sábado, 26 de maio de 2012

« Efeito Hollande » : ricos correm para a Suíça


 
Alain Delon, Alain Prost e Charles Aznavour são alguns dos ricos franceses que já moram na Suiça. Com a vitória do socialista François Hollande e a futura implantação de seu programa fiscal, que vai taxar pesadamente os mais ricos para financiar o programa de crescimento, a criação de empregos e a manutenção do modelo social francês (saúde e educação gratuita e de qualidade para todos), eles estão fazendo as malas para os paraísos fiscais em torno da França : Luxemburgo e Suíça, principalmente.
Apesar de não ser um paraíso fiscal, a Bélgica também atrai os ricos franceses por ser muito mais liberal em termos de impostos. Além disso, Bruxelas está a um passo de Paris. Um advogado especializado em direito tributário disse em uma entrevista que nunca seu escritório trabalhou tanto quanto este ano, dando consultoria para quem quer proteger seu dinheiro na Suiça, elegendo o país como residência principal para escapar ao « efeito Hollande ».  
Comentando a vitória dos socialistas, um jornal de Portugal chegou a escrever que « os ricos vão fugir dessa França absurda e igualitária que só pensa nos pobres ».

Sarkozy corre para o Marrocos …

No dia seguinte à derrota, o presidente Sarkozy foi se reciclar num dos palácios do rei do Marrocos, em Marrakech. Lá, ao abrigo dos paparazzi, ele descansa com a mulher, Carla Bruni e com a filha Giulia, nunca vista em foto pelos franceses. Agora que não é mais presidente pode ser que a menina venha a ser fotografada livremente, já que ninguém mais pode acusar Sarko de usá-la como argumento eleitoral, à moda americana, nem de misturar a vida pública com a vida privada, inaceitável na política francesa.

E Carla Bruni volta a cantar …

Aliás, um jornalista francês ao ter notícia da vitória de Hollande sobre Sarkozy cometeu o que os franceses chamam de « phrase assassine », essas tiradas envenenadas, típicas dos humoristas políticos franceses de rádio e TV, como o insuperável Stéphane Guillon: « Não sei se é uma boa notícia a derrota de Sarkozy. Agora, Carla Bruni volta a cantar… »

Rio trop cher

Um jornalista me contou que a comitiva europeia que ia ao Rio para a Conferência Rio+20 foi reduzida drasticamente por causa dos exorbitantes preços dos hoteis cariocas. Em tempos de crise europeia, pagar hotel caro nos trópicos é um luxo que nem o interesse em salvar o planeta justifica.

Política na TV
"Sans maîtres ni esclaves: nous n'aurons que ce que nous saurons prendre" (slogan anarquista)-Foto Leneide Duarte-Plon - 1° de maio de 2012-Paris


“Como tem paineis de discussão política e debate cultural na televisão francesa!” Essa observação que li numa das crônicas de Luis Fernando Veríssimo me fez refletir o quanto eu passei a ver televisão desde que vim morar em Paris, em 2001. Obviamente, a TV francesa tem também programas debiloides como a brasileira e a italiana, mesmo que sejam em número muito menor. Sinal de que há franceses idiotizados pela « máquina de fazer doido », como brasileiros e italianos. Não são todos Sartres e Lévi-Strauss, saídos da Nomale Sup, eruditos e refinados intelectualmente, como pensávamos ao ler Proust e Voltaire no curso literário da Aliança Francesa do Rio.
Mas o que me faz ligar a TV são programas em que se discute cultura e política, esta fazendo parte integrante da própria concepção francesa de cultura.
Mas a televisão como mídia não se presta a debates aprofundados, o tempo cronometrado não permite que um intelectual mais rigoroso desenvolva um pensamento complexo. A reflexão mais elaborada é incompatível com essa mídia, usada principalmente para divertir e alienar populações no mundo inteiro. Por isso, filósofos dignos deste nome (não confundir com o arroz de festa Bernard-Henri Lévy) nunca puseram os pés num debate dessa mídia superficial e rápida. Penso em Derrida, Alain Badiou e mesmo no psicanalista Jacques Lacan.

