segunda-feira, 19 de abril de 2010

Lula na ONU?


No ano passado, o presidente Sarkozy lançou, numa cúpula do G-20, a candidatura do presidente Lula para a Secretaria-geral da ONU. Agora o Times de Londres volta ao tema. Quando passar a presidência a seu sucessor (ou sucessora) o presidente Lula pode se preparar para a candidatura no final de 2011. Mas nada impede que Ban Ki-Moon, o atual secretário seja candidato à sua própria sucessão.
O presidente brasileiro tem um saldo positivo em seus dois mandatos presidenciais. Quem diz é um dos maiores cientistas políticos franceses, Alain Rouquié, que foi embaixador no Brasil de 2000 a 2003 e é um especialista em América Latina, diretor de pesquisa emérito da Fondation Nationale des Sciences Politiques et de l’Amérique Latine Contemporaine. No jornal L’Humanité (comunista), Alain Rouquié ressaltou a coragem de Lula “de dizer que o importante era criar empregos”. Segundo ele, Lula não rompeu com a ortodoxia econômica e prosseguiu a política de seu predecessor. A política social de Lula e a política externa contribuíram para a consolidação de seu prestígio, segundo o embaixador.
Em entrevista que fiz com o embaixador Rouquié (ainda inédita) sobre seu livro A l’ombre des dictatures-La démocratie en Amérique Latine, para a revista Trópico, ele diz:
“O presidente Lula garantiu a continuidade da política econômica, ampliou a política social de seu predecessor, aprofundou-a e se comportou como um democrata, não tentou mudar a constituição para ter um terceiro mandato. Ele deu uma projeção internacional ao Brasil como nunca se viu”. Mas apesar disso, Alain Rouquié diz não ser evidente que Lula possa eleger sua sucessora pois “carisma não é transferível e um presidente é eleito pelo seu programa e não pelo balanço positivo de seu predecessor”.

Ano 2040 DC: 2 bilhões vivendo em favelas

« Au Brésil, les pauvres meurent dans la boue” (No Brasil, os pobres morrem na lama). Esse título de uma página internacional do jornal comunista L’Humanité faz mal. Não porque eu seja brasileira. Mas porque são meus semelhantes.
Os dados da ONU são alarmantes: se nada for feito na área de urbanização nos países mais pobres, haverá dois bilhões de pessoas vivendo em favelas daqui a trinta anos, segundo relatório da ONU divulgado em 2008. Hoje já existem 200 milhões de chineses, 160 milhões de indianos e 50 milhões de brasileiros vivendo em favelas.
Em números absolutos, o Brasil ocupa o terceiro lugar em população favelada (medalha de bronze) e tem 36,6% de sua população vivendo em casas precárias, construídas em áreas parcial ou completamente insalubres. Consolo para quem precisa de consolo: a Tanzânia, a Etiópia e o Sudão têm uma percentagem da população bem maior morando em favelas: 92,1%, 99,4% e 85,7% respectivamente.
A pobreza urbana e as favelas, decorrentes da migração do campo para as cidades, serão o problema mais importante e politicamente explosivo deste século, segundo uma previsão do Banco Mundial.

Au revoir, Siné

Mais um jornal fecha as portas. O semanário Siné Hebdo, irreverente, mal-educado e engajado teve menos de dois anos de vida. Comprei os primeiros números a partir de setembro de 2008 e vou comprar o último que sai dia 28 de abril. Comprei esporadicamente mas sempre como um ato de engajamento político. Siné foi demitido de Charlie Hebdo, um jornal satírico do qual era uma das atrações principais por ter feito uma piada com o filho de Nicolas Sarkozy, Jean, zombando do oportunismo e do arrivismo do herdeiro. Acusado de antissemitismo por caçadores de antissemitas (um dos esportes favoritos de alguns judeus franceses), Siné ficou sem emprego, processou seus acusadores, ganhou o processo e fundou seu jornal. Agora, apesar de vender 37 mil exemplares todo mês, o jornal não suportou o custo industrial e anuncia o fechamento.
Em julho de 2008, respondendo às acusações de antissemitismo, Siné escreveu:
"Quanto ao meu suposto antissemitismo, nunca fui antissemita, não sou antissemita, nunca serei antissemita. Condeno radicalmente os que são antissemitas, mas não tenho nenhum apreço pelos que, judeus ou não, jogam irresponsavelmente essa palavra abjeta na cara de seus adversários para desconsiderá-los, sabendo que esta acusação é o insulto supremo depois do Holocausto (Shoah). Isso está se tornando insuportável. No que me diz respeito, tenho tanta antipatia por todos os que, judeus ou não, defendem o regime israelense, quanto pelos que defendiam o apartheid na África do Sul. Há mais de 60 anos luto contra todas as formas de racismo e se tivesse tido idade de esconder judeus durante a ocupação o teria feito sem hesitar, como o fiz pelos argelinos durante a guerra da Argélia. Estou do lado de todos os oprimidos!"
Vida longa para Siné!

