sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Navios de cruzeiro ameaçam a Sereníssima



Leio no « Libération » que a Unesco pede a interdição dos enormes navios que entram na lagoa de Veneza e passam pela Giudecca  despejando mais de dois milhões de visitantes por ano na Sereníssima. São mais de 500 mastodontes por ano que ameaçam a fauna e poluem o frágil meio ambiente da cidade. As ondas gigantes que produzem, juntamente com os vaporettos, atingem as fundações da cidade, composta de uma floresta de pilares de madeira. Além do mais, os gases que expelem poluem as fachadas dos palácios e monumentos.

A foto foi feita no verão passado.

É sempre assustador ver passar tão próximo da Giudecca e do Grande Canal um daqueles monstros brancos que despejam deslumbrados e apressados turistas de um dia no elegante e frágil Patrimônio Mundial da Humanidade.
 

O diretor de Cultura da Unesco resolveu aproveitar os efeitos da tragédia do Concordia para relançar a campanha de interdição dos gigantes poluidores de Veneza. Giorgio Orsini, prefeito de Veneza, que já batalha há anos contra a ameaça dos grandes navios à  sobrevivência da sua cidade, ganhou novo aliado.
 

Cruzeiro no Mediterrâneo… no thanks

Leio que os navios de cruzeiros são cada vez mais gigantescos. O Titanic tinha o equivalente a 46 mil toneladas, levava 3500 passageiros; o Costa Concordia tinha 112 mil toneladas e capacidade para 3780 passageiros e o Allure of the Seas tem 220 mil toneladas e capacidade para 8400 pessoas! Os ganhos das companhias de navegação com os cruzeiros não vêm apenas do preço das passagens, mas das despesas geradas nos cassinos e nas butiques. E quanto mais gente na verdadeira cidade ambulante, mais dinheiro nos cassinos e nas lojas. Os armadores são capitalistas que oferecem cruzeiros cada vez mais acessíveis para lucrar nos serviços e no comércio mas a segurança que oferecem está longe do ideal.
 

« Mesmo nas melhores condições, não se teria como salvar todo mundo em caso de naufrágio de um  desses gigantes dos mares », informou recentemente Jacques Loiseau,  presidente da Associação francesa de capitães de navios.
 

Boa informação para quem sonhou se aventurar um dia al mare.
 

A propósito do capitão Schettino, do Costa Concordia, que fugiu do navio em vez de dirigir a evacuação dos passageiros, sendo severamente repreendido pelo chefe da Capitania dos Portos, De Falco, Alberto Dines escreveu: “O circo brasileiro tem legiões de schettinos e poucos de falcos.  Nossos governantes abandonam os cidadãos”.
 

Dignidade e coragem faltaram ao capitão Schettino, como falta a nossos politicos. 


França : depois da sarkocaína, tratamento de lithium ?
 
 « Não é o discurso de Hollande que preocupa Sarkozy mas o que o candidato socialista encarna : uma presidência calma. Depois da sarkocaína, o tratamento de lithium para a França. Sarkozy tenta desarmar o antisarkozysmo, o verdadeiro motor da campanha ». A frase é de um comentário de Christian Salmon sobre o vibrante discurso de François Hollande no Le Bourget, domingo 22 de janeiro, diante de 20 mil militantes e dirigentes socialistas entusiasmados. O discurso marcou, segundo todos os observadores, a decolagem definitiva de Hollande na campanha e trouxe o desânimo à direita sarkozysta que vê seu campeão em declínio em todas as pesquisas.
 

Hollande atacou a tirania do mundo das finanças, defendeu uma 
França mais justa e menos voltada para as elites, prometeu proteger os serviços públicos fundamentais (educação e saúde), alvos do neoliberalismo sarkozysta,  e prometeu impostos mais justos. Os ricos pagarão mais, disse Hollande claramente.
 

Salmon é autor do formidável livro “Storytelling”, de 2007, no qual mostrou, como atualmente a política é escrita por marketeiros como o roteiro de um filme no qual os politicos devem encarnar um personagem pré-fabricado e bem desenhado.

Pérolas de Pelé : Racismo ? Não somos racistas…
 

Aos  71 anos, o Rei Pelé deu sua primeira entrevista ao jornal Le Monde, em janeiro, de passagem por Zurique.
 

Ao jornalista Mustapa Kessous que perguntou: "O senhor foi o primeiro negro a tornar-se ministro no Brasil. Problema de racismo? » Pelé responde: "Isso não existe no Brasil. E também é um absurdo dizer que existe racismo no futebol, ele é multicolor. Amarelos, negros e brancos". Pelé conta que só descobriu o racismo nos Estados Unidos, quando jogou no Cosmos.
 

