quinta-feira, 23 de abril de 2009

“Le Brésil n’est pas un pays sérieux”

A "guerra da lagosta" e a frase que De Gaulle nunca disse


Todo mundo sabe que a imprensa pode, deliberadamente ou por um mal-entendido, veicular inverdades que se transformam em verdades “históricas”. Os exemplos são incontáveis. A frase atribuída a De Gaulle desde 1962 é uma prova de que a versão muitas vezes é mais importante do que o fato.
Na terça-feira, 21 de abril, dia da abertura oficial do ano da França no Brasil muitos laços culturais e históricos foram festejados. No contexto de festividades, pouca gente vai querer lembrar de um momento histórico difícil: a chamada “guerra da lagosta”, durante os governos do general De Gaulle e do presidente João Goulart. Dessa guerra sem canhões nem bombas, restou a famosa frase atribuída ao general De Gaulle: “Le Brésil n’est pas un pays sérieux”, que serve de chicote para nos autoflagelarmos vez por outra.
Acontece que a frase nunca foi pronunciada por De Gaulle, garante o então embaixador brasileiro em Paris, Carlos Alves de Souza, em seu livro “Um embaixador em tempos de crise” (Livraria Francisco Alves Editora, RJ, 1979). Ele diz claramente que sempre achou que “a França estava coberta de razões e o incidente tinha sido envenenado pela imprensa brasileira” (pag. 316).
O embaixador conta que depois de um encontro com De Gaulle, ele não quis dar entrevistas aos jornalistas que o esperavam na saída do Eliseu. Mas à noite, numa recepção em casa do presidente da Assembléia Nacional, Jacques Chaban-Delmas, foi interpelado pelo jornalista Luiz Edgar de Andrade, correspondente do Jornal do Brasil em Paris. Conversaram um pouco “off the records”, o embaixador citou o samba carnavalesco “A lagosta é nossa” e comentou as caricaturas do presidente De Gaulle na imprensa brasileira. Acabou a conversa com a frase: «Luiz Edgar, le Brésil n’est pas un pays sérieux».
A frase entrou definitivamente para o folclore político brasileiro. Quantas vezes não ouvimos a famosa assertiva, citada na língua de Molière?
O embaixador escreve no seu livro: “Provavelmente o jornalista telegrafou ao Brasil não deixando claro se a frase era minha ou do general De Gaulle, com quem eu me avistara poucas horas antes desse nosso encontro casual. Luiz Edgar é um homem correto, e estou certo de que o seu telex ao jornal não teve intuitos sensacionalistas. Mas a frase “pegou”. É evidente que, sendo hóspede do General De Gaulle, homem difícil, porém muito bem educado, ele, pela sua formação e temperamento, não pronunciaria frase tão francamente inamistosa em relação ao país do Chefe da Missão que ele mandara chamar. Eu pronunciei essa frase numa conversa informal com uma pessoa das minhas relações. A história está cheia desses equívocos”.
A frase ficou e serve de chicote para nossos exercícios de autoflagelação.
Se encerra uma verdade, cabe a cada um de nós decidir.
Mas nunca foi pronunciada por De Gaulle.***

Salengro, o bode expiatório da direita raivosa

Um boato amplificado, repetido, avalizado por falsas fontes, pode levar ao suicídio um homem público. Em 1936, Roger Salengro se suicidou, ou melhor, foi assassinado por jornalistas de direita, numa campanha contra o governo socialista de Léon Blum. Salengro respondeu a todas as acusações, foi apoiado pelo presidente do conselho (antigo título do primeiro-ministro), teve o apoio da maioria da Assembléia mas não conseguiu continuar a luta contra a calúnia e o boato erigido em verdade.
O então ministro do interior da França suicidou-se depois de provar que não fora um desertor na guerra de 1914-1918. A campanha dos jornais de direita já o tinha destruído e desestabilizado definitivamente.
Na semana passada, o telefilme “Salengro”, uma verdadeira lição de história, retraçou o “affaire” que manchou a imprensa reacionária francesa, que elegera um dos membros do governo como bode expiatório de todo o ministério do “Front Populaire”. A direita fascista não perdoava os avanços sociais da frente popular, que unia socialistas e comunistas.
A França dava, por alguns anos, adeus ao sonho de justiça social progressiva, que garantiu férias remuneradas a todos os trabalhadores. Logo em seguida, cairia no pesadelo da guerra e no governo do marechal Pétain, um perfeito representante do fascismo à la française.

