quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Israel-Palestina, metonímia do mundo

Recém-chegado de Israel-Palestina, o filósofo Alain Badiou usou esta semana uma hora de seu seminário na École Normale Supérieure para analisar o Oriente Médio. Ele visitou, entre outras cidades, Jerusalém, Ramallah, Tel-Aviv e Naplouse. O seminário de Badiou, aberto ao público, é freqüentado por mais de 300 pessoas, na Normale Sup da Rue d’Ulm.
Badiou deixou a alegoria da caverna para a segunda metade de sua palestra e na primeira hora trocou Platão por uma aula de filosofia política e do papel do Estado tal como é encarnado por Israel e pela ausência dele do lado palestino. A guerra que acabamos de ver nos jornais e na TV não era exatamente uma guerra, segundo a análise de Badiou. “Foi algo comparável à Comuna de Paris ou ao gueto de Varsóvia: era a tomada de uma cidade por um exército moderno”.
Numa região como a Cisjordânia onde todo trajeto é problemático, pode-se levar uma hora para ir de um lugar a outro que fica a 200 metros, devido aos inúmeros check-points. Para o filósofo, Israel-Palestina é uma metonímia de todos os problemas do mundo, um microcosmo onde se apresenta a totalidade dos problemas do planeta. “A tese dos dois Estados é sem futuro. Quanto mais houver separação, mais haverá violência”.
Pelo interesse com que Badiou analisa o Oriente Médio, não deve tardar um livro explicando a metonímia que Israel e Palestina encarnam.

Daniel Cohn-Bendit em Paris: “Libertem Bargouti”

Na segunda-feira, dia 19, poucas horas depois da trégua entre Israel e o Hamas, realizava-se em Paris, no Théâtre de la Porte Saint-Martin, uma reunião pública convocada dias antes através de anúncios nos jornais. O encontro continha um apelo urgente no título: “Israel-Palestine - Halte aux tueries! Faisons vraiment le choix de la paix” (Parem a matança ! Façamos realmente a escolha da paz). Quem organizou o debate foi a revista semanal “Marianne”. Num país que começa a se transformar em sarkolândia, “Marianne” se tornou uma leitura obrigatória pela vigilância crítica e impertinência em relação ao poder, num panorama midiático largamente cooptado pelo sarkozismo.
O que me levou à reunião foi a presença entre os oradores do deputado europeu Daniel Cohn-Bendit (um ícone de Maio de 1968) e do escritor palestino Elias Sanbar, representante de seu povo na Unesco, além do representante do movimento “Paz Agora”, vindo de Israel, Yariv Oppenheimer.
Cohn-Bendit começou com uma declaração identitária, que ele diz evitar sempre. Se disse judeu mas afirmou que nunca foi nem sionista nem anti-sionista. Ele se considera a-sionista e fez a opção de viver na diáspora, isto é, de não emigrar para o Estado de Israel. “Se Israel se retirar da Cisjordânia e o Estado palestino for criado estarei lá para defender Israel e defender a Palestina”, disse o ex-enfant terrible de Maio de 68.
“É preciso libertar Marouan Barghouti”, lançou Cohn-Bendit. “A Palestina democrática precisa ser criada, é preciso que seja dada aos palestinos a possibilidade de construir a democracia sem os integristas do Hamas”.
Para quem não sabe, o palestino Barghouti está preso em Israel desde 2002, quando foi capturado e condenado em 2004 a 40 anos de prisão por um tribunal civil por “assassinatos e tentativas de assassinatos em atos terroristas”. Graças à repercusão internacional do processo, Barghouti teve direito a ser julgado pela justiça civil, ao contrário dos outros palestinos resistentes, julgados em tribunais militares israelenses.
Nascido em Haifa em 1947, Elias Sanbar tinha um ano quando sua família foi expulsa da Palestina depois da criação do Estado de Israel. Viveu no Líbano e hoje mora em Paris onde criou a “Revista de estudos palestinos”. Sanbar informou que a ONG israelense Bet’Selem, de defesa dos direitos humanos, recorreu à Procuradoria Geral de Israel para denunciar que “Israel cometeu crimes de guerra nessa invasão de Gaza”. ***
“A investida contra alvos civis é condenável, não importa quem seja o agressor nem o alvo”, disse Sanbar.
Não é bem essa a opinião do grande rabino da França, Gilles Bernheim. Em plena guerra, ele declarou ao jornal "Libération": "A única preocupação do exército israelense é preservar, com amor e coragem, a idéia de humanidade e de liberdade para todos os homens" (sic).

Justiça e Paz

“A paz é fruto da Justiça”.
Como uma profissão de fé, a frase está escrita no cartão de visitas do prêmio Nobel da Paz de 1980, Adolfo Pérez Esquivel, que encontrei recentemente em Paris, num colóquio sobre a tortura na Argentina. Esquivel é o fundador da “Fundación Servicio Paz Y Justicia” e um militante da paz.
Fala-se muito de paz quando se faz a guerra. Depois que os tanques de Israel se retiraram de Gaza, voltou-se a falar de paz, de negociações de paz, de um Estado Palestino. Faz 60 anos que a comunidade internacional, Israel e os representantes dos palestinos debatem a criação do Estado palestino. Por que ele nunca saiu do papel?
Agora que os tanques deixaram Gaza, diversos organismos internacionais vão iniciar procedimentos jurídicos para provar a tese de crimes de guerra cometidos por Israel. Esta é a nova fase de uma guerra diferente, de palavras e argumentos nem sempre isentos, na Justiça.
A ONG israelense de defesa dos direitos humanos Bet’Selem é uma das organizações mais ativas na denúncia de violação aos direitos humanos dos palestinos. Israel, como a quase totalidade dos países árabes não assinou o tratado que criava a Corte Penal Internacional, que passou a vigorar em julho de 2002. Essa corte é a primeira instância judiciária permanente que julga os crimes mais graves cometidos durante conflitos armados – crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio.
“O que faz a paz naufragar é o sentimento dos palestinos de que a Justiça não funciona para eles”, diz o escritor e poeta palestino Elias Sanbar.

*** As convenções de Genebra de 1949 e seus protocolos adicionais de 1977 codificam as regras do direito nos conflitos armados. Segundo o estatuto da Corte penal internacional, o crime de guerra que é uma violação dessas regras, se caracteriza entre outras coisas por ataques deliberados:
• Contra a população civil em geral ou contra civis que não tomam parte direta nas hostilidades
• Contra bens civis que não são objetivos militares sabendo que esses ataques causarão eventualmente perdas de vidas humanas na população civil, ferimentos em civis ou danos em bens de caráter civil, ou ainda danos excessivos, duráveis e graves ao meio ambiente, que seriam excessivos em relação ao conjunto da vantagem militar concreta e direta esperada

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