Violência, o melhor repelente de turistas

O cemitério do Père Lachaise, a maior área verde de Paris intramuros (dentro do Boulevard periférico), recebeu no ano passado 2 milhões de visitantes.
A Torre Eiffel, o monumento pago mais visitado do mundo, recebeu 7 milhões de visitantes.
A igreja Notre-Dame de Paris, o monumento mais visitado da capital francesa e da França, recebeu 13,5 milhões de visitantes.
Veneza recebe 21 milhões de turistas por ano. O Palacio dos Doges entrou na última fase das obras de restauração com o reforço das fundações e a limpeza da pedra por laser. O prédio gótico vai ficar tão bonito quanto no dia da inauguração.
Em 2009, a França recebeu 74 milhões de turistas do mundo inteiro, um pouco menos que no ano anterior. Mas ainda é o primeiro destino mundial de turistas.
O Brasil recebeu 5 milhões de turistas em 2008, segundo a Embratur.
Será que o país não tem um potencial turístico maior?
Quando entrevistei Pál Sarkozy, pai do presidente Sarkozy, esta semana para a Folha de São Paulo, sobre a exposição de pintura que ele inaugura na semana que vem em Paris, ele relembrou uma viagem ao Rio, há vinte anos. Da cidade, ele lembrava do réveillon, das mulheres de nádegas esculturais e do risco, aceito por todos os cariocas como um toque de exotismo. “Ninguém pode parar no sinal vermelho sob risco de perder tudo, até a vida”.
Como violência não é uma fatalidade, prefiro não comentar. Cada leitor tire sua conclusão.

Godard por Antoine de Baecque

O livro é uma maravilha, uma grande viagem ao mundo de Godard, de A bout de souffle (Acossado, 1960) até Socialisme (2010). Na semana passada, comprei mais mais 6 DVDs de Godard que não tinha na coleção. Estou vendo e revendo tudo o que posso. O trabalho de Antoine de Baecque é admirável, um texto delicioso e uma pesquisa de historiador rigorosa. Vamos ver como Cannes vai receber Socialisme, em maio, e se Godard vai aparecer.
Abaixo a entrevista publicada na Folha de São Paulo (Suplemento Mais de domingo).
São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

O homem cinema
O biógrafo Antoine de Baecque diz em entrevista à Folha que tentou desvendar a vida real por trás do mito; prestes a fazer 80 anos, Godard lança o novo filme, "Socialismo", em maio, em Cannes

LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Um é o cineasta mais estudado, debatido e polêmico da França, um dos criadores da nouvelle vague. Seu nome é uma espécie de palavra-slogan que significa cinema.
O outro é um historiador e jornalista, especialista no movimento de vanguarda do cinema francês da virada dos anos 50/60, autor de uma biografia de Truffaut (em coautoria com Serge Toubiana, ed. Record), ex-diretor da revista "Cahiers du Cinéma" e ex-editor de cultura do jornal "Libération".
Quando Antoine de Baecque resolveu fazer a biografia de Jean-Luc Godard, o cineasta não se mostrou entusiasta. Dizia que sua obra é que interessa, não sua vida. Mas a editora Grasset comprou imediatamente a ideia.
O resultado é uma obra de 944 páginas -"Godard"-, em que o nome está sutilmente dividido (GOD numa linha, ARD, na outra).
Trata-se de um livro magistral sobre a vida e a obra de um dos maiores cineastas do século 20, que fará 80 anos em 3 de dezembro e cujo primeiro filme, "Acossado" ("À Bout de Souffle"), foi lançado exatamente há 50 anos, em março de 1960. E já nasceu clássico, revolucionando a linguagem cinematográfica.
Assim como Godard, De Baecque lê o "L'Equipe", diário especializado em esportes. O jornal está sobre a mesa de centro em sua casa, enquanto recebe a Folha para esta entrevista exclusiva.
Apesar de autor da primeira biografia de Godard a ser escrita na França, De Baecque não viu a obra que o cineasta vai apresentar em maio, em Cannes. "Socialisme" [Socialismo, com lançamento no Brasil previsto para 2011] tem no elenco a cantora Patti Smith, o filósofo francês Alain Badiou e o historiador palestino Elias Sanbar.
O filme deve, sem dúvida, provocar polêmica. Afinal, não é esse o maior prazer do controvertido Godard?