No avião

No vôo Veneza-Paris, o comandante da Air France avisa que o avião está pronto para decolar mas um passageiro não embarcou e suas malas serão retiradas do compartimento de bagagens. Pequeno atraso. É sempre um suspense para quem está no avião saber que existe uma bagagem que foi embarcada sem que o passageiro tenha subido no avião. Uma bomba?
Felizmente, chegamos inteiros a Paris.

Cannes by Coelho

Paulo Coelho, tristes trópicos, é um best-seller em várias línguas, triste mundo, e um habitué do Festival de Cannes. Leio num jornal francês que ele está lançando um livro que se passa durante o Festival, um dos maiores encontros do mundo do cinema, que reúne verdadeiros artistas da sétima arte e atrai mundanos e deslumbrados, que rondam as celebridades na Côte d’Azur.
No ano passado, eu assistia durante o festival ao programa direto transmitido todos os dias por Canal Plus quando vi o escritor brasileiro num grupo. O jornalista francês e o câmera estavam interessados em seguir Sharon Stone. Ela se aproxima do grupo de Paulo Coelho e se cumprimentam com um beijo. Nem uma palavra sobre aquele homem que cumprimentava Sharon Stone, como amigo de longa data. Nenhum dos jornalistas que comentavam o festival identificou o autor best-seller. Passaram a outro tema porque as imagens de famosos se sucedem com rapidez.
Agora, ele lança um livro que tem o Festival de Cannes como pano de fundo e trata, segundo ele, de “valores” e da celebridade como um objetivo de vida. “É uma espécie de doença. Todo mundo quer ser célébre não porque tenham algo a oferecer ou partilhar, pela celebridade em si mesma”. Algumas críticas publicadas sobre o livro se mostram pouco entusiastas. Seria pedir muito que o acadêmico brasileiro, triste academia, fosse também um escritor capaz de escrever romances de qualidade literária indiscutível ?

Campeões do farniente

Uma pesquisa publicada em março deste ano prova o que muita gente já sabe : os franceses são os campeões das férias no mundo. Aqui, a classe média e as classes burguesas para não falar dos ricos, não morrem de fatiga. De dois em dois meses, os colégios, liceus e universidades têm férias de praticamente 15 dias e quase todo mundo arruma um modo de tirar pelo menos uns dias para ir à montanha esquiar ou a uma praia distante para uns dias de sol. Ou para férias numa das maravilhosas cidades que aliam cultura, museus e patrimônio ao farniente.
Segundo o estudo, os americanos só têm 13 dias de férias por ano, os japoneses, 15 dias e os franceses, 38. Os italianos têm 31 dias e os espanhois têm 30 dias de férias, como os brasileiros. Obviamente, o contexto de crise não ajuda a quem gosta de viajar de férias. Mas mesmo nesse caso, os franceses ganham nas intenções de partir: somente 22% dos interrogados pretendem deixar de tirar as férias integrais enquanto os japoneses são 92% a desistir do descanso.

***Artigo da autora do blog publicado originalmente no site
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/

4 comentários:

noely disse...

Para mim, você não deixou claro que ele , De Gaulle, tenha ou não dito a frase. Parece- me que, pelo que foi escrito, falou, mas na informalidade. Mas o texto me esclareceu muitas outras coisas: o quando , onde e porquê dos fatos. Agradeço por isso. Quero ainda saber se o "Champs Elisées " é chamado de Eliseu.

noely disse...

Para mim, você não deixou claro que ele , De Gaulle, tenha ou não dito a frase. Parece- me que, pelo que foi escrito, falou, mas na informalidade. Mas o texto me esclareceu muitas outras coisas: o quando , onde e porquê dos fatos. Agradeço por isso. Quero ainda saber se o "Champs Elisées " é chamado de Eliseu.

Anônimo disse...

Viu como é horrível ter mentiras inventadas sobre seu país? Isso acontece com os US diariamente--pela midia americana e internacional. Mas ninguém aqui perde tempo se lamentando, que os gringos têm mais o que fazer--unlike Brazilians... :-)

Campello disse...

Absolutamente. Voce não provou nada ao contrário do que é sabido. Seu comentário apenas demonstra sua crença em um lado da história: A do embaixador Brasileiro. que na obrigação dele de embaixador, jamais iria declarar que o de Gaulle disse isso!! Ou voce não sabe como funciona a diplomacia? Agora: que não sério, isso lá não é. Somos o pais da mulecagem e do jeitinho tão cantado pelos menestreis do povo.Seja qual for a razão, não somos um pais sério. E certos politicos apenas reforçam essa "nota" do Brasil, quando trata de assuntos internacionais.