sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Pagamos o salário dos que boicotam os cidadãos




De volta a Paris, fui votar no Plebiscito pela Constituinte, no Consulado Brasileiro, por pensar que mudar o sistema político do Brasil deve ser prioridade de todo brasileiro.
Surpresa e estupefação.
A urna estava na porta do consulado, na calçada, pois os responsáveis pela organização da votação não haviam recebido autorização do cônsul geral de Paris, embaixador Julio Zelner, para  fazer a votação dentro do Consulado, na Av. Franklin Roosevelt.
Situação bizarra votar na rua, em Paris. Defendi a Constituinte com mais entusiasmo ainda.
Segundo Carla Sanfelici, coordenadora do Conselho de Cidadãos  de Paris, foi feito um pedido ao Embaixador Sérgio França Danese, Subsecretário-Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior, com cópia para a Ministra Maria Luiza Ribeiro Lopes da Silva. Houve também  inúmeras  solicitações de audiência junto ao então cônsul geral de Paris, embaixador Julio Zelner. Este nunca se dignou a receber o Comitê do Plebiscito.
Depois de ter  tomado conhecimento de que havia sido autorizada uma urna no interior do prédio do Ministério das Relações Exteriores, em Brasilia, a coordenadora do Conselho de Cidadãos de Paris voltou a insistir junto a Julio Zelner. Não obteve resposta.
Se isso não é um boicote a um Plebiscito Popular, não sei o que é.

O cristianismo revisitado por um ateu, ex-cristão

Emmanuel Carrère já provou ser um grande romancista.
Sua obra é premiada e apreciada pelos milhares de leitores que aguardam com ansiedade cada novo livro.
Estou entre eles. Por isso, no dia seguinte à minha volta a Paris fui comprar o novo Carrère, que acabara de ser lançado : Le Royaume (O Reino).
Escrito na primeira pessoa, como quase todos os outros, Carrère magnetiza logo nas primeiras páginas. Ele tenta entender os três anos em que viveu como um convertido ao cristianismo, antes de se tornar ateu.
Ao contrário do livro de José Saramago (O evangelho segundo Jesus Cristo), um romance sobre Jesus _ um verdadeiro livro de filósofo ateu, para quem as três religiões monoteístas não passam de ilusão (como já pensava Freud, entre outros) _ o livro de 630 páginas de Carrère é uma investigação histórica sobre as origens do cristianismo, baseada em dois dos principais personagens daqueles tempos : Paulo, que se chamava Saulo, considerado o verdadeiro criador do cristianismo; e Lucas, que escreveu o evangelho que tem seu nome, além do livro de Atos dos Apóstolos. Carrère se pergunta como aquela saga cheia de desafios à razão pura pode fascinar a tal ponto, dois mil anos depois de contada.

Os grandes jornais e os críticos franceses não pouparam elogios ao romance. Le Monde deu duas páginas no suplemento de livros, com um texto assinado pela acadêmica Florence Delay.
Abaixo, um trecho do editor do suplemento, Jean Birnbaum, “Viver? Que boa ideia” :
É uma das cenas mais memoráveis do Reino construído por Emmanuel Carrère. Na página 23, ele conta sua única sessão com o psicanalista François Roustang. Diante dele, o escritor evoca o impasse no qual se encontra, suas dores de barriga, seus pensamentos suicidas. Depois pergunta a Roustang se ele o aceita como analisando. Este responde que não. « Vejo que tudo o que lhe interessa é provar mais uma vez o quanto você é capaz de colocar seus psicanalistas em cheque e considerá-los derrotados », responde Roustang. « Você deveria passar a outra coisa ». « Sim, mas a que exatamente? », pergunta o escritor. « Você falou de suicídio. Ele não tem boa reputação atualmente, mas pode ser uma solução.” Depois de ouvir o silêncio por longos segundos, o terapeuta conclui: « A outra opção é viver ». Fim do tratamento. « Pouco a pouco, sem que tenha revisto o psicanalista, as coisas começaram a melhorar », conta Carrère.
A outra opção é viver… Fórmula de uma fulgurante simplicidade na qual se reconhece o estilo audacioso e provocador que distingue François Roustang. Franco-atirador da cena freudiana, passou da Companhia de Jesus à « seita lacaniana », depois passou da psicanálise à hipnose. Roustang compartilha com Carrère a mesma repugnância pelos relatos blindados de certeza, tem a convicção de que o humor permite dinamitá-los. Por isso, é preciso se felicitar pelo fato que Le Royaume, de Carrère, chegue às livrarias ao mesmo tempo que um belo livro com artigos assinados pelo psicanalista, reeditados em livro de bolso com o título « Feuilles oubliées, feuilles retrouvées » (Petite Bibliothèque Payot).
Eu conheci François Roustang na casa de um renomado psicanalista argentino, exilado em Paris desde a ditadura. Depois de ter sido jesuíta, Roustang tornou-se psicanalista, me haviam contado. Meu interlocutor frisou com ar desolado o fato de Roustang ter sido tentado pela hipnose.
Sem hipnose, mas com perspicácia e numa única sessão, ele conseguiu o resultado que seu paciente buscava : trocar as idéias suicidas pelo desafio da vida.
Royaume é o fruto dessa aposta de Carrère na vida.


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