Essa candura não surpreende quem lembra que o gênio do futebol expressou em plena ditadura a crença profunda dos ditadores : "O povo brasileiro não sabe votar". 
 

Quando o jornalista pergunta : « Que imagem do Brasil vocês querem mostrar na Copa? », Pelé responde : « O Brasil é a quinta potência mundial! Mas eu gostaria que houvesse menos pobreza e menos desigualdade social. Depois da Copa, haverá os Jogos Olimpicos em 2016. O governo e o povo devem aproveitar desses momentos importantes para modernizar o país."
 

É bom saber que Pelé descobriu a pobreza e a desigualdade social de um dos países mais iníquos do mundo!
 

Num momento de pura ingenuidade ele diz que "as famílias dos bairros pobres e favelas onde havia bandidos estão muito contentes" com a ação do governo para erradicar o banditismo. Não viu nada a criticar.
 

Depois de elogiar muito o estilo e as qualidades do jogador Messi, Pelé responde à pergunta. « Ele é melhor que você? ». « Quando Messi tiver marcado 1283 gols como eu, quando ele tiver ganho três Copas do mundo, voltaremos ao assunto ».
 

Pelé tem plena consciência do seu valor e sempre soube enxergá-lo. Mas não consegue enxergar o racismo brasileiro.
 

O pior cego…  é aquele que não quer ver.   
 


A maman (sem acento)
 
Uma amiga francesa, que não prima pela generosidade, para dizer de forma elegante que ela é avarenta como nunca vi ninguém, nos contou uma história que viveu recentemente.
 

Ela queria mandar fazer uma homenagem para o túmulo da mãe. Para isso, procurou uma loja que prepara placas para cemitérios. Ao saber o preço de cada letra quis recuar, horrorizada. A responsável pela loja lhe disse: “Em vez de Pour maman, a senhora pode escrever:  À maman. Já economiza algumas letras. Como ela continuava a reclamar do preço, a vendedora sugeriu: “Coloque A maman sem o acento, a senhora economiza mais um pouco”.
Resultado. A mãe da minha amiga recebeu a homenagem mais sucinta da história das lápides francesas. E sem acentos, para ficar mais em conta.
 

À toutes les mères, les psychanalystes reconnaissants
 

O psicanalista Patrick Faugeras, que tem um grande senso de humor, nos dizia que quando pensa no papel das mães na fabricação dos neuróticos e das neuróticas que vêm vê-lo no consultório tem vontade de propor aos colegas uma homenagem especial dos psicanalistas no dias das mães. Ao ver o filme de Clint Eastwood, “J. Edgar”, descobrimos uma das mais típicas fabricantes de neuróticos em ação.
 

Seguindo o raciocínio de Faugeras, a frase que pode ser lida na entrada do Panthéon de Paris : "Aux grands hommes, la patrie reconnaissante" seria transformada pelos psicanalistas em placa, na porta dos consultórios: "À toutes les mères, les psychanalystes reconnaissants". 
 

Sétima arte
 

Com “Hugo Cabret” Scorsese realizou um filme emocionante, uma verdadeira declaração de amor ao cinema ao retratar um dos pioneiros da sétima arte, Georges Méliès.

Os franceses, que inventaram o cinema, são o povo mais cinéfilo do mundo, todo mundo sabe. O extraordin
ário número de cinemas de Paris _ passando o que de melhor se produz no mundo da sétima arte, além de festivais permanentes de alguns dos melhores diretores mundiais _ faz da capital francesa a cidade mais cinéfila do mundo. Para saber o que está passando, a cada semana, o parisiense precisa comprar um pequeno guia (Pariscop, Officiel des Spectacles ou Télérama) ou se aventurar pela internet.
 

No ano passado, os franceses compraram 255 milhões de ingressos de cinema, 4,2% mais que em 2010. Somente em 1966 esse número foi superado. Enquanto isso, nos Estados Unidos, a curva é descendente : 2011 teve quase 4% menos de ingressos de cinema vendidos que no ano anterior.
The Artist, que já deu a Jean Dujardin um Golden globe pode continuar sua carreira vitoriosa e conquistar alguns Oscars. Não seria nada mau para o cinema francês. 
 