Lacan : « Psicanálise é outra coisa »

O único programa de TV do qual Lacan participou foi feito para ele se expressar, com o tempo necessário e com perguntas do também psicanalista e genro Jacques-Alain Miller. O programa passou em dois dias em 1974 e se chamava « Télévision ». Não é nem divertido nem acessível. Trechos do programa podem ser visto na internet.
E por falar em Jacques Lacan, ele dizia sobre a psicanálise, em entrevista a uma revista italiana, feita pelo jornalista Emilio Granzotto : « Propor às pessoas ajudá-las significa um sucesso assegurado e a clientela se acotovelando na porta. A psicanálise é outra coisa ».
Quando vejo pessoas que se dizem psicanalistas dando entrevistas no Brasil dizendo que querem « o bem de seus clientes, que os amam » penso em Lacan : « Psicanálise é outra coisa ».  


Deleuze : esquerda e direita é isso

Na França, a política interessa aos leitores de jornais, aos ouvintes de rádio, aos telespectadores e aos leitores de livros. Os livros que tratam de política são incontáveis, os jornalistas políticos lançam quase um livro por ano e nenhum deles tem a pretensão de se candidatar à Academia Francesa. Seriam nocauteados por grandes escritores-candidatos. Como aconteceu recentemente com o jornalista Patrick Poivre d’Arvor que se candidatou e teve apenas 4% dos votos. E a obra de PPDA, como é conhecido o jornalista, não se resume a dois livros pífios. Ele escreveu romances e uma polêmica biografia de Hemingway. Mas os acadêmicos acharam que o lugar dele não é na Academia.
Aliás, na França, onde surgiu o conceito de direita e esquerda na política, logo após a Revolução Francesa, ninguém ousaria dizer, como se ouve no Brasil, que « esses dois conceitos estão ultrapassados, não dão conta da complexidade do mundo contemporâneo ». Para mim, isso é conversa de brasileiro de direita que não se assume. Aqui na França, em política, esquerda é esquerda, direita é direita. E cientistas sociais, sociólogos e filósofos nem discutem a fronteira entre as duas visões de mundo e a atualidade da luta de classes.
A frase do filósofo francês Gilles Deleuze define muito bem o que é ser de direita e ser de esquerda : « Ser de esquerda é antes pensar o mundo, depois seu país, depois seus próximos, depois pensar a si mesmo. Ser de direita é o inverso ». Simples assim.

Hollande : ser de esquerda é isso

Ser de esquerda é dar o exemplo de sobriedade na gestão das coisas do Estado. Por exemplo : para ir à reunião de chefes de Estado em Bruxelas esta semana, François Hollande pegou o trem e voltou de carro. Um jornal fez o cálculo : se tivesse pegado o avião como seu predecessor, o Estado teria gasto 20 mil euros. Com a segurança e os assessores viajando de trem e de automóvel, a França gastou apenas 6 mil euros.
Como já comentei neste blog, um dos primeiros atos do novo presidente francês foi baixar seu salário e o dos ministros de 30%, cumprindo promessa de campanha. A economia é simbólica, não salva a economia do país. Mas um governo é feito também de atos simbólicos.
Além disso, os ministros tiveram de assinar uma « Carta de deontologia », com os princípios que devem orientar o exercício do poder. O primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault frizou no texto : exemplaridade, ausência de conflitos de interesses públicos e privados.
Além disso, Ayrault, que era líder dos socialistas no Parlamento e prefeito de Nantes (na França a acumulação de mandatos é legal e mesmo louvada por parte da classe política) quis cumprir outra promessa de campanha de Hollande : a paridade total. Pela primeira vez na história da República, o número de ministros homens e mulheres é igual. Dos 34 ministros, 17 são mulheres.
Nicolas Sarkozy, o presidente bling-bling (por seu gosto pelos sinais exteriores de riqueza como Rolex, iates e por se definir como “a direita descomplexada”, isto é, aquela que assume claramente suas opções neoliberais), havia aumentado o salário do presidente (no caso o seu próprio) de 172% (!) logo que assumiu em maio de 2007. Com o corte de 30%, Hollande, que fez campanha como um presidente « normal » (leia-se discreto, sóbrio e comedido), vai ganhar 13.500 euros líquidos por mês pois Sarkozy ganhava 19 mil líquidos. Esse salário era maior que o de Angela Merkel.
Com a redução, Hollande passou a ganhar um pouco menos que sua colega alemã, com quem não tem sido fácil negociar novos rumos para a Europa, principalmente os eurobonds. Mesmo com a discordância de Merkel, Hollande conseguiu esta semana na cúpula informal dos dirigentes europeus em Bruxelas impor a seus colegas o tema e a discussão dos eurobonds, para mutualizar as dívidas dos países da zona do euro.
Já é um começo de vitória. A queda de braço com Merkel continua.