FOLHA - Quem é Jean-Luc Godard?
ANTOINE DE BAECQUE - Como ele mesmo diz, "eu sou uma lenda viva". É um mito. Acho que ele tem razão, Godard diz a verdade. O que é uma lenda viva? É um nome -Godard- que significa cinema no mundo inteiro; é uma espécie de palavra-slogan que quer dizer cinema. Foi algo que aconteceu muito rapidamente, e ele viveu grande parte de sua vida sob esse peso. A partir disso, era preciso tentar ver o que havia por trás. O interessante é esquecer um pouco a lenda, confrontá-la com os fatos e atos de uma vida.
FOLHA - O que encontrou além do mito?
DE BAECQUE - Não há na vida de Godard segredos que expliquem seu personagem, seu destino, sua genialidade. Não é como Truffaut... Este era um bastardo, que tinha uma espécie de trauma de infância que fazia com que o pequeno Truffaut estivesse sempre presente, não muito longe do homem que se construiu justamente para superar esse trauma, o fato de não ter tido pai e não ter sido amado. Em Godard, não há segredo de família, exceto quando se fala de rupturas, pequenas decisões em sua vida que explicam o personagem -sobretudo a ruptura com a família, quando decidiu fazer cinema.
FOLHA - Por que precisou romper com a família para fazer cinema?
DE BAECQUE - Godard vem de uma grande família protestante, rica, culta, uma espécie de aristocracia do espírito. Na França, os Monod são uma grande família, que queria uma cultura nobre para o filho mais velho -e não o cinema. Essa ruptura foi acompanhada de uma série de outras, muitas vezes violentas em relação ao meio familiar, o que tornou Godard um adolescente ladrão. Furtou muitas coisas de muitas pessoas, inclusive em família. Por exemplo, um livro original autografado por Paul Valéry, que roubou da grande biblioteca de seu avô -a grande figura da família e amigo daquele poeta. Furtou um livro da coleção do avô para vender. Isso culminou em seu banimento pelos Monod. Foram essas rupturas que fizeram com que Godard se construísse como Godard. Ele renegou muito a si mesmo, mudou bastante de rumo, numa contradição permanente consigo mesmo. De certa forma, isso faz parte de sua própria mitologia, algo que ele mesmo dissera em entrevistas.
FOLHA - O interessante no livro é acompanhar a realização de cada filme, suas relações com os produtores, com os atores. Tudo isso torna a biografia uma fonte inesgotável para os cinéfilos.
DE BAECQUE - Sim, mas também é uma biografia de cineasta. Espero mexer com o discurso estabelecido dos godardianos. Sobre ele, existe um discurso onipresente, extremamente importante, que respeito, que li e que até mesmo contribuí para criar. Mas gostaria que o livro destruísse essa ideia forte -a de que a vida de Godard não tem importância e de que seus filmes podem ser compreendidos sem passar por ela.
FOLHA - Como surgiu a ideia da biografia?
DE BAECQUE - Eu já havia tido contato com Godard, tinha feito entrevistas com ele quando dirigia os "Cahiers du Cinéma" e quando fui editor de cultura do "Libération". Nas entrevistas, ele é o contrário de um bom assunto biográfico: não gosta de falar de sua vida, não gosta que falem de si e é muito desconfiado. O que me levou a escrever o livro foi essa dificuldade.
FOLHA - Foi a editora quem encomendou o livro ou o sr. o propôs?
DE BAECQUE - Fui eu que propus, dizendo que tinha vontade de fazer uma coisa impossível, escrever uma vida de Godard. A editora topou, mas Godard não estava de acordo.
FOLHA - O sr. o contatou?
DE BAECQUE - Eu disse que iria escrever a vida dele.
FOLHA - E como ele reagiu?
DE BAECQUE - Ele me disse: "Você não vai conseguir; de qualquer forma o importante é a obra, não a pessoa".
FOLHA - Evidentemente, o sr. não concorda com isso.
