sexta-feira, 2 de maio de 2008

FRANCO BASAGLIA: A LUTA PELO FECHAMENTO DOS ASILOS

O psiquiatra italiano Franco Basaglia, um dos principais combatentes da luta contra a existência dos hospitais psiquiátricos, costumava dizer que a primeira coisa que se encontra quando se entra num asilo não é a doença ou a loucura mas a miséria.

Com essa frase, o psicanalista Patrick Faugeras inicia seu magnífico texto de apresentação do livro de cartas enviadas pelos doentes mentais de Volterra. O livro se chama “Lettres mortes – Correspondance censurée de la nef des fous (Hôpital de Volterra 1900-1980)".

As cartas nunca chegaram ao destino. O asilo, como o cárcere, era sinônimo de isolamento total. As cartas eram interceptadas pela direção do hospital e viravam arquivo. Patrick Faugeras transformou-as num belo e emocionante livro. Fez fotos, traduziu algumas cartas dos doentes mentais e escreveu a apresentação. As cartas encerram a tragédia da doença e do isolamento social. Falam de esperanças e sonhos vãos. As fotos do hospital vazio, paredes de pintura descascada, janelas e portas abertas, depois do fechamento dos hospitais psiquiátricos italianos pela lei 180, são imagens de artista, belas como quadros hiper-realistas.

A lei 180 também chamada “lei Basaglia” foi votada em 1978, depois de uma longa batalha, e resultou no fechamento de todos os hospitais psiquiátricos da Itália. Foi o maior avanço da psiquiatria do século passado, a primeira lei do mundo a decretar a abolição dos asilos.

Há alguns dias, outro livro, desta vez do próprio Franco Basaglia, traduzido por Patrick Faugeras e apresentado pelos biógrafos do psiquiatra italiano, Mario Colucci e Pierangelo di Vittorio, reunia em Paris um grupo significativo de psicanalistas e psiquiatras para ouvi-los falar de Basaglia. Foi na livraria Tschann, no Boulevard du Montparnasse.

Em 1979, um ano antes de sua morte, Franco Basaglia foi convidado a ir ao Brasil com Robert Castel, que acabava de publicar, com Françoise Castel e Anne Lovell, um estudo sobre a situação da psiquiatria norte-americana. Robert Castel também estava na livraria Tschann relembrando Basaglia.

As conferências de “Psychiatrie et démocratie - Conférences brésiliennes”, foram feitas por Basaglia em São Paulo, Rio e Belo Horizonte e editadas na Itália e no Brasil com o nome de “Conferências Brasileiras”.

Colluci e Di Vittorio escrevem no texto de apresentação: Ir contra o escândalo do asilo quer dizer começar a questionar a medicina como forma de governo político dos homens. Freqüentemente, Basaglia invoca os “direitos humanos” para denunciar a condição dos internos. Talvez fosse interessante saber que, na mesma época, Foucault começava a falar dos “direitos dos governados”.

Quem viu o filme de Sandrine Bonnaire sobre sua irmã Sabine (Elle s’appelle Sabine) pode ter uma idéia de como a indústria farmacêutica e a psiquiatria podem transformar um paciente psiquiátrico. Sabine era uma garota bonita, tinha um corpo delgado e um comportamento fora da norma. Vivia com a família, tocava piano e chegou a fazer algumas viagens ao exterior com sua irmã, a atriz Sandrine Bonnaire, com quem sempre teve uma relação de proximidade e afeto.

Depois de ser internada num hospital psiquiátrico por sua mãe, que tinha dificuldade em cuidar dela sozinha, Sabine se transforma numa massa disforme, pesada. Seu olhar é vazio, ela parece ausente. Os remédios, o isolamento em célula totalmente fechada a chave, o sofrimento vivido num serviço de psiquiatria de um hospital francês transformaram a garota, que ficou irreconhecível. O contraste das imagens de antes e depois da internação é chocante.

Os laboratórios farmacêuticos agradecem aos psiquiatras os serviços prestados oferecendo viagens para estações de esqui, conforme nos contou um deles. Tudo discreta e civilizadamente.

Doses monumentais de produtos químicos para acalmar os doentes mentais é o caminho mais fácil para a psiquiatria.

O mais difícil, o mais humano é o caminho que propõe Franco Basaglia.