A última obra-prima de Leonardo da Vinci
*Texto publicado na Carta Capital de 25 de abril de 2012

Leneide Duarte-Plon, de Paris
 (detalhe do quadro de Da Vinci -  divulgação)
Alguma obra pode resumir uma vida ? A resposta é afirmativa e a prova é o  último quadro de Leonardo da Vinci, « A virgem e o menino com Sant’Ana » (La vierge à l’Enfant avec sainte Anne). Quem sustenta a tese é o curador da exposição “Sant’Ana, a última obra-prima de Leonardo da Vinci », Vincent Delieuvin, conservador do departamento de pinturas do museu do Louvre, para quem o quadro « resume uma longa meditação de Leonardo sobre a natureza e a arte ».
 Inaugurada em 29 de março, a magnífica exposição, resultado de dois anos de restauração da obra, pode ser vista até 25 de junho. A apresentação de outras obras pintadas na mesma época por Leonardo da Vinci permite ao curador demonstrar sua tese de que « A virgem e o menino com Sant’Ana » é o ápice das pesquisas estéticas do artista. E também permite mostrar que quem se aventurou a copiar o quadro ou tratar o mesmo tema foi totalmente esmagado pela beleza dessa pintura em que a virgem e sua mãe têm quase a mesma juventude. Ninguém jamais conseguiu superar o sublime rosto de Maria por Leonardo. Mas, segundo especialistas, a influência deste quadro da trindade, representada por duas mães diante de um menino-deus, pode ser vista no século XVI em artistas como Michelangelo, Rafael ou Piero di Cosimo.
Ao se deparar com o quadro restaurado pela italiana Cinzia Pasquali, assessorada por uma comissão de experts apoiados nas mais avançadas tecnologias disponíveis no Centro de Pesquisa e de Restauração dos Museus da França (C2RMF), o visitante se diz que todo o esforço, os debates de especialistas e a montanha de dinheiro gasto não foram em vão. A última obra-prima de Leonardo da Vinci está diante de nós em todo seu esplendor, livre das manchas, das camadas de vernizes que puxavam para o amarelo e se somavam ao ataque de insetos xilófagos que haviam deixado rastros de minúsculos buracos invisíveis a olho nu. 
« Quando a restauração de « Sant’Anna » foi aprovada em 2009, pareceu-nos evidente fazer uma exposição em torno desta obra-prima, que representa vinte anos da carreira de Leonardo e revolucionou a história da arte », escreve Delieuvin. Ele explica que as novas tecnologias permitiram a restauração das cores muito próximas daquelas utilizadas pelo artista. A realidade é que o tempo e as diversas camadas de verniz haviam transfigurado as cores e o famosíssimo “sfumato” do gênio do Renascimento.
Iniciado nos dois primeiros anos do século XVI, quando o Brasil acabava de ser descoberto, o quadro _ que trata de um tema muito em voga naquele século, a virgem, sua mãe e o menino Jesus _ foi deixado ligeiramente inacabado em  1519, quando Leonardo morreu,  hóspede de seu último mecenas, o rei francês François 1er. Nos quase vinte anos em que concebeu e realizou sua composição, o artista fez dezenas de desenhos, modificou a posição dos personagens, incluiu no grupo João Batista menino e depois retirou-o, optando por um cordeiro com o qual brinca o pequeno Jesus, que seria imolado, tal qual um cordeiro na Páscoa judaica.
Ao atravessar os Alpes vindo de Florença, em 1516, Leonardo trazia no lombo de animais para o castelo de Amboise, na região do rio Loire, três obras : o retrato da Gioconda, que acabara não entregando ao marido da modelo, autor da encomenda, uma pintura que representava São João Batista e « A virgem e o menino com Sant’Anna ». Atualmente, as três obras fazem parte do acervo do Museu do Louvre. Uma delas, a Gioconda, tornou-se mesmo um dos quadros mais famosos do mundo, o que Leonardo da Vinci nem de longe podia suspeitar ao chegar à França.