DE BAECQUE - Ao contrário, acho que a vida de Godard tem um duplo interesse. Ela é feita de contradições, de rupturas, de mil encontros. Ele viveu no mundo do cinema de maneira intensa e tem uma vida densa, uma existência rica, ao contrário do que ele mesmo diz. Sua vida é tão fascinante pelo modo como ilumina a vida de seus contemporâneos. Seu cinema e seu modo de viver são o que capta as diferentes épocas que atravessou. Minha ambição é, como digo na introdução do livro, conhecer o gosto do café de Godard. Ele disse de maneira virulenta, um pouco insolente: "De que serve saber que tomo café de manhã?", isso para dizer que a vida não tem importância. Godard tem o gênio de apreender o que faz a vida de uma época; ele é o melhor radar para captar isso e devolvê-lo com um estilo particular.
FOLHA - O sr. diz que seu livro "atrairá o descontentamento de Godard, sua contestação humilhante, até mesmo uma carta de insultos, e o opróbrio dos godardianos do mundo todo". Por quê?
DE BAECQUE - O que me deixa feliz é que o livro está sendo bem recebido pelos não godardianos. Godard o recebeu, mas ainda não se manifestou. Penso que dirá algo sobre ele, pois apresentará "Socialismo" em Cannes, em maio. Acho que irá reconhecer que representa muito trabalho, que é benfeito, mas não poderá deixar de dizer que não é assim que se compreendem seus filmes. E acho que ficará furioso com algumas passagens.
FOLHA - Por exemplo?
DE BAECQUE - Suas relações interpessoais, suas relações com as mulheres. Ele não gosta de falar disso, das rupturas difíceis, dos mortos que o cercam. Acho indispensável falar disso para tornar a vida de Godard compreensível. Penso que não irá reagir bem. Será que vai escrever uma carta, me humilhar em público?
FOLHA - O sr. diz que Godard é, ainda hoje, um dos artistas mais célebres, mais comentados e mais analisados do mundo. Por quê?
DE BAECQUE - É um personagem que fascina muita gente. Cresci vendo filmes como "Salve-se Quem Puder - A Vida", "Passion", "Carmen de Godard". Eu tinha 20 anos. Ao mesmo tempo em que os de Truffaut, como "O Homem Que Amava as Mulheres", "A Mulher do Lado" , que me deram vontade de escrever sobre o cinema, fizeram de mim o que me tornei. Isso me formou.
FOLHA - O sr. diz que Godard "soube moldar seu próprio personagem de bufão midiático, de Diógenes comunicador". Acontece que o bufão é também um melancólico. Ele é tudo e o contrário de tudo, um paradoxo ambulante?
DE BAECQUE - Godard é feito de contrastes, de paradoxos. É extremamente generoso, mas muito centrado em si mesmo, egocêntrico. Também pode ser extremamente doce e violento, pudico e extrovertido, terno e perverso. Mas está mais para o lado da melancolia, de uma forma de tristeza, de tragédia.
FOLHA - De misantropia também?
DE BAECQUE - Sim. É uma pessoa para quem o fato de não estar bem é inspirador. Ele sempre filmou pessoas que carregavam um mal-estar, fez filmes que acabam sempre mal. É essa infelicidade, um estado do ser, o mal-estar, o trauma em relação à história, às mulheres, à família, em relação a si mesmo, à sua própria personalidade, que o inspiram. É muito mais o cineasta de personagens habitados pela infelicidade do que de personagens felizes.
FOLHA - O sr. é autor de uma biografia e um dicionário Truffaut e de um livro sobre a nouvelle vague. O atual cinema francês está à altura de Truffaut e Godard? Quais são os grandes talentos atuais?
DE BAECQUE - Desde a nouvelle vague, desde os anos 60, todos os anos muitos iniciantes fazem um primeiro ou um segundo filme. Isso é muito importante na França, mais que em outros países. É uma constante no cinema francês. De maneira geral, um terço dos filmes franceses são um primeiro ou um segundo filme.
FOLHA - E esses jovens cineastas chegam a construir uma carreira?
DE BAECQUE - Mais ou menos, assim como na nouvelle vague. Naquela época, havia 120 cineastas que fizeram um primeiro filme em três anos e, depois, somente 10 ou 15 continuaram -cerca de 10%. Hoje, é a mesma coisa, talvez um pouco mais. A nouvelle vague legou a essa juventude a vontade de fazer cinema. Ser artista, hoje, passa pelo cinema.