Numa conferência feita em São Paulo ele diz:

Paralelamente ao asilo, há uma outra instituição que tem uma função de integração similar, a prisão. Esta instituição, em todos os países do mundo tem por finalidade a reabilitação do detento, como o asilo tem por finalidade o tratamento do doente mental. Penso que cada um de nós não pode deixar de sorrir ironicamente quando ouve dizer que a prisão e o asilo têm por objetivo a reabilitação de seus “hóspedes”. Na realidade, tanto o asilo quanto a prisão servem para conter o desvio dos pobres, marginalizar os que já são excluídos da sociedade. Em grande parte, asilo e prisão são intercambiáveis. Podemos pegar um detento e colocá-lo num asilo ou pegar um louco e colocá-lo na prisão, as funções institucionais são as mesmas. (...) A esta lógica absurda e infame do asilo, nós dissemos não. Depois, compreendemos que a internação de “loucos miseráveis” era uma conseqüência do fato de essas pessoas não serem produtivas numa sociedade que é baseada na produtividade e que, se elas continuavam doentes, era pela mesma razão, porque eram improdutivas, inúteis para um sistema social como o nosso.


As idéias subversivas de Basaglia continuam mais atuais do que nunca.

LIBERAÇÃO FEMININA

Maio de 68 mudou a França profundamente. Os trabalhadores obtiveram conquistas formidáveis, como o substancial aumento do salário mínimo e outros direitos sociais, fruto da greve geral que paralisou praticamente todos os setores do país.

Mas o movimento de maio marcou também uma revolução de costumes e mentalidades. Somente depois de 68 foram implantadas em todo o país as classes mistas no ensino público. Até então, em toda a França, meninos e meninas estudavam em escolas republicanas onde se lia: “École de filles” ou “École de garçons”. Até hoje essas escolas, agora mistas, têm essas inscrições gravadas na fachada.

Em 1968, para poderem abrir uma conta bancária, as mulheres francesas ainda tinham que pedir autorização aos maridos. Parece medieval, mas faz apenas quarenta anos.

CENTENÁRIOS
A França tem um dos maiores índices de longevidade do mundo. O órgão de recenseamento francês revelou há poucos dias que o país tem 20 mil centenários.

Segundo um estudo americano, o vinho tinto, sobretudo o Bordeaux, seria um dos responsáveis pelo que eles chamaram de “paradoxo francês”. Esta é a expressão que alguns cientistas utilizam para explicar por que o povo francês come em diversas regiões pratos bastante calóricos, mas tem uma das menores incidências de doenças cardiovasculares do mundo.

Graças ao bom vinho, bebido em quantidades razoáveis, ou seja, dois copos em média, por dia.

Um brinde ao vinho tinto que limpa as artérias e prolonga a vida, com moderação, claro. Tchin tchin.

5 comentários:

Heliete Vaitsman disse...

Adorei seus posts de hoje! O Basaglia, nota mil. Só quero acrescentar que o acesso a serviços médicos gratuitos de bom nível e uma aposentadoria decente deve ajudar um pouco essa longevidade francesa atual. E andar a pé, será?

Valéria Martins disse...

Oi, Leneide!
Eu também acho desumanos os "hospícios", mas há que se pensar no outro lado, ou seja, na família que tem que lidar com o doente mental grave, e muitas vezes ele interfere tanto na rotina que os famíliares só pensam em isolá-lo, colocá-lo "em controle". O ideal é que a saúde pública disponibilizasse algum tipo de serviço de apoio para essas famílias, mas isso, infelizmente, é utopia no Brasil.

Aguardo sua visita e comentário em A pausa do tempo!
Bjs

alexwoll disse...

Nao sao gratuitos nao Heliana. Na Franca o imposto pode chegar a 75% da renda total...

alexwoll disse...

Tambem nao acho utopico, Valeria. O Brasil ja tem hoje centenas de Caps em todo o territorio que estao preparados para o atendimento da crise e grande rede ambulatorial...
Infelizmente a rede ambulatorial acaba sendo usada por pessoas que nao necessitam de um tto psiquiatrico e sim de um apoio psico social...

alexwoll disse...

Nao sao gratuitos nao Heliana. Na Franca o imposto pode chegar a 75% da renda total...