Para a atual exposição do Louvre, apresentada como o acontecimento do ano nas artes plásticas, foram reunidas 135 obras entre desenhos, documentos, livros, pinturas e até mesmo uma escultura em baixo relevo em mármore, de Michelangelo, contemporâneo e rival de Leonardo. Muitos dos desenhos são do próprio Leonardo e fazem parte dos estudos de detalhes do quadro, preparatórios para o quadro do Louvre. Vinte e dois deles foram emprestados pela coroa britânica pois pertencem à coleção da rainha Elizabeth II. O mais importante desenho de Leonardo tem o mesmo tamanho do quadro em torno do qual foi criada a exposição. Ele representa Sant’Ana, a virgem, o menino e São João Batista, no lugar do cordeiro, e pertence à National Gallery de Londres. Essa obra é uma das inúmeras versões do artista em que ele « ensaiou » o tema, finalmente pintado sobre madeira e que se tornou um de seus quadros mais conhecidos e admirados, sua última obra-prima. Na exposição, podem-se admirar, ainda, inúmeras cópias do quadro de Leonardo feitas por artistas anônimos do próprio atelier do artista ou evidentes citações feitas por artistas mais ou menos conhecidos. Particularmente belo é o desenho de Degas « Cabeças da virgem e de Sant’Ana ». Exposto desde meados do século XIX no Salon Carré do Louvre, a sala das obras-primas onde se encontrava também a Gioconda, « Sant’Anna », como o quadro é chamado por museólogos, foi copiado por artistas como Delacroix, Manet ou Carpeaux.
No prefácio do catálogo, o historiador de arte Henri Loyrette ressalta que pela primeira vez depois da morte de Leonardo da Vinci, « foram reunidos todos os os documentos espalhados por diversos países que permitiram compreender e contar a fascinante gênese dessa obra-prima agora restaurada ».
Para a exposição, o Louvre não poupou nenhum esforço. Além dos outros quadros que ele possui de Leonardo, entre eles o São João Batista e a Virgem dos Rochedos, o museu pediu emprestadas obras e a colecionadores particulares e a diversos museus do mundo. Do Museu do Prado, o Louvre trouxe a irmã gêmea da Gioconda. A tela, que até poucos anos era tida como uma cópia tardia do famosíssimo quadro, é hoje considerada como um original feito simultaneamente por um dos alunos de Leonardo, no atelier do mestre florentino, a partir do mesmo modelo vivo.
A Gioconda do Prado é bela, seu sorriso é enigmático, mas sua gêmea do Louvre ganha em mistério e o “sfumato” revela a mão do mestre. A Gioconda do Louvre não foi retirada da sala onde pode ser vista, fotografada e admirada diariamente por milhares de visitantes vindos do mundo inteiro. Ao deixar a exposição de Leonardo, vem uma súbita vontade de ir rever a Mona Lisa na outra ala do gigantesco museu para compará-la a sua gêmea vinda da Espanha. Será que ela é hoje inamovível e sua segurança é tão sofisticada que foi impossível retirá-la por alguns meses ?
Leonardo da Vinci foi engenheiro, arquiteto, anatomista, pintor, escultor, botânico, músico, poeta, filósofo e escritor. Ele inventou diversas máquinas de guerra, um tipo de helicóptero e até mesmo a bicicleta. Trabalhando sob o mecenato dos Médicis de Florença, dos Sforza de Milão e, finalmente, de François 1er, rei da França, o artista é considerado um dos maiores gênios da humanidade e um dos maiores pintores de todos os tempos.
No fim de sua vida, em conversa com François 1er que o nomeou « primeiro pintor, engenheiro e arquiteto » de sua corte, o artista lamentou ter-se dedicado às ciências e às pesquisas experimentais roubando, assim, tempo de sua atividade como pintor. Por se dedicar a múltiplas atividades, Leonardo não deixou uma obra pictórica numerosa : menos de vinte quadros são incontestavelmente obra das mãos do mestre, um dos mais famosos canhotos da história da arte.

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