FOLHA - Mas, na França, há o Estado com as subvenções e toda sorte de ajuda...
DE BAECQUE - As subvenções ajudam, mas existe a vontade de fazer cinema quando se é jovem, e isso vem da nouvelle vague. Mas o que falta, hoje, é a polêmica, uma certa violência, rebelião. Isso foi o que Truffaut e Godard encarnaram quando eram críticos, nos anos 60. Hoje, o cinema francês é bastante consensual, falta-lhe aspereza. É muito diversificado, mas falta agressividade. Há herdeiros de um ou de outro.
FOLHA - Justamente. O que Godard representa hoje para um jovem cineasta?
DE BAECQUE - Acho que duas coisas contraditórias: de um lado, o velho babaca no panteão metido a dar lições. Godard gostou de fazer esse papel e acabou detestado por isso mesmo. O velho que vem nos contar como se faz cinema, que era melhor antes. Essa é a imagem do "Godard que pertence ao passado, isso não nos interessa mais". A outra é a de Godard como "meu irmão visionário, a inspiração direta, espécie de Rimbaud". Nas escolas de arte, nas escolas de cinema, essa imagem de Godard é muito importante.
FOLHA - E prevalece sobre a outra?
DE BAECQUE - Podem coabitar. A influência de Godard perdura e é algo que me parece importante -e não só na França.
FOLHA - Logo, ele não é uma figura do passado...
DE BAECQUE - Seus filmes perturbam, estimulam esses jovens, sem passar pela história do cinema. Existem no presente e ainda repercutem -isso é o que faz a força de Godard. O cinema de Truffaut é mais datado, mas tem muita influência por sua vida. Em Truffaut, o que conta é a maneira de viver, de amar o cinema, sua maneira de amar os filmes.
FOLHA - O que mais ficou de Truffaut, em sua opinião, é o lado de crítico de cinema?
DE BAECQUE - É mais o homem Truffaut que tem significado para o cinema. Já em Godard, o que mais fica é a forma, a obra.
FOLHA - E, assim como Godard e Truffaut, o sr. não teve nunca vontade de fazer cinema, de ser cineasta?
DE BAECQUE - Fiz documentários. O último, "Deux de la Vague" [Dois da Onda, escrito por ele e dirigido por Emmanuel Laurent, com estreia no Brasil prevista para 28/5], trata da amizade e da ruptura entre Truffaut e Godard. É um filme de imagens de arquivo, e não é a mesma coisa que fazer cinema como cineasta.
FOLHA - Godard foi acusado de antissemitismo. O que o sr. pensa dessa acusação?
DE BAECQUE - É um contrassenso. Godard é antissionista, seu pensamento se reformou no início dos anos 1970, como denúncia do imperialismo americano e do expansionismo do Estado de Israel, por solidariedade com a causa palestina. Isso o leva a uma visão da história como uma espécie de maldição ligada ao extermínio dos judeus, ao Holocausto, que para ele é o acontecimento central do século 20. Ele não é negacionista; ele diz que as vítimas se transformaram em carrascos.
FOLHA - Godard cultiva o gosto pelo paradoxo e pela provocação. Com "Socialisme", seu novo filme, quem ele quer provocar?
DE BAECQUE - Quer provocar uma discussão sobre a morte do comunismo, como o filósofo Alain Badiou, que faz o papel de um filósofo no filme e diz que "o comunismo é uma ideologia com o futuro diante dela". Acho que se encontraram em torno dessa ideia e se entendem perfeitamente, ao pensarem que o futuro da utopia é o socialismo. Isso é bastante provocador num mundo como o nosso, que quis enterrar o comunismo.
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GODARD

Autor: Antoine de Baecque
Editora: Grasset (França)
Quanto: 25, R$ 59 (944 págs.)


2 comentários:

Heliete disse...

Grande matéria, Leneide! Já tinha lido no Mais, e agora percorrendo o seu blog, volto a ler, aliás continuo te dando os parabéns pelo blog em geral. Bjs

Leneide Duarte-Plon disse...

Heliete, merci. Ter leitores como você é um privilégio. Me sinto recompensada pelo trabalho. Beijo grande. Leneide