram exibidos por três dias, reproduzindo o ambiente em que Yves Saint Laurent viveu, foi um sucesso extraordinário graças à qualidade das peças da coleção mas também ao talento de comunicação de Pierre Bergé. O milionário é um mecenas de esquerda que ajudou a financiar a campanha de Ségolène Royal e um militante da causa gay que financia a fundo perdido a revista Têtu.
No fim da semana passada mais de 30 mil pessoas fizeram filas intermináveis para ver quadros, móveis, esculturas de mármore, bronzes e madeira que alcançaram preço recorde de 373 milhões de euros no leilão.
Pierre Bergé é o responsável pelo sucesso financeiro da marca YSL. Sem o sólido Bergé como administrador e businessman, o frágil e genial Yves não teria criado a marca mais emblemática da moda francesa do fim do século XX. Foram 50 anos de cumplicidade. Os dois se completavam na criação e na administração da marca YSL. Viviam em casas separadas desde 1976, depois de 18 anos de vida em comum, mas se falavam todos os dias. Yves era um angustiado. Bergé era seu fio-terra. Ele fala de Yves com grande ternura, um artista excepcional, de uma fragilidade psicológica conhecida de muitos. O grande estilista era fóbico, não gostava de viajar, não saía muito e vivia cercado de arte em seu apartamento parisiense e no palácio de Marrakesh, onde os dois costumavam receber, quando jovens, o jet set internacional.
Aos 78 anos, Pierre Bergé se desfaz da coleção de toda a vida do casal, doa algumas peças ao Louvre e guarda três objetos: o retrato de Yves pintado por Andy Warhol, um baixo relevo de Luiz XIV jovem e um pássaro africano em madeira, a primeira peça comprada pelos dois, em 1960.
A renda do leilão vai para a Fundação Pierre Bergé, para financiar a pesquisa médica, sobretudo contra a Aids.

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