Ainda na área cultural, um estudo recente mostrou que 70% dos franceses lêem pelo menos um livro por ano. Mas, comparando-se com a década de 70,  os que lêem 20 livros ou mais baixou de 28% a 16%, enquanto os que lêem entre 1 e 10 livros por ano aumentou de 24% a 38%.
 

Nesse relatório sobre a prática cultural dos franceses, quem ganha é o cinema que no ano passado viu o número de espectadores aumentar. Quanto aos jornais, somente 29% dos franceses lêem atualmente um jornal todo dia, contra 55% na década de 70. 
 

Huffington Post também fala francês
 

Por Leneide Duarte-Plon em 26/01/2012 na edição 678 do Observatório da Imprensa

Ao assumir a direção do Le Monde, em fevereiro do ano passado, Erik Izraelevwicz escreveu um editorial em que dizia que “no campo da informação, a revolução introduzida pela internet não para de modificar o panorama. A experiência do Huffington Post nos Estados Unidos nos obriga a repensar nosso jornal, a nos situar numa cultura multimídia”. O Huffington Post americano tem 37 milhões de leitores por mês, o que faz dele o jornal online mais lido do mundo.
 

O Huffington Post francês foi lançado numa operação de marketing digna das grandes marcas, dia 23 de janeiro, na sede do jornal mais respeitado da França, Le Monde, que tem 34% do capital do novo jornal online. O jornal vai competir com os bem-sucedidos Rue89 e Mediapart, criados exclusivamente online, sem versão impressa, por jornalistas oriundos do Libération e do Le Monde, respectivamente.
 

Sem censura
 
Lançado nos Estados Unidos em 2005, o Huffington Post superou a versão online do The New York Times (uma exceção, pois as marcas da imprensa escrita ainda têm um lugar importante entre a mídia online). A versão francesa é totalmente produzida em Paris por uma redação de oito jornalistas (a redação americana tem 200) comandados pela jornalista Anne Sinclair, diretora editorial, que na vida privada é madame Strauss-Kahn.
 

Além de uma bem-sucedida carreira no jornalismo ela goza de uma quota de popularidade excepcional, tendo sido eleita a mulher do ano em 2011, seguida de Christine Lagarde e Martine Aubry. Anne Sinclair prometeu fazer um jornal tipicamente francês, em harmonia com a cultura do país, e anunciou blogs assinados por grandes personalidades do mundo político e cultural.
 

O lançamento reuniu um número de jornalistas, cinegrafistas e fotógrafos nunca visto em entrevista coletiva. Mais de 200 profissionais da imprensa foram à sede do Le Monde para conhecer o projeto. A fundadora do Huff Post, Arianne Huffington, veio dos Estados Unidos e apresentou seu novo rebento cercada dos responsáveis pela versão francesa: Louis Dreyfus, presidente do grupo Le Monde, Matthieu Pigasse, um dos acionistas do Le Monde e presidente da holding Les Nouvelles Editions Indépendantes (que edita o Huff além da revista impressa Les Inrockuptibles), David Kessler, diretor do Huff Post francês, Paul Ackermann, redator-chefe.
 

Mas parte daquele enxame de profissionais da imprensa se deslocou para ver e ouvir a mulher de Dominique Strauss-Kahn, que garantiu que todos os assuntos vão ser tratados pelo jornal, sem censura ou autocensura – mesmo a suíte do affaire que envolve seu marido, pois sabe separar vida privada da vida profissional.
 

Duas marcas

Propriedade do grupo AOL desde fevereiro do ano passado, o Huffington Post foi anunciado por Arianna Huffington como um modelo da informação online, misturando assuntos sérios com a leveza do lazer e da cultura e apresentando “storytellings com emoção e não apenas números e personagens”. Segundo Anne Sinclair, o jornal não é nem de direita nem de esquerda, mas “republicano e humanista”. E pretende ser sério e divertido.
O Huffington Post francês tem cinco rubricas: eleições presidenciais 2012, economia, internacional, cultura e tendências (que inclui novas tecnologias, arte de viver, moda e lazer).
 

Apesar de serem parceiras, as duas marcas que se unem no novo jornal – Le Monde e Huffington Post – são separadas e as redações totalmente independentes.

Um comentário:

Patrícia Morais disse...

Se o Pelé fosse um pouco mais culto diria que ele andou Gilberto Freire, que defendia ter no Brasil uma ''escravidão branda'' e portanto um racismo ''leve''.

Gilberto Freire escrevia da varanda da Casa Grande, fruto de uma elite açucareira reacionária. Pelé fala como alguém que, por seus êxitos com a bola, foi reconhecido como "um preto de alma branca".